Autocarros turísticos (além dos tuk tuk) irritam cada vez mais moradores da Sé

REPORTAGEM
Samuel Alemão

Texto

MOBILIDADE

Santa Maria Maior

27 Julho, 2015

As ruas apertadas que ligam a Baixa às zonas da Sé e do Castelo têm conhecido um enorme aumento do trânsito, proporcional ao corrupio turístico dos últimos anos. E se os tuk tuk já garantiam movimento que chegue, os autocarros turísticos vieram tornar ainda mais complicada a vida dos que ali vivem. Isto porque os enormes veículos estacionam em frente da Sé e tentam fazer ali mesmo a inversão de marcha. Barulho, poluição atmosférica, trânsito lento e até acidentes, além de um impacto visual que era suposto não acontecer junto a um Monumento Nacional, marcam o quotidiano da zona. A Junta de Freguesia de Santa Maria Maior quer que a câmara tome medidas.

Chegam em grupos cada vez maiores, mais ruidosos e numa frequência que parece ser incessante. Os turistas em deambulação pela Rua de Santo António da Sé – eixo fulcral na ligação entre a Baixa, a Sé, o Castelo e Alfama – têm-se evidenciado como uma realidade crescente e participante activa da explosão turística sentida por Lisboa, nos últimos anos.


E se o dinheiro e animação por eles trazidos foram, numa primeira fase, sendo bem acolhidos pela generalidade da comunidade, ali, como noutras áreas da cidade, está a tornar-se crescentemente notório o incómodo causado não só pela sua omnipresença, mas mais ainda pelas formas que a mesma assume. Aos inevitáveis tuk tuk juntam-se segways e autocarros.

E são estes que maior descontentamento estão a causar aos moradores da área em redor da Sé de Lisboa. “Os autocarros chegam carregados de gente, páram em frente da Sé, ou nas imediações, e entopem completamente o trânsito. Não há nenhuma justificação para que isso aconteça. Em qualquer país europeu, os autocarros não estacionam em frente do monumento nacional e despejam pessoas. Não há qualquer justificação para que tal suceda”, critica Sérgio Mah, 45 anos, professor universitário de fotografia e sociologia da imagem, residente no Largo de Santo António da Sé desde Janeiro de 2009.

A qualidade de vida que inicialmente aqui encontrou esvai-se a passos largos. “Nos dois últimos anos, isto tornou-se insuportável”, desabafa, sem deixar de considerar que o prologar da situação o poderá levar a abandonar a zona. “Se não se tomarem medidas, torna-se insustentável viver na Baixa”, considera. Isto porque a recente enxurrada turística parece estar a suceder-se sem que ninguém pareça interessado em delimitar as suas margens.

“O turismo, em si mesmo, é uma coisa boa, é um fenómeno positivo. Agora, espera-se que as autoridades façam algo, pois o crescimento a que temos assistido coloca problemas do próprio fenómeno”, considera. E dá um exemplo: “No outro dia, tive de conduzir a 10 à hora, porque à minha frente ia um pelotão de segways. Acho isto inacreditável”, critica.

Mas o que incomoda mesmo são os grandes autocarros que ali vão todos os dias verter turistas. Sérgio Mah refere que a circulação e paragem desses veículos naquela área faz muito pouco sentido, não apenas por questões de fluência e segurança rodoviária – ele mesmo teve um acidente por causa de uma inversão de marcha de um autocarro -, mas também por manifesta descaracterização visual de um local cuja beleza é o maior atractivo. “Torna-se difícil fotografar ou desfrutar da Sé, quando há sempre autocarros em frente”.

O mesmo pensa o seu vizinho no mesmo prédio Pedro Reis, 47 anos, para quem “não faz qualquer sentido, nem tem qualquer interesse, ter um monumento em que as pessoas chegam e vêem tudo cheio de autocarros”. Pedro, ali vive há uma década, define a situação do trânsito como “caótica”, uma vez que a circulação “fica, muitas vezes, bloqueada”.

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“Qualquer dia, esta rua torna-se numa via intransitável”, diz. Para este residente, “o turismo é uma coisa óptima, mas a cidade tem que estar preparada para o receber. Neste caso, tem tudo que ver com a escala e a proporção, uma vez que os autocarros enchem a praça”, afirma Pedro Reis, para quem “as autoridades competentes deviam agir para pôr cobro a esta situação”.

Uma moradora, Margarida, contou ao Corvo que assistiu a “uma manobra ‘criativa’ de um autocarro a virar para a Rua da Madalena, em frente à Rua da Padaria, que não conseguia curvar mas pediu a um passageiro para entortar o sinal de trânsito para conseguir curvar sem bater no sinal”. “A questão é o comprimento dos autocarros, que não lhes permite fazer manobras nas ruas do nosso bairro, porque estes estão dimensionados para estradas largas e autoestradas e não para circular no nosso bairro”, conta a moradora.

Para esta residente, torna-se necessário “chamar à atenção para que exista um limite do comprimento dos autocarros que sobem para a Sé, porque não conseguem dar a volta em frente à Igreja da Madalena sem passarem por cima do passeio – que, entretanto, cedeu pelo peso das manobras dos grandes autocarros na curva”. Margarida diz que “esta situação é de fácil resolução e baixo custo”. “É só estabelecer um limite ao comprimentos dos autocarros que podem circular no bairro, sabendo que podem estacionar no Campo das Cebolas, e os visitantes percorrem o bairro a pé”, diz.

Um pouco mais acima, na Rua das Pedras Negras, Pedro Pacheco, 50 anos, também se queixa da “falta de gestão adequada do espaço público e de uma visão mais global das coisas”, patente na “invasão de tuk tuk” e sublinhada através dos “autocarros que chegam com grandes grupos de turistas saídos dos cruzeiros que chegam a Lisboa e que apenas têm um dia para a visitar”. Sempre que isso sucede, as coisas tornam-se complicadas no apertado trecho de via formado pela Rua de Santo António da Sé, Largo de Santo António da Sé e Largo da Sé. “É um caos quando os motoristas tentam dar a volta com os autocarros. Ás vezes, são dois ao mesmo tempo”, relata.

Este morador lamenta que “ninguém esteja a falar da poluição causada no centro histórico da cidade por todos estes veículos, incluindo os tuk tuk, quando se está sempre a falar que é preciso melhorar a qualidade do ar da Avenida da Liberdade”. Pedro Pacheco recorda que, quando foi para ali morar, em 1996, “era frequente ouvir-se que a Baixa estava a ficar deserta e que eram necessários novos moradores”. Aos poucos, ele e outros foram repovoando e contribuindo para a regeneração populacional daquela área. Mas sente que “os proveitos relacionados com o turismo se estão a sobrepor ao equilíbrio da cidade”. Apesar disso, diz que continua a gostar muito de morar no centro de Lisboa.

Contactado pelo Corvo, o presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, Miguel Coelho (PS), disse que “as queixas dos moradores têm toda a razão de ser”. “Acho inaceitável a pressão que está a ser exercida pela actividade turística em torno da Sé, com todos aqueles autocarros e tuk tuk. Isto não faz sentido nenhum”, critica o autarca, para quem a Câmara Municipal de Lisboa e a Direcção Geral do Turismo “têm rapidamente de tomar medidas, fazer um regulamento que impeça generalizado aquela zona”. “Aquelas ruas foram feitas numa época em que o meio de transporte era a carroça, são muito apertadas e não comportam autocarros daquela dimensão”.

Miguel Coelho diz que já tentou sensibilizar a câmara para este problema, por diversas vezes. “Eles dizem que vão analisar o problema”. O Corvo contactou a CML para saber o que pensa a autarquia fazer para resolver este problema, mas não obteve resposta até à publicação deste artigo.

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COMENTÁRIOS

  • Tuga News
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    [O Corvo] Autocarros turísticos (além dos tuk tuk) irritam cada vez mais moradores da Sé http://t.co/IJvVkj4EgX

  • manuela
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    Concordo com todas as criticas aqui expostas e espero que os responsáveis politicos e gestores do nosso património se sensibilizem pondo de lado a cegueira dos cifrões gerada pelo turismo galopante nesta nossa terra.
    Sei o que se passa na Lisboa histórica pois é lá que trabalho mas como moradora da zona de Sintra testemunho diariamente todo este caos gerado pela indústria do turismo. Autocarros grandes, pequenos, tuk-tuks, linhas de carochas e motas antigas de aluguer, tudo o que se possa pensar em motorizado, nada amigo do ambiente e dos nossos ouvidos, entope as vias onde mal cabe um só automóvel… há já um ano atrás expus estas preocupações num email à Câmara de Sintra que o ignorou completamente. Enfim, tudo isto demonstra o nível de dirigentes que temos e em quem votamos.

  • Anónimo
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    Em frente a Sé é um autêntico caos, deviam era proibir os Tuk-Tuks e autocarros…vão a pé, que faz muito bem a saúde.

  • Joao Parracho Filipe
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    Os autocarros estão bloqueados por causa dos tuk tuk que operam sem rei nem roque, sem facturas nem recibos com preços regateados consuante a cara do cliente que angariam em plena rua, uma coisa que é ilegal.
    Ninguém parece importar-se com isso pois há vereadores proprietários de empresas de tuk tuk…

  • Tito Ferreira de Carvalho
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    Preso por ter cão, preso por não ter! Este é o Português médio!

  • Angela Mesmoudi
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    Sou a favor do turismo, mas os Tuk-Tuks fazem muita poluição sonora. E para quem mora ou trabalha nas zonas por onde passam sabem muito bem do que é que eu estou a falar.

    • Paulo Coelho
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      Os únicos que não se apercebem disso são os dirigentes da Camara Municipal…regulamentem os estacionamentos e zonas de circulação dos Tuc Tuc e a ASAE que fiscalize a actividade pois nem facturas passam o que é uma imoralidade numa altura em que são exigidos tamanhos sacrificios aos portugueses e a preocupação é de exigir que se passe factura por um cafe….

      • anónimo
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        és taxista és porco, inculto, malcriado

  • Paula Marques
    Responder

    Os autocarros de turismo, em tempos, subiam até ao Castelo, depois só até às portas do sol e a partir de 1998 a subida foi restringida à Sé. O local nunca foi de estacionamento mas de largada de passageiros e nunca houve problemas até ao aparecimento dos tuktuks. Estou de acordo em restringir a subida de autocarros, sobretudo com o espaço atravancado de veículos a funcionar de forma duvidosa, barulhentos, poluidores. Mas convém não esquecer que a igreja de Santo Antonio recebe peregrinos e muitos têm dificuldades locomotoras e não é fácil acederem a pé. Tirem os autocarros e todos os veículos que impeçam a circulação dos transportes públicos, o estacionamento selvagem, os tuks, buggies e outros veículos que invadem bairros, zonas pedonais e fiscalizem as “negociatas” entre pseudo-motoristas e clientes.

  • Sandrine Marques
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    Os autocarros Já subiam à Sé bem antes da invasão dos tuk tuks!!!! E ninguém se queixava…

  • Paulo Coelho
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    Concordo com a Paula Marques. Sou guia de turismo ha 27 anos e os autocarros só começaram a ter problemas desde o aparecimento dos Tuc Tuc e veículos afins que invadem todo o espaço em frente á Sé e impossibilitam o acesso e as manobras dos autocarros. Também concordo que autocarros de grandes dimensões tipo dois eixos poderiam ser proibidos de ir até la…só que não nos podemos esquecer que há muitos grupos de peregrinos e outros visitantes a ir até á Igreja de Santo António e muitos são de bastante idade. O campo das cebolas quase nunca tem espaço para autocarros e os poucos lugares estão ocupados com carros ou Tuc Tucs…aliás aconselho a todos verificar em que zonas de Lisboa existem parques para autocarros e terão uma desagradavel surpresa. Os transportes publicos ali não são alternativa pois tanto os electricos 12 e 28 andam sempre apinhados de gente…e o mini autocarro da carris Martim Moniz-Castelo ou anda apinhado ou em muitos horarios-ex. fim de semana-nem funciona.

  • Patricia Nóbrega
    Responder

    Está a tornar-se insustentável viver na zona da Sé!

  • joao
    Responder

    Basta ver o desastre que foi hoje tentar circular por Sintra, ruas entupidas e dezenas de carros multados, mas a ganância leva a estas coisas! Qual sustentabilidade!

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