Sobram contradições sobre suposto despejo pelo PCP de uma associação de reformados e idosos da Ajuda
No início de Outubro, a Comissão Unitária de Reformados e Idosos da Ajuda (CURIFA), a funcionar no rés-do-chão de um prédio da Rua das Mercês, ficou a saber que o seu novo senhorio era o vizinho do andar cima: o PCP. Mas também que teria de abandonar o imóvel, pois o partido vai fazer obras e não os quererá de volta. A novidade deixou muitos dos associados em choque e terá criado divisões na direcção. O presidente e o tesoureiro, porém, garantem falar a uma só voz e elogiam os comunistas. “Não fomos despejados. Eles foram, aliás, os únicos que se chegaram à frente para nos ajudar”, dizem. O assunto tem dado que falar naquele bairro. O presidente da Junta de Freguesia da Ajuda diz-se preocupado com os idosos e empenhado em arranjar uma solução. Algo, aliás, que o PCP também garante. Tanto que estará disposto a custear o arranjo das antigas instalações da CURIFA, na Calçada da Ajuda.
Junto à porta do prédio com o número 112 da Rua das Mercês, tem-se uma vista para uma nesga do Tejo, que resplandece tranquilo lá em baixo, numa perfeita sintonia com a calmaria desta parte da cidade. Mas lá dentro, no rés-do-chão, onde, há uma década e meia, funciona a Comissão Unitária de Reformados e Idosos da Ajuda (CURIFA), já se conheceram dias menos sobressaltados. A notícia de que a agremiação popular estaria em vias de ser despejada pelo PCP, novo senhorio do imóvel desde o final do Verão passado, tem atraído atenções alheias e sido motivo de discussão na assembleia de freguesia. A ordem de saída teria como prazo o fim de Novembro e estaria a pôr em causa a continuação da normal actividade.
O presidente da junta, Jorge Marques (PS), diz estar “preocupado” com o futuro dos idosos e assume-se empenhado em encontrar uma solução para que os mesmos continuem a ter um espaço de convívio. Mas tanto o PCP como a direcção da CURIFA – pelo menos parte dela – garantem a O Corvo que a história não é bem assim. E dois dos membros da direcção da referida comissão de reformados e idosos até agradecem aos comunistas o seu “empenho em ajudar”. Neste momento, dizem, existirão conversações entre ambas as entidades (CURIFA e PCP), mas também com a Direcção Geral do Tesouro e Finanças, para se criarem as condições para o regresso à sua sede social, no número 226 da Calçada da Ajuda – de onde saíram em 2003, devido à falta de condições de segurança.
O edifício da Rua das Mercês foi adquirido pelo partido político, em Setembro passado, através de uma hasta pública, realizada na sequência da declaração de insolvência do anterior senhorio, a Pluricoop. A entidade, que chegou a ser maior cooperativa de consumo do país, havia assumido a propriedade do imóvel na década de 90, após assimilar a antiga Cooperativa Aliança Operária, que até aí o detinha. O PCP, que já tinha contrato de arrendamento com o antigo proprietário relativo ao primeiro piso, passou então a ser o novo dono do prédio. E foi depois disso que a sequência de eventos acelerou, conhecendo-se da mesma diferentes versões.
A transacção aconteceu num momento em que a Sociedade de Reabilitação Urbana Ocidental (SRU Ocidental), detida pela Câmara de Lisboa, já havia notificado o anterior senhorio para a necessidade de realização de obras estruturais. A degradação da varanda é, aliás, visível, tendo a queda de pedaços de betão deixado à vista a armação metálica. O projecto de requalificação estará em apreciação e “as obras deverão iniciar-se o quanto antes, obrigando naturalmente à saída de todos os ocupantes do prédio para a sua realização, incluindo o Centro de Trabalho do PCP”, explicou o partido, num comunicado, a 3 de Dezembro, no qual assegura que a requalificação do edifício “tem por objectivo não o de fins turísticos ou de alojamento local, mas para o adequar às suas necessidades e ao desenvolvimento da sua actividade”.
O local serve como "centro de dia" de muitos idosos e reformados da freguesia
Uma informação publicada no mesmo dia e como desmentido de uma notícia do Jornal de Notícias que dizia ser o “PCP acusado de querer despejar reformados para ‘rentabilizar’ prédio”. Nesse artigo, “uma fonte ligada à associação” acusava o partido de lhes ter comunicado, a 10 de Outubro, que teriam de abandonar, no mês seguinte, as instalações que ocupavam desde 2003, por necessidade de as “rentabilizar”. Uma saída adiada após alegados protestos de associados. “Não compreendemos como o PCP ainda no sábado andou a distribuir panfletos no mercado da Ajuda a protestar contra a lei dos despejos e depois toma esta atitude”, dizia uma fonte da comissão, citada no referido artigo.
O desmentido dos comunistas – para o qual remeteram agora O Corvo, quando interrogados sobre este caso – falava numa “iniciativa conjunta entre o PCP e a CURIFA, incluindo a verificação da situação da sua sede e das medidas para a sua utilização, mobilizando esforços para que a Associação possa regressar à sua sede”, na Calçada da Ajuda. E explicava que essas diligências incluíam o “contacto com instituições no sentido de uma instalação provisória, se tal se colocar como necessário, entre o início das obras no edifício da Rua das Mercês e a realização das obras na sede da CURIFA”.
Uma versão, no entanto, não coincidente com a relatada ao JN pelo presidente da Junta de Freguesia da Ajuda, Jorge Marques (PS), que garantia ter em sua posse um abaixo-assinado da comissão contestando o suposto despejo. Mais: explicava que, depois de o ter recebido, havia reunido com três elementos do PCP, que haviam dito “que não era aceitável o regresso da associação porque tinham de rentabilizar o espaço”. Informações que o autarca reitera agora a O Corvo.
O assunto, confirma o presidente da junta, foi mesmo discutido durante a última sessão da Assembleia de Freguesia da Ajuda, a 11 de Dezembro, tendo motivado uma acesa troca de palavras entre as várias forças políticas ali representadas. Debate espoletado quando um dos associados da comissão de reformados e idosos terá pedido a palavra, no período dedicado à participação do público, para denunciar o que entendeu como uma atitude do PCP pouco consentânea com o que o partido defende politicamente. Interpelado por O Corvo, o mesmo elemento escusou-se agora a fazer comentários sobre a sua participação nessa reunião. Até porque a mesma diverge da versão oficial propalada pela direcção da CURIFA, apesar de conter elementos comuns.
Vasco Pardal, o presidente, confirma que na tal reunião de 10 de Outubro lhes foi pedido que saíssem em Novembro, o que terá deixado os dirigentes associativos “bastante surpreendidos”. “Dissemos-lhes que era impossível, que só sairíamos dentro de um prazo aceitável ou até, se tal fosse possível, teríamos de ficar aqui”, conta a O Corvo, referindo que, desde a primeira hora, quando se mudou para a Rua das Mercês, havia ficado convencionado que a comissão de reformados pagaria apenas a água e a luz do imóvel. Um trato, aliás, igual ao estabelecido em 1989, quando a agremiação se instalou no 226 da Calçada da Ajuda, por cedência da Direcção Geral do Tesouro, e através de um protocolo assinado com a Junta de Freguesia da Ajuda. As infiltrações no telhado obrigaram, contudo, às mudança provisória para as actuais instalações, há 15 anos.
Na reunião que tiveram com os responsáveis comunistas, os dirigentes associativos ficaram então a saber que haveria alternativas à saída imediata. “O PCP não nos despejou, ao contrário do que anda aí a ser dito. Na verdade, não temos razões de queixa deles. Até porque se disponibilizaram a ajudar-nos a encontrar uma alternativa”, afirma Rui Braz, tesoureiro da instituição. E a alternativa mais credível, refere, passará pelo regresso à antiga sede na Calçada da Ajuda. Tal desígnio levou mesmo a que os responsáveis da CURIFA se deslocassem a esse edifício, acompanhados de um técnico do PCP para se inteirarem das necessidades de reparação do mesmo. O que bate certo com a versão dos factos relatada no comunicado do partido emitido a 3 de Dezembro.
A visita ao edifício abandonado em 2003 por falta de condições – “chovia lá dentro”, recorda Vasco Pardal – terá ocorrido a 22 de Novembro. E daí terá resultado um orçamento para a realização de obras de reabilitação com o valor de 14.500 euros. “Trata-se de uma verba que não temos hipótese nenhuma de pagar. Vivemos da quotizações voluntárias dos nossos 160 associados, com um valor mínimo de um euro por mês”, explica Rui Braz, lembrando, porém, a atitude colaborante do novo senhorio. “O PCP tem disponibilidade para comparticipar a obra”, garante.
Neste momento, segundo Rui Braz, estará a ser avaliado em quanto podem ao certo os comunistas comparticipar no arranjo das instalações da Calçada da Ajuda. “Depois, nós teremos de assegurar o remanescente”, explica o tesoureiro. “No meio disto tudo, a única entidade que se chegou à frente para nos ajudar foi o PCP”, diz Vasco Pardal, apesar de admitir que “a junta de freguesia já falou com o pelouro dos direitos sociais da câmara sobre isto”.
Uma informação confirmada a O Corvo pelo presidente da junta. Jorge Marques (PS) diz, no entanto, não ser lícito assumir como certa a possibilidade de regresso da Comissão Unitária de Reformados e Idosos da Ajuda às instalações da sua sede original, no 226 da Calçada da Ajuda. A situação desse edifício, diz, será discutida numa reunião que terá, a 8 de Janeiro, com responsáveis da Direcção Geral do Património e Finanças. “A reunião já estava marcada, por causa de outros assuntos, mas aproveitarei para colocar a questão. Agora, não podemos é assumir já que o edifício estará disponível”, alerta.
O autarca socialista confessa “grande preocupação pelo que poderá acontecer aos idosos e reformados” – tal como já havia feito na referida assembleia de freguesia – e diz não dar tratamento diferenciado ao caso por estar em causa o PCP. “Tratamos o senhorio como qualquer outro. Preocupa-me é arranjar uma solução, pois trata-se de uma situação muito difícil para aquelas pessoas. Temos de garantir forma de a associação encontrar um espaço para exercer as suas actividades”, afirma o presidente da junta de freguesia, sem deixar de fazer uma leitura política do caso. “Isto é uma situação delicada para muitas daquelas pessoas, pois muitos sócios da CURIFA são militantes do PCP. Existem, aliás, visões diferentes sobre este assunto dentro da direcção”, assegura.
Já Nuno Moreira, eleito do CDS-PP na assembleia de freguesia é bem mais crítico. “O que se está a passar é uma vergonha, tal como o foi o que se passou na assembleia no dia 11. O PCP, que é sempre lesto a acusar a direita e a apontar o dedo ao CDS pela Lei Cristas, afinal comporta-se como um proprietário, quando lhe tocam nos seus interesses. Caiu-lhes a máscara”, afirma.
Na referida sessão da assembleia de freguesia, ocorrida a 11 de Dezembro, foi aprovada uma moção, apresentada pelo Bloco de Esquerda, que pede a articulação entre o executivo da Junta da Ajuda e o proprietário do imóvel da Rua das Mercês – o PCP – para a “manutenção da CURIFA nesse mesmo edifício”. E, caso tal não seja possível, “que os proprietários encontrem uma solução” em conjunto com a associação e a autarquia, se necessário, “para um novo espaço para a CURIFA”. O documento terá recebido o voto favorável de todos os partidos, menos o do PCP, que votou contra. Nuno Veludo, eleito pelo BE e autor da moção, diz “estranhar” posição, “até porque os pontos deliberativos não vão contra o que o PCP já está a fazer”. Em todo o caso, frisa, o documento “não é contra um partido, mas sim a favor das pessoas que estão a passar por aquela situação”. “O ser o PCP é apenas uma coincidência, para nós trata-se de mais um caso resultante do actual enquadramento legal que motiva muitas situações similares”, afirma.
*Nota Redactorial: Texto editado às 13h de 18 de Dezembro. Acrescenta parágrafo com informação sobre a moção apresentada pelo Bloco de Esquerda.