ComPonto, uma marca de moda nascida num bairro social da Ameixoeira

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Fernanda Ribeiro

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VIDA NA CIDADE

Santa Clara

23 Junho, 2015

Um vestido comprido feito com o reaproveitamento de gravatas, calções feitos com cortinados, malas, tote bags e sacos de praia feitos com lençóis, postais em pano e com tecidos estampados à mão. A colecção é variada e estas são apenas algumas das criações da marca ComPonto, que nasceu e está a crescer num bairro social da Ameixoeira, na freguesia de Santa Clara. O objectivo é tornar sustentável o projecto, até aqui apoiado pelo programa camarário BIP-ZIP.

 

São 11 da manhã de uma terça-feira de Junho e, no atelier da ComPonto, a marca de reciclagem de têxteis recentemente criada no bairro social da zona 2 da Ameixoeira (freguesia de Santa Clara), as máquinas de costura eléctricas já estão a funcionar. Rita Araújo, 65 anos, e Isabel Timóteo, 63, ambas moradoras no bairro e colaboradoras do projecto Ameixoeira Criativa, regressaram hoje ao trabalho mais corriqueiro, de execução de bainhas e de outros arranjos, depois da azáfama que foi preparar um desfile de moda – como o que fizeram a 5 de Junho, para o Fórum de Economia Social, promovido pela Câmara Municipal de Lisboa.

 

Nele apresentaram 13 peças da colecção por elas criadas, com o apoio de outras dez formandas e de Ana Paula Varela, uma jovem engenheira química que é agora a “criativa da área da moda” do projecto Ameixoeira Criativa. Este é desenvolvido por uma associação sediada no bairro, a Associação Lusofonia, Cultura e Cidadania (ALCC), que conta com o apoio financeiro do programa camarário de parcerias locais BIP-ZIP.

 

Habitualmente, há mais pessoas a trabalhar, explica Lara Ligeiro, assistente social que acompanha o projecto. No total, o atelier conta com a colaboração de 10 a 13 pessoas, diz. Só que “nem todas cá estão em simultâneo. Até porque várias são avós e têm netos para cuidar. Umas vêm da parte da manhã, outras de tarde” e “as coisas funcionam de acordo com a disponibilidade que têm”.

 

Todas são voluntárias e começaram por receber formação, primeiro no corte e costura e, depois, na área da estampagem, o que lhes possibilitou criar padrões próprios nos tecidos que utilizam para confeccionar as peças – a maioria delas assente na reciclagem de têxteis.

 

Foi esse curso que permitiu a Rita Araújo – uma antiga praticante de atletismo no Belenenses e jogadora de futebol em clubes locais, como o Charneca e o Galinheiras – ter agora gosto em costurar e pensar no reaproveitamento de tecidos, para criar novas peças para a colecção.

 

Rita, uma antiga trabalhadora fabril, vinda das Galinheiras, onde viveu grande parte da sua vida, mora neste bairro social da zona 2 da Ameixoeira, desde que ele foi criado, há 13 anos, e conhece ali toda a gente. Não é, por isso, uma colaboradora qualquer. Ela é, por excelência “a mediadora” com a comunidade local e “a formanda residente”, já que ali passa quase todo o seu tempo, salienta Lara Ligeiro.

 

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A existência do atelier e da loja social despertou a atenção das outras pessoas do bairro, onde habitam elementos das comunidades ciganas e africanas. “As pessoas ficaram curiosas e quiseram saber o que se fazia por cá. Como há aqui muitos casamentos ciganos, já nos pedem muitas coisas. Até porque aqui também se fazem arranjos”, conta a assistente social.

 

“Eu já sabia coser à máquina, fazia umas bainhas e outros arranjos, mas, com este projecto, aprendi muito. Agora, às vezes, dou comigo à noite, acordada, a pensar como é que vou reaproveitar aquele tecido…”, conta, por seu turno, Rita Araújo, exibindo um dos modelos que criou, uns calções curtos que a sua neta traz vestidos no momento em que vem visitar a avó ao atelier.

 

Isabel Timóteo é outra das colaboradoras do projecto. Funcionária pública durante 43 anos, “14 dos quais ao serviço do gabinete do secretário de Estado adjunto do Ministério da Educação”, está actualmente reformada. Como queria aproveitar o seu tempo livre fazendo alguma coisa de útil, voluntariou-se para participar no projecto Ameixoeira Criativa. E está contente por tê-lo feito.

 

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Antes, já costurava, mas nada que se compare com o que agora sabe fazer. “Quando a minha filha era pequena, fazia-lhe uns vestidinhos, mas era à mão. Foi aqui que aprendi a tratar a máquina de costura por tu”, diz Isabel ao Corvo.

 

“É à Isabel que se deve a colecção de gravatas e de laços” da ComPonto, feitos com reaproveitamento de tecidos, explica Ana Paula Varela, uma “fashion blogger”, como se autodefine, e a “criativa” que se juntou ao projecto, há apenas quatro meses.

 

“Quando vim para cá, já se tinha começado a trabalhar numa linha de malas, feitas com o reaproveitamento de jeans. Agora, é nesse sentido que se continua a trabalhar, no reaproveitamento têxtil, mas com mais criatividade. O objectivo é transformar as peças, valorizando o trabalho das formandas, salienta Ana Paula.

 

Engenheira química de formação, Ana Paula, 36 anos, já fez investigação nessa área, mas teve de diversificar as suas actividades, quando ficou desempregada. Agora, não tem bolsa, mas, além de ter uma rubrica na RTP África e de dar explicações de matemática, concebe malas, carteiras e vestidos, entre outras peças da colecção da ComPonto, que reúne já uma centena de artigos.

 

“Sempre tive gosto pela moda e comecei por criar um blogue que, no início, era sobre alimentação saudável e que, depois, se foi desenvolvendo na área da moda. O blogue abriu-me outras portas e recebi então um convite para participar neste projecto, o que foi um desafio. É muito bom porque eu acabo por aprender com as formandas e elas comigo”, diz.

 

Idêntica satisfação mostra Rita Araújo, a formanda residente que vive mesmo ao lado do atelier da Ameixoeira Criativa. “Aqui trabalho muito, mas com gosto”, afirma.E no deserto do bairro social há agora umas notas de côr, com as peças estampadas que as formandas criaram. O objectivo é tornar sustentável este projecto, que se candidatou ao BIP-ZIP em 2013, através do qual recebeu um financiamento camarário de 50 mil euros. Soma empregue na compra das máquinas de costura e na criação do atelier. Em 2014, obteve outros 25 mil euros, para o desenvolvimento dos cursos.

 

Actualmente, do valor das peças vendidas, 50 por cento reverte para a associação mentora do projecto, a ALCC, e metade para as formandas, que estão orgulhosas do trabalho apresentado. As peças e artigos da colecção da ComPonto podem ser adquiridas na loja da zona 2 da Ameixoeira, na Rua Varela Silva, ou online, através da página da ALCC, em http://www.lusoculturas.org/?post_type=product.

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