Carris a passar multas de trânsito? Sindicatos dos funcionários da empresa e também os dos polícias estão contra

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Samuel Alemão

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Cidade de Lisboa

20 Novembro, 2018

A possibilidade de a Carris começar a proceder à fiscalização do cumprimento do Código da Estrada e, em consequência, emitir multas aos incumpridores está a suscitar mais dúvidas do que certezas. E também muitas críticas. O cenário, tornado possível com a alteração dos estatutos da empresa municipal, votada na última reunião de vereação, na passada quinta-feira (15 de Novembro), com os votos contra da oposição (CDS-PP, PSD e PCP) , é encarado com grande apreensão pelos sindicatos. Tanto os que representam os funcionários da transportadora como os da polícia. Na prática, as novas prerrogativas permitirão que os trabalhadores da empresa possam actuar sempre que se depararem com situações que perturbem a circulação de eléctricos e de autocarros, como são os casos do estacionamento abusivo ou da utilização indevida dos corredores BUS. Mas há quem duvide não só da legalidade de tal procedimento fiscalizador, bem como do enquadramento laboral do mesmo.

Tal como os vereadores da oposição, também os representantes sindicais dos trabalhadores da Carris dizem ter sido apanhados de surpresa com a decisão, que consideram colocar em causa os princípios mais elementares da contratação colectiva. “Estas coisas são feitas com algum mediatismo, mas com muita falta de cuidado. Na Carris, existem convenções colectivas de trabalho, com obrigações e deveres das partes. E nós não negociámos com a administração nenhuma alteração ao que, com tanto esforço, foi antes negociado. Seria, por isso, de bom tom que as organizações representativas dos trabalhadores e as comissões tivessem sido ouvidas sobre esta matéria”, diz a O Corvo Manuel Oliveira, vice-presidente do Sindicato Nacional de Motoristas (SNM). O dirigente salienta que “as convenções regulam as categorias profissionais”, pelo que as novas funções de fiscalização suporiam sempre um processo negocial, que não teve lugar.“No limite, deveriam ter-nos ouvido”.

Manuel Oliveira afirma que a Câmara de Lisboa “não tem autoridade para pôr e dispor dos trabalhadores da Carris” e deixa um aviso: “O nosso sindicato jamais autorizará que a Câmara de Lisboa, ou seja quem for, atropele os direitos dos seus trabalhadores”. O vice-presidente do SNM – que se queixa também de os funcionários da transportadora não terem sido ouvidos no que toca à criação da marca Carris Metropolitana, sob a qual passarão a circular todos os autocarros da Grande Lisboa, a partir de Abril de 2019 – salienta ainda as muitas incertezas relativas ao enquadramento legislativo da recém-anunciada mudança de procedimentos. “As coisas não podem ser feitas com voluntarismo e amadorismo, pois podem dar para o torto. Queremos saber com que base legal é que isso vai acontecer. Como é que a Carris vai passar multas? Há aqui mais dúvidas do que certezas”, afirma.

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Ainda muito está por esclarecer sobre a forma como a fiscalização decorrerá

Também o Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal (STRUP) manifestou, ao início da tarde desta segunda-feira (19 de Novembro), a sua apreensão em relação às novas responsabilidades dos empregados da Carris. “A Câmara Municipal de Lisboa decidiu alargar o âmbito da actividade da Carris à fiscalização do trânsito na cidade, sem explicar como o vai fazer, pelo que deixa dúvidas de quais os trabalhadores que irá afectar a esta decisão, já que nenhuma das actuais categorias de trabalhadores da Carris tem no seu conteúdo funcional qualquer obrigação de fiscalizar o trânsito na cidade”, lê-se num comunicado emitido pelo sindicato, no qual se informa ter já sido solicitada uma reunião à autarquia para “recolher informação sobre este assunto”. Mas a entidade lança desde já o aviso de que não será admitida “qualquer alteração de funções dos actuais trabalhadores”. Isto embora se desconheça a forma concreta como as alterações agora aprovadas pelo município serão postas em prática. Ou seja, os sindicatos afastam, desde logo, a possibilidade de os trabalhadores por si representados – sejam motoristas, guarda-freios ou fiscais – virem a participar no novo conjunto de incumbências legais da Carris.


 

A quais estarão a ser avaliadas, neste momento, pela administração da empresa municipal e pelo gabinete do vereador do Mobilidade, Miguel Gaspar (PS). Fonte do mesmo, durante o último fim-de-semana, e em resposta a vários órgãos de comunicação social, limitou-se a confirmar os fins dissuasores da alteração, sem entrar em detalhes sobre aplicação prática das novas prerrogativas legais. Só em Outubro passado, segundo a informação veiculada à comunicação social pela CML, terão sido registadas 137 ocorrências relacionadas com bloqueios de vias de circulação rodoviária, que terão resultado em 86 horas de circulação perdidas pelos veículos da Carris. Foi então para lidar com estas situações que a autarquia decidiu mudar o objecto social da empresa, definido nos seus estatutos. O qual diz agora que a Carris, mediante delegação de competências do município, passa a poder fiscalizar o cumprimento do Código da Estrada (CE) “nas vias sob jurisdição do município de Lisboa”. Que são quase todas as existentes na capital – o Eixo Norte-Sul é uma das excepções.

 

 

 

Quem também vê com desconfiança a mudança são os representantes sindicais do polícias. “Há aqui um conjunto de dúvidas que têm de ser esclarecidas, tanto ao nível da legitimidade como da autonomia dos fiscais que venha a realizar essas acções. Ou há um conjunto de regras muito claras ou estamos aqui a criar mais confusão, mais dúvidas, sobrepondo a actuação de várias entidades”, alerta Paulo Rodrigues, presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP), em declarações a O Corvo.

 

O sindicalista lembra que a EMEL já tem tais incumbências e até percebe que a intenção da Câmara de Lisboa seja a de resolver situações concretas de violação do CE que ponham em causa a circulação dos veículos da Carris. Mas considera que “já começa a haver dificuldades na gestão e coordenação de tantas entidades com competências nesta área”, pois PSP, Polícia Municipal e EMEL terão de passar a partilhá-las com a Carris. Paulo Rodrigues acha, por isso, que só faz sentido que a transportadora colabore notificando as autoridades das infracções detectadas. Nunca passando multas. “Se isso acontecer, pronunciar-nos-emos contra”, avisa.

 

Também o Sindicato Nacional das Polícias Municipais se diz “apanhado de surpresa” com o que qualifica como “algo bizarro”. O presidente, Pedro Oliveira, tem dúvidas sobre se não serão mesmo necessárias alterações legislativas para colocar em prática a medida. “Parece-me que isto é desajustado, vai criar situações de potenciais conflitos, mesmo até com os cidadãos. Achamos que cada macaco deve estar no seu galho”, afirma o dirigente sindical. “Se é apenas para notificar as autoridades, então não se percebe por que se dão ao trabalho de alterar os estatutos da Carris. O Código da Estrada já diz que qualquer cidadão pode fazer uma denúncia particular das infracções que detecte”, afirma.

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