Medina diz que projecto do Martim Moniz pode ser alterado, mas na zona até há quem defenda a proposta
O plano de renovação da zona central da Praça Martim Moniz tem sido muito criticado, mas o presidente da Câmara de Lisboa garantiu, em reunião pública de câmara, que a concessionária está disponível a ouvir as propostas da comunidade e até a alterar o projecto. Na zona, porém, há quem considere que a praça já sofreu transformações em demasia e critique as constantes intervenções no espaço público. “Talvez já seja de mais”, critica um comerciante ouvido por O Corvo. Mas também existe quem veja com bons olhos a mudança. Preocupados com os planos de reabilitação e o futuro daquela parte da cidade, os comerciantes acreditam que a instalação de um recinto comercial poderá atrair mais pessoas. Queixam-se de, nos últimos anos, terem perdido muitos clientes e acreditam que só uma restruturação do largo poderá trazer uma nova dinâmica ao Martim Moniz.
“Vamos ver no que vai dar. Quanto mais movimento houver, na zona, melhor, isto está muito parado”, comenta Nurja, 58 anos, funcionária num quiosque virado para a Praça Martim Moniz, que em breve poderá ser transformada num recinto comercial. Tal como a vendedora de jornais, vários comerciantes da zona estão entusiasmados com o projecto de requalificação de uma das principais praças da cidade. “O comércio na Rua da Palma está a morrer, pode ser que as novas lojas atraiam mais gente. Os turistas visitam a Mouraria e não vêm para aqui. Se o largo estiver renovado, vão querer passar mais tempo na zona”, comenta Manuel Soares, 65 anos, dono de uma loja de roupa no arruamento que liga a Almirante Reais à praça que se prepara para conhecer uma revolução.
Os lojistas têm comentado entre si o plano de reabilitação da Praça Martim Moniz que tem sido alvo de polémica. Quando foi apresentado, na passada terça-feira (20 de Novembro), pela Câmara Municipal de Lisboa (CML) e a Moonbrigade, Lda, empresa à qual a praça será concessionada, o projecto recebeu várias críticas da comunidade, ficando claro o grau de descontentamento. Os actuais quiosques presentes no largo, já abandonados pelos comerciantes, serão substituídos por contentores marítimos, onde funcionarão lojas de comércio tradicional, restaurantes e associações locais (que poderão ser Renovar a Mouraria, Cozinha Popular e o Centro de Inovação da Mouraria). Prevê-se ainda a criação de uma zona verde, a construção de um parque infantil e a manutenção do lago já existente.
Preocupados com os planos de reabilitação daquela parte da cidade – demolição de uma garagem para construção de uma mesquita e despejo de lojistas para criação de habitação no âmbito do Programa Renda Acessível (PRA) –, os pequenos empresários concordam num ponto: é necessária uma intervenção num largo “altamente degradado”. A forma como esta transformação da zona está a ser pensada divide, no entanto, as opiniões dos comerciantes. “Se fosse uma área verde, ficaria mais agradável, mas, nesta cidade, já nada é feito para ficar bonito”, critica Rui Alves, 60 anos. O vendedor de malas e outros artigos, na Rua do Benformoso, acaba por não usufruir do espaço público, mas está preocupado com o futuro do Martim Moniz. “Começo a trabalhar muito cedo e saio tarde, praticamente não tenho tempo para passear, mas os projectos de construção para as zonas históricas talvez já sejam de mais. A população é muito envelhecida, acho que deviam pensar mais nas pessoas”, diz.
A intervenção prometida para o Martim Moniz tem sido muito criticada, mas poderá ser reformulada
Na Rua do Terreirinho, Maria Isabel, ali cozinheira há 42 anos, ainda não sabia do projecto de renovação para a zona, que conheceu antes ainda de ser uma praça. “O largo está bonito como está, só colocava lá umas cadeiras para as pessoas poderem passar algum tempo. Os quiosques que lá estavam praticavam preços muito elevados, não eram para os locais, precisamos de sítios onde possamos estar sem consumir”, sugere. A funcionária do restaurante Mouraria critica ainda a falta de limpeza da zona e defende que a reabilitação do largo deveria contemplar o reforço da higiene urbana. “Passam ratazanas enormes aqui, visíveis à luz do dia. Se não limpam a freguesia, ninguém vem à praça fazer compras”, critica.
Paulo Santos, 33 anos, morador naquele arruamento desde os dois anos, está muito insatisfeito. “Aquele espaço estava destinado para lazer dos habitantes e de quem frequenta a Baixa, sem fins lucrativos. Mas tem sido transformado, sucessivamente, a pensar-se apenas no comércio e nos turistas, não está certo. A praça já sofreu demasiadas transformações e ainda não é desta que vão acertar no resultado final”, critica. O morador sugere que sejam instalados outros equipamentos, como esplanadas, e que a autarquia invista mais na limpeza e na segurança da zona. “Quantos mais contentores instalarem, mais espaços escondidos e propícios ao consumo de droga vão haver. O projecto não devia ter sido apresentado apenas. Devia ter sido discutido. Querem tornar a zona mais rentável, mas para quem? Quem vai lucrar com isto?”, questiona.
Madalena Ferreira, 60 anos, comerciante na Rua da Palma, apoia os planos de renovação da zona e sugere a demolição do Centro Comercial do Martim Moniz. “Os turistas, quando chegam à praça, nem se apercebem que já estão na Mouraria. Se deitarem o centro comercial abaixo, ficamos com uma vista melhor para o centro histórico e para a Igreja da Saúde, que está muito escondida. Tem de haver mais gente a mexer-se nesta zona e a instalação de mais lojas proporciona essa movimentação”, considera. A vendedora de roupa elogia ainda os projectos de requalificação já levados a cabo naquela parte da cidade, embora critique a construção de um parque infantil. “Quanto mais fizerem, mais ‘limpam’ a freguesia de pessoas problemáticas. Desde que requalificaram o Largo do Intendente, esta parte da cidade passou a ser muito melhor frequentada. Já o parque para crianças não faz sentido, já expulsaram os moradores todos, ao despejá-los de casa, não há praticamente crianças aqui”, diz.
Os comerciantes da Rua de São Lázaro, que terão de abandonar as lojas brevemente, sentem-se desencorajados a pensar sobre a zona da cidade onde trabalham há décadas. “Sendo corrido daqui para fora, perco o entusiasmo”, diz José Fernandes, 60 anos, proprietário de uma loja de revenda, que tem dado a cara pela luta destes comerciantes. “Deixar a praça abandonada não é uma boa opção, tem de ser revitalizada, mas os contentores, se calhar esteticamente, não ficam bem. Devia ser uma zona mais aberta”, propõe.
José Vicente, 48 anos, sócio-gerente da loja de têxteis Viúva de Luís da Mata, instalada na rua há mais de meio-século, está conformado. “A Câmara de Lisboa é que manda, não é? Não estão preocupados com os comerciantes, também perco o interesse pela cidade”, diz. O pai, Isidro dos Santos, está menos resignado. “O que estão a fazer a Lisboa é uma vergonha, só constroem a pensar no lucro, e não nas pessoas. Podiam deixar a praça como está e colocarem lá um segurança, que é o que esta parte da cidade precisa mais”, sugere.
De forma a impedir que a zona volte a degradar-se, a Câmara de Lisboa poderá encerrar o espaço ao público, durante a noite, estando prevista a colocação de uma vedação durante esse período de tempo. As obras estão a cargo do concessionário, que assume também a responsabilidade pela segurança, limpeza e manutenção, e deverão avançar brevemente. A degradação sentida, nos últimos anos, e a necessidade de dar uma nova vida ao mercado, bem como de melhorar a segurança, motivaram a autarquia a avançar com um novo plano para a Praça Martim Moniz.
Além dos módulos para os comerciantes, o projecto prevê a instalação de arte urbana no local, a criação de ruas e praças para as pessoas circularem na zona interior do mercado e um espaço de restauração com cozinhas de todo o mundo, ideias que não agradam a quem utiliza o espaço no seu quotidiano. Na reunião de apresentação do projecto, na passada terça-feira (20 de Novembro), vários moradores insurgiram-se contra os planos definidos para o largo. Pedem jardins em vez de contentores, espaços abertos, onde não seja obrigatório consumir para usufruir do espaço público, e onde a segurança é garantida sem muros ou vedações. Alegam ainda que esta é uma oportunidade para Lisboa aumentar as zonas verdes da cidade.
Na reunião camarária desta quarta-feira (28 de Novembro), o presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), Fernando Medina (PS), avançou que a concessionária Moonbrigade pretende desenvolver um processo mais profundo de consulta junto dos moradores, tendo em vista o melhoramento do projecto. Medina promete ainda que não vai existir nenhuma vedação à volta dos contentores, garantindo que a área não será vedada à noite. “Estamos num momento de ouvir opiniões e há uma grande abertura para a incorporação de alterações no projecto”, afirma o presidente da câmara. O autarca socialista respondia assim aos pedidos de esclarecimentos adicionais sobre o projecto para o largo, feitos por vereadores do PCP e do Bloco de Esquerda. Ambos as forças políticas já haviam condenado, na semana passada, o que consideram ser a falta de discussão pública do projecto – tanto dentro dos órgãos municipais eleitos, como com a comunidade.
Nesta reunião da vereação, o vereador dos Direitos Sociais, Manuel Grilo (BE), manifestou igualmente o desagrado do BE e apresentou uma moção a pedir à Câmara Municipal de Lisboa (CML) a inclusão de uma praça aberta ao público, sem muros ou vedações, bem como espaços com sombra e bancos públicos independentes de espaços comerciais – propostas coincidentes, aliás, com as reivindicações da maioria das pessoas presentes na sessão pública de apresentação do projecto, ocorrida na semana passada no Hotel Mundial. Na referida moção, o Bloco de Esquerda pedia ainda a distribuição pelos vereadores do novo projecto e a análise, pelos serviços jurídicos, do contrato entre a Câmara de Lisboa e a concessionária, para que seja apurada a existência de eventuais irregularidades no seu cumprimento.
A moção, constituída por cinco pontos, foi aprovada por unanimidade. A excepção foi o quarto ponto – aprovado com os votos contra do PSD, do CDS e do PCP -, no qual se pedia o interceder da Câmara de Lisboa junto da concessionária, no sentido de o projecto “responder ao interesse público”. Os três partidos justificaram o sentido de voto por considerarem que deve ser a autarquia a assumir a responsabilidade pelos espaços públicos estruturantes da cidade. Em declaração de voto oral, João Gonçalves Pereira, vereador eleito pelo CDS-PP, diz que o projecto para a Praça Martim Moniz deveria ser elaborado pelo município, como deveria existir, ainda, “uma deliberação de câmara sobre a matéria nos termos em que o interesse público possa ficar melhor envolvido”.
O vereador do PSD, João Pedro Costa, também diz que não deve ser o concessionário a assumir a responsabilidade de definir o projecto final para o largo. “O PSD entende que nos espaços públicos estruturantes da cidade deve ser a câmara a definir os usos e a determinar o desenho da cidade. O concessionário poderá, num segundo momento, assumir a exploração do espaço”, afirma. A vereadora comunista Ana Jara fez críticas mais severas à postura da Câmara de Lisboa que, na sua opinião, “dá protagonismo à concessionária para defender o interesse público”. “Estamos completamente em desacordo, uma concessionária não pode definir qualquer que seja o interesse público da cidade”, considera.
O presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), Fernando Medina (PS), respondeu às intervenções, dizendo que não se revê nas mesmas. E explicou que, quando a CML aprovou o actual contrato de concessão, em 2011, definiu o que queria em matéria de interesse público e de espaço público. Quanto a um possível incumprimento do contrato entre a autarquia e a concessionária, Medina garante que já não existem irregularidades. “O Martim Moniz dispõe de uma concessão, atribuída em 2011. Quando se deu a extinção da EPUL, o concessionário encontrava-se em dívida e, nesse processo de passagem, foi feito um acordo de regularização da dívida do concessionário”, esclareceu.