“Sou um bomber, quero espalhar o meu nome”, diz Geco, o homem que reveste Lisboa de tags e graffitis

REPORTAGEM
Eva Massy

Texto

CULTURA

VIDA NA CIDADE

Cidade de Lisboa

27 Agosto, 2018

O Corvo entrevistou Geco (nome artístico), graffiter italiano de 27 anos a viver em Lisboa há um ano e meio. Tem coberto a cidade de tags e autocolantes que não passam despercebidos. Ambiciona ser conhecido permanecendo no anonimato e fala sobre a relação que tem com o graffiti e a cidade. O seu objetivo? “Estar em tantos lugares que seja impossível não se lembrarem do meu nome”

Entendes o graffiti como um efeito de grupo ou como uma prática solitária?

A maior parte do tempo pinto sozinho e vivo o graffiti como uma atividade pessoal e individual. Não me junto muito com outras pessoas da área. Claro que comecei com um amigo meu, o Kudos, que já pintava. Saí com ele as primeiras vezes, e fiquei viciado. Ele partiu, eu continuo a pintar…Vejo o graffiti como um desafio pessoal e sinto-me confortável em estar sozinho a maior parte do tempo.

Tens sítios em que preferes pintar?

Apaixonei-me por Lisboa também porque podes pintar durante o dia. Há muitas áreas da cidade, toda a zona este, como Xabregas, Marvila, Beato, Bela Vista, que parece o campo… As pessoas não se importam realmente com o graffiti lá… Há muitos prédios abandonados e gosto imenso de ir explorá-los. Gosto também de pintar na Mouraria durante o dia, em ruas estreitas que já estão completamente pintadas, mas tenho muito cuidado.

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Antecipas sempre os sítios onde pintas?

Quando são missões mais importantes, verifico o sítio uma ou duas vezes antes de ir pintar. Penso no material todo que vou usar não só para pintar como também para aceder ao local. Tenho em conta o risco de ser apanhado, o risco de me magoar, e sobretudo a visibilidade que o meu graffiti pode ter. Outras vezes saio de casa sem ter ideia de onde vou pintar, e improviso.

Na tua opinião, os Lisboetas são recetivos ao graffiti?

Depende muito do sítio em que pintas mas geralmente são bastante recetivos, comparando com outras cidades onde pintei. Já pedi autorização a pessoas para pintar as paredes dos seus prédios e aceitaram. Por outro lado, no centro de Lisboa os graffitis são removidos a uma velocidade impressionante, um tag pode ficar lá apenas umas horas. Por exemplo, na Graça, não chegam a ficar mais de uma semana.

Que diferenças existem entre pintar em Lisboa e pintar noutras cidades?

Eu venho de Roma, e lá, pintar é uma tarefa mais difícil. Quando saio à rua é só mesmo de noite ou de madrugada. Sinto mais pressão e ando com mais cuidado pelas ruas. Pinto sobretudo em sítios abandonados ou completamente escondidos. Cá, os polícias são mais permissivos, não têm tanto ódio às pessoas que fazem graffiti.

Mas pode-se dizer que a maneira de fazeres graffiti e o teu estilo variam consoante as cidades onde pintas?

Na verdade, o meu estilo não difere de cidade para cidade. Sou um bomber. Quero espalhar o meu nome mais do que ter uma estética super desenvolvida. Os dois podem e devem ser complementares, mas o primeiro objetivo do bomber é a quantidade, a qualidade vem depois. A cidade não influencia o meu estilo mas o meu método e abordagem. Acho que em Lisboa tenho uma abordagem ao graffiti mais natural porque sinto menor proibição.

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Com variações de estilo e em todo o lugar: o que conta para Geco é ser visto

Como muda a experiência urbana e a vida na cidade quando esta serve de suporte para a tua prática do graffiti?

Vês a cidade com um olhar completamente diferente. Quando pintas, começas a ver cada parede como um desafio. Nunca paro de olhar à minha volta, vejo pequenos detalhes aos quais não prestaria atenção se não estivesse à procura de locais para pintar em toda a cidade. Não consigo evitar de olhar para a cidade como uma tela gigante. Como o graffiti é uma das minhas atividades principais e o meu objetivo é estar em todo o lado, tenho de ir para todo o lado. Isso faz com que conheça Lisboa muito melhor que se não fizesse graffiti e provavelmente melhor do que a maioria das pessoas que vivem cá e fazem diariamente os mesmos caminhos. O graffiti leva-te a sítios onde não irias se não fosse para deixar a tua marca.

Quem queres que seja o teu “público”? Diriges-te a todas as pessoas que habitam a cidade no geral, ou somente à comunidade de graffiti writers?


Muitos graffiti writers pintam apenas para que outros writers os vejam, portanto não visam sair do círculo e da comunidade do graffiti. Eu quero atingir toda a gente, os que pintam, os que não pintam, os que não gostam de graffiti… O meu objetivo é ser visto e conhecido por toda a gente. Quero estar em tantos lugares que seja impossível não veres o meu nome. É a razão pela qual tenho um estilo simples. O meu tag é muito simples e reconhecível. Os meus stickers (em português, autocolantes) também. O nome fica claro e vê-se ao longe. Não me quero focar nos stickers, mas são um bónus que ajuda a espalhar o nome.

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Existe um sentimento de comunidade entre os graffiti writers em Lisboa?

Como eu disse, não me junto muito a outros writers, mas parece-me que em Lisboa a comunidade do graffiti é unida, a malta bacana e relaxada. É raro ver grandes brigas por cá.

Dentro da comunidade dos graffiti writers és julgado apenas pela estética da tua peça, ou existem outras critérios?

Acho que passa muito pela presença no território. Eu sou apreciado pela presença massiva que tenho. Mas a escolha do local também é muito importante. A maioria dos outros graffiti writers nem pensariam em fazer sozinhos algumas peças que fiz. Alguém que pinta tem o discernimento de perceber qual foi o risco que tiveste a pintar em tal local.

 

Pensas que as cidades que disponibilizam vários espaços para pintar legalmente contribuem para reduzir o graffiti ilegal?

Não, o legal não pára o graffiti. Graffiti é por natureza ilegal e nunca vai parar. Por outro lado, era bom haver mais paredes para pintar legalmente, pelo prazer do olhar.

Sei que já pintaste de forma legal, pensas que um dia poderias vir a pintar somente graffiti legal?

Não… Vejo o graffiti como um jogo, como um desporto. Mas um desporto ilegal. Graffiti não seria graffiti se fosse legal… Seria apenas arte.

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Então, graffiti não é apenas uma arte…

Não.

O que pensas da crítica feita ao graffiti como sendo “poluição visual”?

A maioria das pessoas que afirma isso nem sequer pensa em criticar todos os spots publicitários gigantescos. Isso é realmente poluição visual, na minha opinião. Não adotam um ponto de vista crítico sobre isso porque assumem-no como legal e correto. Claro, é perfeitamente justo não gostar de graffiti, mas as pessoas deveriam ter mais espírito crítico e perceber que o graffiti não é o verdadeiro problema. São muitas as maneiras pelas quais somos agredidos visualmente e apontar o graffiti como poluição visual é estúpido. Mas também há pessoas que gostam de “graffiti bonito” e não de tags, o que me parece insensato porque um não existiria sem o outro.

 

Mas o graffiti acaba por ser a mesma coisa, uma peça visual imposta aos passantes, quer queiram, quer não…

Só que não procura vender. Não procura influenciar mentes, atitudes e comportamentos. Podem ser simples palavras que não remetem para ideologia nenhuma.

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Será um paradoxo todo o secretismo e anonimato que envolve a prática do graffiti ilegal, ao mesmo tempo que o writer procura a maior visibilidade possível?

Sim, é um paradoxo: quanto mais exposto estás, mais precisas de ser anónimo. Queremos ser famosos mas sem mostrar a cara. É como se fosses um super-herói… (risos). Mas o anonimato do writer é-lhe imposto, não decorre realmente de uma escolha.

O mundo do graffiti é egocêntrico?

Na maior parte dos casos é puro egocentrismo. Sobretudo no caso dos que, como eu, pintam sozinhos e não querem fazer parte de uma crew. Ou no caso dos que fazem parte de uma crew mas preferem pintar o próprio nome do que o nome do grupo. Também existe quem prefira pintar o nome da crew e quase não pinte o seu. Nesse caso há mais espírito de equipa do que egocentrismo. No meu caso, chega a ser uma verdadeira megalomania. Quero atrair a atenção de todos e provocar um sentimento de amor ou ódio. Só não quero passar despercebido.

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Pretendes fazer passar alguma mensagem através do teu graffiti?

Com o meu nome “Geco” não procuro transmitir nenhuma mensagem particular. Mas considero a prática do graffiti transmissora de uma mensagem em si. O graffiti nasceu porque as pessoas se queriam expressar. É como a resposta de uma classe oprimida aos opressores. Não vou tão profundo nesse significado mas…como é que se diz…? “Paredes brancas, povo mudo”. Quando vejo uma cidade cheia de graffiti fico com o sentimento que há muita gente que discorda, que não está contente, que não age como lhes é pedido para agir ou como toda a gente faz. Há pessoas que não seguem o movimento geral, existem vozes dissidentes, querem quebrar as regras e querem exprimir-se sozinhos. Isso tudo mostra que a cidade está ativa.

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