Grupo de moradores contesta coreto em vez de árvores no novo Largo da Graça
REPORTAGEM
Samuel Alemão
Texto
Paula Ferreira & O CORVO
Fotografias
AMBIENTE
URBANISMO
Santo António
18 Maio, 2017
A requalificação realizada no âmbito do programa Uma Praça em Cada Bairro está terminada há quase dois meses, mas aguarda a inauguração. Faltarão apenas alguns detalhes. Existe quem, no entanto, conteste a intervenção, queixando-se desta ter resultado em poucos espaço verdes. “Faltam árvores”, dizem, criticando a opção de, em simultâneo, se colocar um coreto no centro da praça. Natalina Moura (PS), presidente da Junta de Freguesia de São Vicente, assume ter pedido à câmara municipal a instalação de tal estrutura. “As pessoas precisam de animação”, diz. E responde com números. Existem agora 110 árvores, quando antes havia ali 93 exemplares.
A prometida construção de um coreto no renovado Largo da Graça está a revelar-se uma ideia pouco consensual. Um grupo de moradores tem vindo a criticar a Câmara de Municipal de Lisboa e a Junta de Freguesia de São Vicente por tal opção, que consideram estar a desvirtuar o projecto de requalificação anunciado para aquele lugar, sobretudo no que se refere à colocação de mais árvores no reabilitado espaço público. As obras naquele arruamento, integradas no programa municipal Uma Praça em Cada Bairro, estão quase terminadas há dois meses, existindo ainda alguns detalhes por resolver até que possam ser dadas como finalizadas. Os novos ecopontos, por exemplo, continuam a não poder ser utilizados e está por instalar o tal coreto. Mas a presidente de junta, autora da sugestão de instalação do coreto, desvaloriza as críticas, que enquadra no clima pré-eleitoral.
A obra de requalificação do largo, cuja data de inauguração não é ainda conhecida, era há muito aguardada pelos moradores da zona. Tanto que parte do que agora foi realizado fazia parte de uma das propostas vencedoras do Orçamento Participativo de 2012 – antes ainda de existir o programa Uma Praça em Cada Bairro. O problema, segundo alguns dos residentes, é que o que está à vista não seria bem o que estava prometido. Há menos árvores do que era suposto, dizem. E uma delas, garantem, deveria estar exactamente no local onde se situará o tal coreto, no meio do largo, onde antes existia um parque de estacionamento e uma praça de táxis. “O projecto que nos apresentaram não é o que está a ser feito. Eles prometeram-nos a arborização do Largo da Graça e não é isso que está a acontecer”, diz a O Corvo Bruno Palma, um dos contestatários reunidos em torno do colectivo A Nossa Graça.
Apesar de não assumir a sua participação, o morador diz compreender os motivos da acção de “guerrilha urbana” contra as opções tomadas no Largo da Graça, realizada na madrugada de 6 de maio (sábado). Algo que passou pela afixação de cartazes sobre os painéis em que o município tem anunciado a colocação da futura estrutura para realização de espectáculos. Reproduzindo a linha gráfica dos originais, onde se vê um coreto e a inscrição “Aqui, vai nascer este coreto”, as telas utilizadas na acção de sabotagem (foto de abertura) mantinham a imagem e a linha gráfica originais e até o logótipo da Câmara Municipal de Lisboa. Mas anunciavam outra coisa: “Aqui, vai nascer este urinol”. E acrescentavam uma pergunta: “Onde estão as árvores?”. O atrevimento visual apenas sortiu efeito durante a parte da manhã daquele dia, tendo sido eliminado por volta da hora do almoço, repondo-se assim a normalidade. Nas noites seguintes, garante Bruno Palma, o local passou a ser vigiado por quatro polícias. A contestação à colocação do coreto, porém, mantém-se. E estão prometidas mais acções do género.
Algo que Bruno justifica com o “grande descontentamento” de muita gente do bairro com a configuração final do projecto, embora as linhas gerais até sejam elogiadas. “A intervenção tem méritos, claro, todos concordam com um espaço público mais bem ordenado e melhores passeios, mas o que estão a fazer não corresponde ao que estava previsto. O que estamos a ver no terreno é a falta de sombra, a falta de árvores e de zonas verdes no largo e uma extensa área de empedrado. Em vez das prometidas árvores, o Largo vai receber um coreto”, critica Bruno Palma, antes de afirmar que “as pessoas não se revêem nisto e não foram consultadas pela CML sobre as alterações que estão a ser feitas”. Uma crítica que tem sido reproduzida por várias pessoas na página de Facebook do grupo A Nossa Graça.
Inês Oliveira, a proponente do projecto vencedor do OP 2012, considera que a colocação do coreto constitui “uma ideia altamente questionável”, pois não era isso que tinha em mente quando pensou num novo figurino para aquela zona. “Julgo que a câmara quis fazer aqui uma intervenção maior, aproveitando alguns aspectos da nossa proposta, mas o que constatamos é que fizeram alterações sem nos consultar”, afirma, lamentando que se tenha optado pela colocação de passeios muito largos e “poucos espaços verdes”. Isto faz com que se acentue a percepção de que “o largo está muito árido”, afirma a munícipe. “A ideia era tornar isto mais humanizado”, enfatiza.
Mais grave, a agora prometida colocação do coreto, que considera resultante de “uma mentalidade saudosista” e de uma concepção de cidade com a qual não se revê, deixa Inês Oliveira e outros moradores contestatários da forma como se realizou a intervenção anteverem o pior. “Pensamos que isto só pode estar relacionado com a intenção de fazer ali as festas dos santos populares, que se têm revelado na Graça como uma coisa infernal, de uma grande selvajaria, e são uma fonte de conflito constante entre a população e a junta de freguesia. Olhamos para o coreto e já imaginamos o que se vai passar”, afirma a moradora – que critica ainda as limitações à circulação automóvel, “sem que exista uma oferta mínima de transportes públicos”.
As objecções à configuração final do projecto de requalificação são, no entanto, desvalorizadas por Natalina Moura (PS), presidente da Junta de Freguesia de São Vicente, circunscrição territorial onde a Graça se inclui. A autarca, que assume ter sido ela a responsável pela ideia de colocar um coreto no largo, diz que o que está a ser feito, através do Uma Praça em Cada Bairro, “resulta do esforço de integrar vários projectos num só”, permitindo assim resolver diversas situações pendentes e obter uma racionalização de custos. E refuta que se esteja, pura e simplesmente, a ignorar o que havia sido definido no tal projecto vencedor do OP 2012, no qual se definia a “requalificação integrada do Largo da Graça e Rua Voz do Operário”. “Os projectos do OP lançam uma ideia para a requalificação de um espaço, por exemplo, mas depois são elaborados pelos serviços da CML. Neste caso, a câmara entendeu, e bem, fazer deste jeito e as pessoas tiveram oportunidade de se manifestarem como bem entenderam”, diz.
Natalina Moura, que encara as críticas como entendíveis “por estarmos em época eleitoral”, diz-se muito satisfeita com o resultado da intervenção, um sentimento que garante ser extensível à maioria dos seus fregueses e também aos comerciantes da zona. “Vamos passar a ter mais esplanadas, com melhor usufruto do espaço público, o que é bom não só para o turismo, que tem cada vez mais afluência, como para os moradores também”. E rebate o argumento de que a intervenção resultou na redução do número de árvores. “É ao contrário, há até mais do que existiam antes”. Para o provar, e a pedido de O Corvo, a presidente da junta mandou os serviços da junta fazerem uma contagem.
De acordo com o gestor da área de ambiente da autarquia, existirão agora, findas as obras, 110 árvores na área de intervenção, por contraste com as 93 contadas aquando do início dos trabalhos, em junho de 2016. Ou seja, haverá neste momento, segundo João Adrião, mais 17 árvores em comparação com há cerca de um ano. “É verdade que, por diversas razões, naquela data, havia dez exemplares em falta. Existiam 93, quando deveriam lá estar 103. Com o início das obras, foram cortadas mais três, mas depois foram plantadas mais 20. Isto significa, fazendo as contas entre o que estava em falta, o que foi depois cortado e o que entretanto foi plantado, que existem agora mais sete árvores do que antes tínhamos”, explica o responsável.
A presidente da junta de São Vicente desvia ainda para si as críticas à CML, ao assumir como sua a sugestão de colocação de um coreto no centro da nova praça, a instalar no lugar onde as cartas da intervenção previam a colocação de uma árvore de grande porte. “Disse à câmara que gostaríamos de ter ali um foco de animação permanente. E pensamos que o ideal seria instalar naquele local coreto com ponto de luz, até porque há aqui muita gente que vem de aldeias”, diz a autarca, para quem “as pessoas precisam de animação o ano inteiro”, bem como de convívio. Uma constatação que, defende, esteve também presente na colocação de “mais bancos no espaço público”. Segundo Natalina Moura, a ideia do coreto “foi bem acolhida por muitas pessoas e até os mais jovens, que também ouvimos, não desgostaram de tal possibilidade”.