Jardim nas traseiras do Fórum Picoas ao abandono: Câmara de Lisboa vai arranjar e apresentar conta à Altice

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Samuel Alemão

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AMBIENTE

Arroios

2 Novembro, 2018

A Câmara Municipal de Lisboa (CML) vai proceder, a breve prazo, ao arranjo do espaço ajardinado situado entre as traseiras do Fórum Picoas e o Mercado 31 de Janeiro, endossando os custos à Altice. A intenção foi manifestada por José Sá Fernandes, vereador da Estrutura Verde, na passada terça-feira (30 de Outubro), na última sessão da Assembleia Municipal de Lisboa (AML), durante a qual se fizeram fortes reparos à forma como a empresa de telecomunicações estará a descurar a manutenção daquele espaço público, da qual é proprietária.

 

A censura ao comportamento alegadamente pouco zeloso do privado mereceu, aliás, um raro consenso entre os partidos ali representados, numa discussão surgida na sequência da apresentação pelo CDS-PP de uma recomendação para que a gestão e manutenção do referido espaço fossem assumidas pela autarquia. Contactada por O Corvo, a Altice diz, porém, que as suas responsabilidade se cingem “às paredes do Fórum Picoas”, desresponsabilizando-se, por isso, da manutenção da área verde. E garante que Fernando Medina até terá reconhecido, em reunião tida com a empresa, a incúria da CML na gestão daquele jardim.

O documento discutido esta semana na AML, apesar de chumbado pela maioria dos eleitos, motivou uma torrente de reparos ao estado de “abandono” em que o jardim se encontra, apenas discordando os partidos no papel que a Câmara de Lisboa deveria assumir ante tal cenário. “O espaço é de fruição pública e ninguém o consegue usar, está abandonado e cheio de dejectos caninos. Basta perguntar às pessoas que ali andam. A Altice arranja, e muito bem, o espaço em frente da sua entrada principal, mas já não faz nas traseiras. Aquilo está um nojo”, disse o deputado municipal centrista Diogo Moura na segunda da suas intervenções para defender a recomendação – texto que acabaria por ser chumbado com os votos contra do PS, PCP, PEV, BE e seis deputados independentes e a abstenção do PAN e dois independentes. A recomendação pretendia que, através de “uma compensação financeira por parte da empresa”, a CML ou a Junta de Freguesia de Arroios assumissem a manutenção do jardim.

Um desejo que motivou um acesa troca de argumentos entre esquerda e direita sobre que postura deveria a câmara municipal adoptar neste caso, em relação ao qual todos criticam o papel da Altice. A empresa terá assumido a responsabilidade da manutenção daquele espaço verde, requalificado no âmbito das obras de reformulação do Eixo Central, inauguradas no início de 2017. Passados quase dois anos sobre as obras que mudaram a face do espaço público naquela zona da cidade, e em relação às quais o CDS-PP até mostrou uma postura muito crítica, o partido vem agora apontar o alvo à multinacional das telecomunicações. “É verdade que aquelas traseiras eram um espaço completamente abandonado. Uma das coisas boas da intervenção no Eixo Central foi a criação daquele espaço ajardinado, que está completamente ao abandono”, criticou.

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Requalificado aquando das obras do Eixo Central, tem conhecido escassos cuidados desde então

Diogo Moura assegura que, no último par de anos, aquela área verde – através da qual se faz a ligação pedonal entre a Praça José Fontana e o Liceu Camões, por um lado, e a Avenida da República e traseiras do centro comercial Saldanha Residence, por outro – terá sido “mantida apenas duas vezes”. “Aquele espaço, pela sua localização, deveria ter uma manutenção adequada e prioritária. É notório o abandono a que tem sido sujeito”, acusou o eleito do CDS-PP, lamentando ainda o facto de a “Câmara de Lisboa não fiscalizar”. O deputado municipal, e residente naquela área, disse que a Junta de Freguesia de Arroios, liderada pela socialista Margarida Martins, tem assumido alguma da manutenção e os seus custos. “Por inúmeras vezes, nos últimos dois anos, a senhora presidente da junta falou com a administração da Altice e esta não cumpriu, da mesma forma que eu o fiz como morador. Eles não cumprem”, acusou. Contactada, por O Corvo, Margarida Martins confirmou as pressões sobre a Altice, mas garante que a junta se tem limitado a retirar algum lixo deixado por sem-abrigo que ali estão, como colchões.


 

A proposta dos centristas para que a CML ou a Junta de Arroios, através da delegação de competências, assumam a gestão e manutenção daquela área ajardinada, em troca de uma compensação financeira por parte da Altice, foi recebida com cepticismo à esquerda. “Esta solução seria abrir a porta para outros serviços e entendimentos que não podemos aceitar. Abriria um precedente em relação a um espaço que é privado, que seria tratado mediante recompensa por parte dessa entidade privada, parece-nos errado”, afirmou o deputado comunista Modesto Navarro, justificando o voto contra da sua bancada. “O que a câmara tem a fazer é com que a Altice cumpra as suas responsabilidades para aquilo que é privado”, defendeu.

 

 

Uma posição subscrita também pelo PS, que, através do deputado José Borges, manifestou espanto com o facto de o CDS-PP pedir que seja a câmara ou a junta a “fazer algo porque a própria empresa não quer fazer ou não sabe fazer”. O eleito socialista, que é presidente da Junta de Freguesia de Alvalade, fez, porém, elogios à recomendação em apreciação, recorrendo à ironia. “Demonstra uma coisa que é muito importante para nós, o CDS reconhece a excelência da capacidade da CML e do actual executivo de fazer esta obrigação melhor do que outro privado qualquer”, disse. Os socialistas defenderam que que a Altice “tem de cumprir as suas obrigações relativamente à propriedade”. Algo reforçado também pelo deputado independente (ex-BE) Rui Costa, o qual sugeriu a possibilidade de expropriação do terreno, caso a empresa persista em incumprir na manutenção.

 

Um cenário criticado por Luís Newton (PSD), presidente da Junta de Freguesia da Estrela, para quem a Câmara de Lisboa estará a revelar fraqueza na sua função fiscalizadora. “A câmara deveria punir, mas não o faz. Por isso, temos de passar a uma próxima fase. Como a direita não acredita em expropriações, se calhar, o melhor é encontrar o modelo que garanta o ressarcimento financeiro pela actividade do Estado”, sugeriu, referindo-se a uma área que, neste momento, se encontra parcialmente vedada por tapumes, junto às traseiras do Mercado 31 de Janeiro – situação relacionada com as obras de construção da futura Loja do Cidadão, que deverá abrir no próximo ano no piso superior do mercado.

 

 

Após a troca de argumentos, e sendo já claro que a recomendação do CDS-PP não seria aprovada, o vereador José Sá Fernandes pediu a palavra para, numa curta declaração, anunciar a estratégia a adoptar. “A Câmara de Lisboa tem procurado que aquele espaço seja arranjado. A alternativa que está a ser estudada e, em breve, deve ser aplicada, é a de a própria câmara arranjar o espaço e apresentar a conta à Altice”, informou.

 

Questionada por O Corvo, a Altice respondeu, já na manhã desta sexta-feira (2 de Novembro), negando qualquer obrigação relativa aquele espaço. “A propriedade da Altice acima do solo confina-se às paredes do ‘Forum Picoas’, sendo que o jardim é propriedade da Câmara Municipal de Lisboa. Portanto, a responsabilidade pela manutenção dos referidos espaços cabe em primeiro lugar à Câmara Municipal”, diz a empresa na resposta enviada. “Muito lamentamos tais declarações que demonstram forte desarticulação interna, pois este tema foi colocado pela própria Altice Portugal em audiência com o próprio Presidente do Município em que este se penitenciou pelo estado em que se encontram estes espaços verdes. A Altice Portugal sempre se demonstrou disponível para o encontro de uma solução, sendo que, até ao momento, não obteve qualquer resposta às pretensões e preocupações deixadas em sede de audiência”, acrescenta a multinacional.

 

* Nota redactorial: texto actualizado às 11h45 de 2 de Novembro, acrescentando a resposta da Altice. 

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