Escassez de jardineiros da câmara mantém gestão de espaços verdes de Lisboa nas mãos de privados
Já assim era e assim continuará. A Câmara Municipal de Lisboa (CML) entregará a gestão e manutenção dos espaços verdes da maior parte da cidade a empresas privadas, durante o quadriénio 2019-2022. A crónica falta de recursos humanos da autarquia no sector tem ditado que o cuidado dos jardins, das árvores e de demais coberto vegetal público da capital tenha vindo, nos últimos anos, a ser entregue a empresas privadas, que assim garantem contratos de avultados montantes. Ante as críticas, José Sá Fernandes, vereador com o pelouro da Estrutura Verde, promete uma reavaliação deste modelo “daqui a um ano, quando houve maior abertura para fazer contratações”. A promessa foi deixada, na tarde desta terça-feira (24 de Julho), na Assembleia Municipal de Lisboa (AML), durante o debate que antecedeu a aprovação em bloco de 23 propostas de repartição de encargos, durante os próximos quatro anos, para contratos de manutenção de espaços verdes em outras tantas zonas da cidade, nos quais o município gastará 21,2 milhões de euros.
Acossado por críticas à sua esquerda – PCP, Bloco e, sobretudo, Verdes – e até à direita (CDS-PP), devido à opção pela contratação massiva de privados para realizar as mais elementares tarefas de jardinagem, Sá Fernandes teve de pedir a palavra para justificar tamanha necessidade. Salientando que a prática já existia desde que assumiu o cargo, há 11 anos, o autarca disse que “a possibilidade de contratar jardineiros, durante dez anos, foi zero”. E que, quando existiu uma oportunidade de reforçar os quadros de pessoal, optou-se por fazê-lo no sector da higiene urbana, a fim de colmatar as falhas “num serviço que ainda estava robusto”. Mas garantiu que, num dos últimos concursos abertos pela autarquia, se incluiu a contratação de jardineiros, estando outros em preparação. Ainda assim, o vereador assumiu que os funcionários a integrar nos quadros camarários serão sempre “uma quantidade pequena e que não vão colmatar, a breve prazo, as necessidades nesta área”.
Em causa está uma premência estimada, há quatro anos, pelo próprio José Sá Fernando, aquando do lançamento de idêntico conjunto de contratos-programa, de contratação pelo município de cerca de um milhar de jardineiros – um dado salientado pela deputada municipal Cláudia Madeira, do Partido Ecologista “Os Verdes”. “Na altura, o senhor prometeu tudo fazer para formar esses jardineiros em falta. Não basta reconhecer essa necessidade, quando continuamos a assistir à completa externalização destes serviços por vários anos e sem qualquer sinal de mudança de política”, acusou a eleita, lembrando que, ao invés do prometido, “o número de jardineiros diminuiu consideravelmente, nos últimos anos”, estimando-se que agora ronde a centena de elementos. E os que existem, salientou Cláudia Madeira, têm na sua maioria idade avançada, prevendo-se, por isso, a reforma próxima de muitos deles. Este ano, foi anunciada abertura de concurso para oito vagas, disse Madeira, considerando que tal é “manifestamente insuficiente para as necessidades”.
Sá Fernandes reconhece que o concursos abertos para jardineiros camarários não vão colmatar as necessidades da cidade
Tal escassez de recursos humanos tem resultado no que a deputada municipal considera uma quebra acentuada da qualidade de serviço, enquanto “os contratos de milhões aumentam”. “Não há qualquer indício de que se vá dotar a autarquia de meios próprios – muito pelo contrário”, criticou a eleita do PEV, criticando as “podas excessivas e os autênticos arboricídios levados a cabo pelas empresas contratadas, sendo, muitas vezes, os pouco jardineiros da autarquia aqueles que salvam as árvores”. Também a eleita comunista Graciela Simões apontou o dedo ao que considerou a clara “opção política do município pela privatização dos serviços, aumentando a despesa e diminuindo a qualidade dos serviços prestados”. Já antes, Diana Vale (CDS-PP), recordando a oposição prévia manifestada pelo seu partido a esta solução de contratação, considerara “não haver justificação para o elevado valor deste concurso”, sobretudo devido ao processo de descentralização de competências para as freguesias – o qual apenas deixou para a câmara a gestão dos espaços verdes considerados estruturantes para a cidade. “Não é claro o objecto da proposta”, criticou.
Já o Bloco de Esquerda, através de Rui Costa, criticou o que considera ser a estratégia errática da autarquia nesta matéria. “É tempo de quebrar este ciclo vicioso de contratação externa, para satisfazer uma necessidade que é emergente de contratação externa”, afirmou, embora reconheça que, afinal, de momento, o município não tem condições nem meios humanos para assumir por inteiro a tarefa agora assegurada por privados. “O que precisamos é de, paulatinamente, começar a dotar de recursos humanos a câmara municipal, para fazer face a estas necessidades. Sabemos que tal não acontecerá de um momento para o outro e exigirá uma formação muito específica, mas queremos que esse esforço seja feito já”. O chefe de bancada dos bloquistas exortou Sá Fernandes a tomar decisões neste campo: “Das duas, uma: ou assumem, de uma vez por todas, a intenção de privatizar esses serviços ou dão mostras de que pretendem recuperar este serviço. Por favor, definam-se: ou querem externalizar os serviços ou querem ter um serviço municipal de manutenção dos espaços verdes”.
Confrontado com tantas críticas e com o próprio diagnóstico quantitativo de falta de recursos humanos próprios, feito em 2014, o vereador defendeu-se como pôde. Depois de dar conta do tal concurso recente, muito limitado, para a contratação de uns quantos jardineiros, deixou no ar a possibilidade de se realizar uma reflexão sobre o modelo de gestão dos espaço verdes da capital. “Temos de pensar muito bem nesta situação. Estamos a falar na necessidade de mais mil pessoas. Lançar um concurso nesta altura é muito complicado, para fazermos face a estas exigências. Já começámos – muito tenuemente, é certo – mas vamos continuar. Acho que devemos fazer o balanço daqui a um ano, porque, nessa altura, temos de ter uma opção”, disse o vereador, garantindo que, nessa altura, haverá “mais abertura para a contratação”. Momento em que, explicou, se poderá perceber melhor como aproveitar essa possibilidade.
Uma das vias, sugeriu, poderá passar pelo aproveitamento dos alunos formados pela escola de jardineiros da câmara – sugestão feita, momentos antes, por Cláudia Madeira (PEV). Outras das soluções, passará por uma “solução mista”, assegurando a manutenção de alguns espaços verdes com meios próprios e os outros através de empresas contratadas. E Sá Fernandes até parece ter já um critério definido: espaços verdes que precisam de uma mão de obra mais qualificada devem ficar ao cuidado da câmara, sendo os outros externalizados. “Preferia que a Avenida da Liberdade fosse tratada por jardineiros da câmara”, exemplificou, depois de assegurar que os contratos agora validados – com os votos favoráveis do PS, PSD e independentes e os votos contra de CDS-PP, MPT, PPM, PCP, PEV e Bloco – permitem uma maior maleabilidade ao nível de prazos, áreas e necessidades. “Podem ser ajustados, espaço a espaço”, garante o vereador.