Moradores contestam construção de muro com azulejos em jardim junto à Assembleia Municipal de Lisboa

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Sofia Cristino

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Areeiro

13 Novembro, 2018

Num canteiro relvado do Jardim Fernando Pessa, na freguesia do Areeiro, começou a ser construído um muro de azulejos. Moradores e trabalhadores na zona acham o mural “totalmente desnecessário”. Poderá afectar a fruição do espaço público, dizem, considerando ainda que havia outras opções para colocar o monumento. O mural é alusivo à Carta de Lisboa, um documento que define os deveres e os direitos dos cidadãos da capital, e os moradores queixam-se de um dos princípios da carta – o dever da câmara em divulgar os seus planos – não ter sido cumprido. A obra custou 30 mil euros à Câmara de Lisboa, valor considerado excessivo por alguns. Há quem note ainda que o vandalismo tem aumentado naquela parte da cidade, temendo que a construção seja afectada. A Junta de Freguesia do Areeiro sugeriu outro local para a edificação do muro, mas a Câmara de Lisboa terá preferido um sítio “com maior visibilidade”.

Quando Miguel Correia, 26 anos, chegou ao quiosque do jardim Fernando Pessa, no final de Outubro, para trabalhar, ficou incrédulo. “Cheguei aqui, de manhã, e a esplanada estava ocupada por um estaleiro de obras. Ninguém nos disse o que ia acontecer, foi uma surpresa”, conta o funcionário daquele espaço. Quase uma semana depois, Miguel Correia soube, através do engenheiro civil responsável pela empreitada, o plano para uma parte do espaço verde, situado nas traseiras da Assembleia Municipal de Lisboa (AML). A obra, da responsabilidade da Câmara Municipal de Lisboa (CML), consiste na construção de um mural azulejar comemorativo da primeira Carta de Lisboa, um documento que define os deveres e os direitos dos cidadãos da capital. A localização do muro, no meio de um canteiro relvado, e os valores da empreitada –  custará 30 mil euros à CML – estão a gerar polémica junto dos moradores e de quem trabalha naquela parte da cidade.

“Não se justifica, é um valor excessivo e o dinheiro seria melhor empregue noutras zonas da cidade. É uma obra completamente desnecessária, construída num sítio escondido da cidade, que poucos conhecem”, critica o empregado do quiosque, que lida com as queixas dos habitantes da freguesia todos os dias.  “Os moradores estão muito insatisfeitos, os que vivem nos prédios mesmo atrás do futuro muro estão preocupados com a obstrução da visão. Ainda não vi ninguém contente”, conta ainda. António Rodrigues, 28 anos, também a trabalhar ali, tece críticas mais duras. “Construíram aqui porque é ao lado da Assembleia Municipal de Lisboa, mas não é um sítio de passagem, a maioria dos habitantes de Lisboa não vai ver. A maioria nem sabia o que era a Carta de Lisboa”, diz.

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Há quem ache que o local é pouco frequentado, não justificando por isso o investimento

O sítio escolhido para a edificação do mural, junto ao parque canino, também não está a agradar os moradores e trabalhadores na zona, que temem perder espaço de fruição pública. “Ao fim-de-semana, o jardim está sempre cheio de famílias e crianças e, à noite, há muitos cães. O muro vai retirar espaço, podia não estar no meio do jardim”, critica Guilherme Santos, 22 anos, a tomar café na zona. Elísio Mendes, 52 anos, frequenta aquele espaço público com regularidade, há vários anos, e também está descontente. “O muro não fica nada bem ali, vai estragar o jardim. Um muro simboliza sempre separação, não queremos muralhas”, critica o morador.


 

No mural, que terá a assinatura dos artistas Júlio Pomar, Graça Morais, Eduardo Batarda, Sofia Areal, entre outros, estarão representadas artisticamente algumas das palavras-chave do documento em azulejos doados pela Galeria Ratton. A Carta de Lisboa foi elaborada pelos próprios habitantes da cidade, no quarto Fórum da Cidadania, tendo sido aprovada em Julho de 2017, e aguarda aprovação oficial pela Assembleia Municipal de Lisboa (AML). A iniciativa, do pelouro dos Direitos Sociais da Câmara de Lisboa, realiza-se, anualmente, desde 2014, sendo criados e aprovados novos documentos todos os anos. Segundo a declaração, a cidade de Lisboa “garante o direito de participação através de mecanismos apropriados e acessíveis de consulta e deliberação”, “o direito a audição e participação na definição das políticas autárquicas”. O documento estipula ainda que “as cidadãs e os cidadãos devem ter acesso a informação atempada da tramitação dos processos e dos resultados da sua participação”.

 

Algo que não estará a acontecer. “Isto até é irónico. Um dos princípios estipulados na carta é precisamente o dever da câmara em divulgar, de forma clara, os seus planos e, não só não fomos avisados, como o projecto nem sequer esteve em consulta pública”, critica Rui Martins, que contribui para a elaboração da carta e mora na freguesia. A informação acabaria por ser disponibilizada pelos trabalhadores no local da obra e, só depois de várias tentativas de contacto da associação de moradores Vizinhos do Areeiro, com a Junta de Freguesia do Areeiro e a Câmara de Lisboa, é que houve uma resposta oficial. “Depois de enviarmos vários emails é que nos responderam. O mural já estava planeado há um ano, havia tempo para reflexão e discussão, podíamos ter sugerido outros locais”, diz Rui Martins.

 

 

Apesar de já terem recebido uma explicação da Junta de Freguesia do Areeiro, continua a faltar uma placa identificativa, exigida por lei, com a informação da natureza, custo e o prazo da obra. “Após um pedido de informação à Junta, sem resposta, surgiu uma placa incompleta, apenas com indicação da natureza da obra. Continua sem se saber a empresa de construção civil responsável, a data de início e conclusão da empreitada”, conta Rui Martins. A associação de moradores Vizinhos do Areeiro, assim que teve conhecimento da obra, prontificou-se a contestar a construção do mural revestido a azulejos. Num abaixo-assinado redigido por um grupo de moradores liderado pelo Vizinhos do Areeiro, visível no site da associação, criticam a localização da obra e o facto do projecto não ter sido divulgado por qualquer meio oficial. “Uma vez que o espaço tem vida funcional e espontânea, a freguesia poderia ter optado por requalificar outros, sem função ou abandonados”, lê-se no texto que conta, para já, com o apoio de 57 habitantes de Lisboa.

 

Os moradores do Areeiro temem que a fruição do espaço público, com uma densa área relvada, seja afectada. Dizem que as dimensões do muro “são excessivas” num espaço dedicado ao lazer em pequenos canteiros relvados, e que a baixa altura daquele “poderá provocar acidentes a crianças de tenra idade ao cruzarem o pórtico de betão”. Os materiais utilizados – betão armado e painel em mosaico de azulejo – também não são do agrado da maioria. “A experiência que temos na zona é que os monumentos em azulejo, quando sujeitos a exposição solar prolongada, acabam por desagregar-se rapidamente. Requerem mais manutenção e conhecimentos técnicos, fica mais caro”, diz o também fundador da associação de moradores Vizinhos do Areeiro.

Além disso, o vandalismo tem aumentado naquela zona verde. “De noite, o jardim é muito mal frequentado, há miúdos a consumirem álcool e drogas todos os dias, e deixam muito lixo. Poderemos passar a conviver com uma obra em permanente estado de ruína”, alerta Rui Martins.  Os moradores dizem que o mural deveria ter sido construído numa das paredes exteriores do Fórum de Lisboa, uma forma de evitar a danificação da estrutura. “Há muitas paredes a serem grafitadas, recorrentemente, e a colocação dos azulejos nas paredes da Assembleia Municipal de Lisboa até era uma forma de dissuadir a pintura e o graffiti. É uma sugestão que podia ter sido feita em consulta pública, mas não houve”, lembra ainda Rui Martins.

 

Entretanto, no passado dia 11 de Novembro, a Junta de Freguesia do Areeiro informou os moradores de que deu “parecer favorável” ao local escolhido pela CML e de que o prazo para a conclusão do mural será entre os dias 21 e 22 de Novembro.  Miguel Correia, que todos os dias fala com os trabalhadores da obra, avança outra data – 22 de Dezembro. Rui Martins também tem dúvidas quanto à data de conclusão. “Disseram-nos que o betão demora um mês a secar, portanto isto deverá estar concluído mais perto do início de Dezembro”, prevê.

 

De acordo com a Junta de Freguesia do Areeiro, este projecto foi aprovado em Julho de 2017, no Fórum Cidadania, tendo sido apresentado na íntegra na Galeria Ratton, a 22 de Outubro de 2017, sendo já conhecido há um ano. A Junta de Freguesia terá sugerido que o mural fosse colocado no relvado do lado esquerdo do edifício da Assembleia Municipal de Lisboa (AML). No entanto, a Câmara Municipal de Lisboa e a AML terão discordado. “Consideraram que o mural devia estar num local com maior visibilidade e escolheram o espaço onde está a ser construído neste momento”, explica o gabinete de comunicação da Junta de Freguesia do Areeiro, em depoimento escrito a O Corvo. Quando questionada sobre o motivo porque o projecto não foi alvo de discussão pública, a Junta de Freguesia diz que a responsabilidade da obra é da Câmara de Lisboa.

 

O Corvo confrontou a Câmara de Lisboa com as acusações dos moradores, mas, até ao momento da publicação deste artigo, não obteve resposta. Tentou, ainda, entrar em contacto com a Assembleia Municipal de Lisboa, mas esta não mostrou disponibilidade em responder em tempo útil.

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