Comerciantes das avenidas D. Carlos I e 24 de Julho apreensivos com impacto das obras da Linha Circular do metro

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Sofia Cristino

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Estrela
Misericórdia

12 Fevereiro, 2019

A construção das duas novas estações do Metro de Lisboa, Santos e Estrela, arranca até ao final deste ano. As obras à superfície, entre o Regimento de Sapadores Bombeiros, na Avenida D. Carlos I, e o Cais do Sodré, vão alterar a rotinas na zona, causando preocupação aos comerciantes. Alguns temem perder clientes com o início dos trabalhos. O ruído e o pó da empreitada poderão ser um problema, mas a maior preocupação é o possível incumprimento do prazo, à semelhança do que aconteceu nas estações de metro do Areeiro e de Arroios. Mas também há quem esteja mais inquieto com o que vem depois. Com metropolitano à porta, o preço por metro quadrado – já muito elevado nesta parte da cidade – poderá subir para níveis incomportáveis e alguns receiam mesmo fechar portas. O presidente da Junta de Freguesia da Estrela considera a ligação Santos-Estrela “inútil” e ameaça lutar contra esta por via judicial. “Está tudo em cima da mesa”, garante.

Na Avenida D. Carlos, logo pela manhã, vêem-se alguns carros encostados ao passeio, com os quatro piscas ligados, para levantarem fotocópias na loja Copianço. O único café aberto, naquela artéria da cidade, e o quiosque do Largo da Esperança têm as esplanadas cheias de estudantes e há algum movimento na rua, que aumenta quando se desce em direcção à Avenida 24 de Julho. O cenário poderá, contudo, mudar drasticamente, assim que começarem as obras de construção da Linha Circular do Metro de Lisboa, que darão duas novas estações de metro à cidade – Santos e Estrela. Os trabalhos arrancam no final deste ano, e deverão demorar três anos e meio, estando a conclusão prevista para 2023.

A realização destas obras causará perturbações temporárias na circulação pedonal automóvel e nas linhas de eléctrico e comboio. E, nalguns casos, poderão também haver problemas nos acessos a garagens. Segundo o Estudo de Impacte Ambiental (EIA), que analisa as repercussões das obras de prolongamento do metropolitano, poderão ainda existir “danos ou eventuais colapsos” em troços do aqueduto e do chafariz da Esperança, que terão de ser recuperados no final dos trabalhos.  Entre o Regimento de Sapadores de Bombeiros, na D. Carlos I, e o Cais do Sodré, os comerciantes terão de lidar, diariamente, com um estaleiro de obras a céu aberto.

“Já é dificílimo estacionar aqui, quando a rua estiver fechada, vai ser caótico. Provavelmente, vamos perder clientes, já que muitos vêm de carro”, diz Ricardo Rodrigues, funcionário da loja de fotocópias. Quem mora e trabalha em Santos não conseguirá escapar ao ruído, pó e trepidações, pelo menos durante um ano e meio, período previsto para a empreitada naquela zona. Além disso, a obra irá causar congestionamentos no trânsito entre a Avenida D. Carlos e o Cais do Sodré, cuja estação será remodelada. Paula Valente, também trabalhadora neste espaço comercial, está mais preocupada. “O barulho e o pó vão prejudicar-nos, trabalhamos mesmo virados para a porta, e vai ser mais desconfortável trabalhar com a poeirada. Ainda por cima, não é urgentíssimo construir essas estações. Esta zona até é bem servida de transportes. Quem vai beneficiar mais são os turistas, o que me revolta muito”, critica.

 

 

Não deixa, porém, de ver alguns benefícios quando a empreitada estiver concluída. “Nesta zona, há muita animação nocturna e, com as novas estações, pode ser que os miúdos deixem de trazer carro e haja menos acidentes”, antevê. A estação de Santos servirá, além das áreas residenciais, a Assembleia da República, o Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) e o Instituto de Artes Visuais, Design e Marketing (IADE), assim como áreas onde se concentram espaços de diversão nocturna.

Bruno Nunes, funcionário de uma loja de chaves, na Avenida D. Carlos há seis anos, também está preocupado. “Muitas vezes, os carros têm de ficar estacionados à nossa porta para fazermos uma cópia da chave. Não sei como vamos fazer”, receia. A poucos metros, Thais De Juli abriu um restaurante de sushi, há apenas três meses, e também está apreensiva. “Quando fecham esta avenida, por causa de cerimónias na Assembleia da República, ou porque vai passar algum ministro, já sentimos um pouco esse transtorno. E sente-se uma diferença, ainda que ligeira. Espero que, no decorrer das obras, se lembrem de nós, e arranjem também alternativas à circulação”, diz.

A empreitada, entre o Regimento de Sapadores de Bombeiros e o Cais do Sodré, será feita por fases, de forma a diminuir a área ocupada na via pública e a manter a fluidez do trânsito. Algumas pessoas que ali trabalham não estão convencidas, porém, da minimização das perturbações à superfície. “Uma empreitada desse calibre vai ter, certamente, muito barulho, e estamos preocupados porque sabemos que o período das obras resvala sempre”, receia Maria José Rosário, administradora de um cabeleireiro, recordando os atrasos das obras das estações de metro de Arroios e do Areeiro. A poeira e os detritos resultantes da obra também poderão ser um problema. “Os clientes gostam de estar aqui porque é um espaço calmo e confortável. O pó e as trepidações das obras poderão não permitir essa comodidade, a que já se habituaram”, lamenta.

Num recanto do Largo da Esperança, no atelier “O homem do saco”, o entusiasmo com que Juan Yusta e Luís Henriques trabalham ali, há quatro anos, não deixa perceber o receio que sentem. Os ilustradores e topógrafos já perderam a conta de quantas agências imobiliárias passam por lá, interessadas no edifício. “Gostamos muito de estar aqui, mas sabemos que esta zona está sujeita a uma grande pressão, até porque é constante as imobiliárias assediarem-nos. Estamos preocupados com a valorização desta parte da cidade. O preço por metro quadrado vai subir, ainda mais, com a construção do metro e, talvez, tenhamos de sair”, lamenta Luís Henriques.

 

Quanto ao início das obras, Luís está menos preocupado. “Acredito que o pó e o fecho da rua prejudiquem muito as pessoas que fazem esse trajecto. O nosso espaço acaba por funcionar mais como oficina, e penso que não haverá muitas alterações”, espera. Juan Yusta está mais pessimista. “Infelizmente, nestas ruas, já não se vê praticamente ninguém a viver, vêem-se muitos visitantes. Os laços que havia desapareceram, Lisboa estava mais viva há uns anos. Uma cidade de ‘fotografias’, não é uma cidade real. E, por isso, acho que as ruas só vão ficar mais desertas do que já estão”, antecipa.


Na Avenida 24 de Julho, onde recentemente se instalaram novos negócios, as queixas descem de tom. Nas artérias transversais, na Calçada Marquês de Abrantes e na Rua da Esperança, muitos edifícios antigos estão rodeados de andaimes, e o ruído das máquinas de construção civil é constante. Filipe Joyeux abriu, há menos de um ano, uma loja de móveis de exterior e diz já estar habituado ao som das obras. “O pó e o ruído não serão problemas muito graves, porque, à nossa volta, os edifícios estão quase todos a ser requalificados. E vejo com optimismo essa renovação, porque permite ao bairro renascer”, afirma.

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Naquela avenida, onde circulam vários meios de transporte – comboio, autocarros da Carris e eléctrico 15 – os trabalhos à superfície já poderão constituir um problema. “Como somos uma nova marca, em Portugal, só o facto de os carros passarem à entrada da loja já é bom para a divulgação. À noite, também temos uma montra apelativa, e se não houver circulação de carros poderemos sair prejudicados”, lamenta.

Na gelataria Davvero, aberta há um ano, Igor Valente não sabia da construção da ligação entre Cais do Sodré e Rato. “Ainda falta muito tempo e é difícil prever o que vai acontecer. Já sabemos que as obras são sempre uma confusão. O trânsito é caótico e vai ser pior, porque vai ser desviado. Se for cumprido o tempo previsto, porém, não vejo um grande problema, estou tranquilo”, desvaloriza o funcionário da gelataria. Ao lado, no restaurante Popolo, Ana Coutinho também diz que ainda é cedo para tecer considerações. “Só mesmo na altura é que vamos perceber o que vai acontecer. Esta zona é bastante movimentada e, se o prazo de execução deslizar, poderá ser um problema”, diz. Filipe Roque, também trabalhador naquele estabelecimento, está mais preocupado. “Se isto já é esta confusão, com o trânsito, quando as vias forem cortadas, nem consigo imaginar. Havia um parque de estacionamento gratuito, ao lado da discoteca Urban Beach, que está em obras para passar a ser taxado pela Empresa Municipal de Estacionamento de Lisboa (EMEL). Esta zona vai tornar-se ainda mais caótica”, antevê.

 

Já na Rua Dom Luís I, Sónia Martins, funcionária de uma loja de roupa, a única ali instalada, acredita que o início das obras poderá até trazer benefícios às ruas adjacentes. “Normalmente, quando estas empreitadas começam, as pessoas mudam as suas rotinas e trajectos, e até pode ser benéfico para nós. Esta zona tem muitos escritórios e os meus clientes são, principalmente, trabalhadores, que não deixarão de vir”, acredita.

A expansão da rede de metro vai custar 210 milhões de euros e prevê a construção de 1.956 metros de túnel em via dupla, e duas novas estações, na Estrela, ao cimo da Calçada, e em Santos, no quarteirão definido pela Avenida Carlos I, Rua das Francesinhas, Rua dos Industriais e Travessa do Pasteleiro. No passado dia 27 de Novembro, a Agência Portuguesa do Ambiente emitiu uma Declaração de Impacto Ambiental (DIA) favorável condicionada a este projecto. Segundo a DIA, a criação da linha circular poderá pôr em risco vários monumentos nacionais, como o Aqueduto das Águas Livres e o Jardim da Estrela. O parecer não impediu, contudo, que o concurso público para a construção das duas novas estações fosse lançado, no passado dia 9 de Janeiro. A Câmara Municipal de Lisboa (CML) e o Governo acreditam que o troço beneficiará quem vem de Oeiras, Cascais e da outra margem do rio Tejo, e que o período de espera pelo transporte encurtará significativamente.

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As obras de construção da linha serão em vala aberta na Avenida 24 de Julho até à sede da EDP

Desde que o novo traçado foi anunciado, têm sido realizadas vários debates para se discutir os impactos da linha circular. Apesar de este ter sido muito criticado por especialistas e por todos os partidos políticos, à excepção do PS, as obras avançarão até ao final deste ano. Insatisfeito com a criação da ligação de metro Santos-Estrela, o presidente da Junta de Freguesia da Estrela, Luís Newton (PSD), organizará, no próximo dia 9 de Março, uma conferência para se discutir novamente a forma como a expansão do metro está planeada para aquela parte da cidade.

O autarca diz que apoia a construção da estação de metro da Estrela, e até fala num possível prolongamento até Alcântara, mas considera a ligação estre aquela e Santos “inútil e desnecessária”. “Há obras necessárias e outras que chegam a roçar no ridículo. Esta empreitada é um disparate técnico, operacional e ambiental, não se percebe o parecer da Agência Portuguesa do Ambiente (APA). Estamos a estudar, por isso, vários cenários para que não avance, e seremos intransigentes”, promete.

Newton acredita que o projecto ainda é reversível, mas só tomará uma decisão depois de ouvir os contributos da população e de especialistas. “Vamos realizar um debate e, só depois de ouvirmos todos, decidiremos o que fazer”, garante. Quando questionado por O Corvo se põe a hipótese de avançar com uma providência cautelar contra a linha circular, Newton diz que essa opção “está completamente em cima da mesa”. “Só não quero tomar uma decisão unilateral e, por isso, vou reunir contributos técnicos. Acredito que o bom senso vai prevalecer”, afirma.

 

O presidente da Junta de Freguesia da Estrela diz que, apesar de ainda não ter conhecimento do plano final da obra, antecipa um “período complicado”. “Não sabemos onde vão começar a empreitada, nem quais as alterações que serão feitas ao trânsito, nem a disposição final do estaleiro. Há um sem-número de dúvidas por responder”, lamenta. Newton está preocupado com a instabilidade daquela encosta da cidade, que diz não estar preparada para obras desta envergadura, e com o aumento do trânsito na Avenida Infante Santo. “Quando a D. Carlos for fechada ao tráfego, vai haver uma sobrecarga do trânsito na Infante Santo e no cruzamento para Alcântara de quem mora em Cascais e Oeiras. Vai ser muito complicado”, conclui.

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