Acossada por críticas, Câmara de Lisboa diz não ser responsável por falta de habitação
A culpa da falta de habitação a preços acessíveis para as famílias da classe média e com menos recursos na cidade de Lisboa é, sobretudo, da ausência de uma política nacional para o sector, e não tanto da crescente subida dos valores do mercado imobiliário causada pelo turismo, considera a Câmara Municipal de Lisboa (CML). “Não é aceitável olhar para a questão da habitação e do direito à habitação, exigindo que sejam única e exclusivamente os municípios a responder à resolução dos problemas. E não é apenas o município de Lisboa, isto também diz acontece noutros municípios”, disse Paula Marques, vereadora com o pelouro da Habitação, nesta terça-feira (28 de março), na Assembleia Municipal de Lisboa (AML), já quase no final de um encarniçado debate sobre a questão. A autarquia foi sujeita, durante mais de duas horas, a um bombardeamento de críticas, da esquerda à direita, acusada de estar mais preocupada com o turismo e com os grandes investidores imobiliários do que em garantir condições dignas de habitação para os lisboetas.
O mote para a discussão foi dado pela apresentação e votação de um parecer nascido da apreciação de uma petição “pelo fim dos despejos de famílias em situação de carência económica”, que até acabou por ser aprovado por unanimidade. A recolha de assinaturas, dinamizada pela Associação Habita e que havia dado entrada na assembleia já em junho passado, pedia a “suspensão dos despejos efectuados pela autarquia sem que estejam garantidas alternativas dignas e adequadas aos agregados familiares”. Isto para além de reclamar novas políticas municipais para o sector. “Tão ilegal é a ocupação de uma casa quanto imoral é deixar esta anos vazia ou não ter uma política capaz de responder às necessidades das pessoas”, disse, ante a assembleia, Ana Rita Silva, presidente da associação.
O mote para a discussão foi dado pela apresentação e votação de um parecer nascido da apreciação de uma petição “pelo fim dos despejos de famílias em situação de carência económica”, que até acabou por ser aprovado por unanimidade. A recolha de assinaturas, dinamizada pela Associação Habita e que havia dado entrada na assembleia já em junho passado, pedia a “suspensão dos despejos efectuados pela autarquia sem que estejam garantidas alternativas dignas e adequadas aos agregados familiares”. Isto para além de reclamar novas políticas municipais para o sector. “Tão ilegal é a ocupação de uma casa quanto imoral é deixar esta anos vazia ou não ter uma política capaz de responder às necessidades das pessoas”, disse, ante a assembleia, Ana Rita Silva, presidente da associação.
Antes de tal acontecer, havia-se assistido a uma duríssima sessão de punição verbal da política de habitação do executivo liderado pelo Partido Socialista. E foi precisamente o Bloco, através do seu deputado e candidato à presidência do município, Ricardo Robles, quem mais se destacou na acutilância das críticas. “Este é o problema mais grave da cidade. É um sinal do fracasso deste executivo, que não foi capaz de responder ao assunto mais importante na cidade, que é o direito a ter um tecto e a viver com dignidade”, disse o eleito bloquista, antes de acusar: “Os problemas são monstruosos e as respostas inexistentes, porque foi seguida uma estratégia errada”. Ricardo Robles assinalou o facto de o debate acontecer no mesmo dia em que a CML vendia em leilão mais uma dezena de imóveis. O mesmo número de casas que, recentemente, a autarquia colocou a concurso no programa de renda convencionada, ao qual concorreram 3.300 pessoas. “São 330 pessoas para cada casa. Este é o melhor dos sinais de que não há capacidade de resposta da câmara ao problema da habitação”, concluiu Robles.
Um diagnóstico em linha com o retrato demolidor feito pela dirigente da Associação Habita, que assinalou o facto de “o preço da habitação subir muito mais do que os rendimentos médios e baixos dos habitantes de Lisboa, que não podem pagar”. Ana Rita Silva lamentou a “ausência de políticas que possam responder satisfatoriamente ao problema” e que “a reabilitação que hoje temos tenha servido, sobretudo, os grandes interesses imobiliários e esteja a expulsar os moradores da cidade pela via do aumento desmesurado dos preços da habitação”. A activista admitiu a eventual “bondade” do programa de renda acessível lançado no ano passado pelo executivo chefiado por Fernando Medina, mas considerou-o “totalmente insuficiente para as necessidades”, incapaz de “pressionar para baixo o preço da habitação” na capital e devedor de uma “concepção de cidade segregada: os pobres nos bairros sociais, a classe média no centro”.
Também o PCP, através de Modesto Navarro, não poupou na dimensão da censura ao que considera o falhanço do actual executivo em matéria de habitação. “Esta câmara, no âmbito da sua política de envolvimento com os grandes especuladores, dedica-se à venda do património e dá resposta nas zonas mais evidentes e de turismo. Em relação aos bairros municipais, e aos problemas de habitação, a CML é cúmplice no aumento do preço das rendas, no esvaziamento dos bairros, na expulsão dos filhos dos lisboetas e dos mais idosos”, acusou o deputado municipal comunista. E continuou: “Com o seu silêncio e com a sua acção – desviando dotações que podiam ser para a habitação social e a resolução dos problemas de quem vive em Lisboa -, está dedicada em elevar esta cidade a um patamar mais alto no domínio da especulação”. O eleito do PCP lembrou os sucessivos alertas do seu partido sobre a questão, ao longo dos últimos anos, prevendo um intensificar dos problemas nos próximos anos.
Antes, Helena Roseta, presidente da assembleia, havia pedido a palavra para falar como deputada independente e defender o trabalho da vereadora Paula Marques, sua sucessora na liderança do pelouro da Habitação – Roseta foi vereadora desta pasta entre 2009 e 2013. “Esta é uma das questões mais difíceis para quem tem o poder executivo. No mandato anterior, em que desempenhei funções nesta matéria, foi muito difícil fazer obras nos bairros sociais. A situação evoluiu e felicito a senhora vereadora Paula Marques, porque conseguiu mobilizar 20 milhões de euros para obras nos bairros, algo que não se conseguia há muitos anos. Tais intervenções vão permitir atribuir essas casas que estão vazias”, disse, antes de apelar à “criação de um programa nacional para dar resposta a estas situações”. Roseta defende que tal programa crie uma prestação social, à imagem do que sucede com os subsídios de desemprego, doença ou viuvez, “para as pessoas poderem encontrar arrendamento acessível”.
Algo criticado pelo PSD, quando o seu deputado Rodrigo Gonçalves da Silva contradisse Roseta, embora lhe tenha elogiado “o grande trabalho” enquanto vereadora. “Este é um problema da Câmara de Lisboa, não é um problema nacional. Não vale a pena fingir que é nacional, quando é uma questão da cidade, que tem imensos bairros com problemas como este”, disse o eleito laranja, para quem, “neste momento, a câmara favorece uma política de habitação para os turistas e desfavorece os que aqui vivem”. Lembrando a existência de muitos imóveis por ocupar nos bairros municipais – uma crítica partilhada por toda a oposição -, Gonçalves da Silva acusou a autarquia de ser “o maior especulador imobiliário, para depois andar à procura de soluções”. “Precisamos que a CML faça qualquer coisa, não que diga que se preocupa, mas depois, na prática, deixe pessoas com filhos menores na rua, em situações degradantes”. Já antes, Diogo Moura (CDS-PP) lembrara os “milhares de fogos municipais abandonados e emparedados” que, diz, poderiam servir para mitigar o problema.
Ao ouvir tantas críticas, a vereadora fez questão de assinalar “a sensibilidade da matéria”, em relação à qual garantiu que tanto ela como a câmara têm plena noção. “Não fazemos um julgamento moral das pessoas que ocupam as casas, temos consciência da diversidade de razões que levam as pessoas a fazê-lo”, afirmou, antes de criticar as “responsabilidades de alguns partidos com políticas de âmbito nacional em matérias que têm implicação directa naquilo que é a deterioração da vida das pessoas” – numa clara referência ao PSD e CDS-PP, que suportaram o anterior Governo. A essa degradação das condições de vida, salientou a vereadora, correspondeu um decréscimo em 14 milhões de euros nos valores da rendas cobradas aos inquilinos de bairros camarários, nos últimos anos.
Admitindo a necessidade de continuar a trabalhar na reabilitação de fogos devolutos – neste momento, há 1100 em obras com esse intuito, que se juntam aos 1246 já entregues a famílias, durante este mandato -, Paula Marques fez questão de alertar para a incapacidade da autarquia de Lisboa em resolver sozinha o problema da habitação. “Não é legítimo que, durante tantos anos, não seja produzida uma política de habitação nacional dirigida para ser operacionalizada pelos municípios”, afirmou, dando assim eco ao que Helena Roseta dissera minutos antes. “Não é legítimo que a segurança social não tenha um papel activo na prestação de auxílio a famílias em situação indigna”, disse ainda, replicando o que afirmara André Couto, deputado que chefia a bancada municipal do PS na assembleia municipal.