Estas mulheres ocupam ilegalmente casas municipais de Lisboa por não terem alternativa de habitação

REPORTAGEM
Sofia Cristino

Texto

URBANISMO

Cidade de Lisboa

17 Outubro, 2018

Há cada vez mais famílias a viverem de forma abusiva em casas da Câmara Municipal de Lisboa. Dizem fazê-lo como forma de protesto por não encontrarem respostas no mercado de habitação tradicional, nem alternativas sociais por parte da autarquia. Algumas são despejadas e, sem poder escolher, vivem em situação de sobrelotação com familiares ou mesmo dentro de carros. Ao início da tarde desta terça-feira (16 de Outubro), dezenas de famílias – maioritariamente mães solteiras – expuseram a sua situação na Assembleia Municipal de Lisboa. A Associação Habita exige a regularização da ocupação das casas ocupadas ilegalmente, mas a vereadora da Habitação garante que tal não vai acontecer.  Paula Marques reconhece que é preciso mais habitação pública, mas desmente que não esteja a ser dado acompanhamento a estas famílias. “Tenho a certeza que, daqui para a frente, contaremos com a Segurança Social e a Santa Casa da Misericórdia para um maior apoio”, garante.

Centenas de famílias, principalmente mães solteiras com filhos menores, ocupam ilegalmente casas da Câmara de Lisboa e dizem ter um motivo para o fazer. “Com tantas habitações municipais fechadas, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) não me pode dar casa? Dizem-nos que, quando formos despejadas vamos ter solução, mas não temos”, diz Maria João Painho, 28 anos, a ocupar uma casa abusivamente há seis meses, na Alta de Lisboa. Tem dois filhos, com onze e quatro anos, e concorre a programas de habitação municipal desde que teve o primeiro filho, mas, até agora, tem ficado fora dos concursos para habitação social. Tal como Maria João, há centenas de famílias a ocupar casas abandonadas em bairros sociais da capital. Queixam-se de a Câmara de Lisboa não dar respostas de habitação suficientes e de já terem ouvido comentários preconceituosos. “Já me disseram que, se tenho dinheiro para pintar o cabelo e as unhas, também consigo pagar a renda de uma casa”, diz uma das ocupas, que não quis ser identificada.

 

Ao início da tarde desta terça-feira (16 de Outubro), dezenas de mulheres a ocuparem casa ilegalmente reuniam-se junto ao Fórum de Lisboa, na Avenida de Roma, para exporem a sua situação à Assembleia Municipal de Lisboa. “Estamos aqui para exigir uma solução à vereadora da habitação. Fui despejada, com dois filhos menores, e ninguém da Câmara de Lisboa, nem da Segurança Social, esteve presente”, diz, desolada, Rita Vieira, 30 anos, que, esta segunda-feira (15 de Outubro), foi obrigada a sair do apartamento onde estava desde final de Julho, em Telheiras. Já tinha recebido um aviso da Câmara de Lisboa para sair da casa, a 21 de Agosto, mas permaneceu na habitação como forma de protesto. “Tenho dois filhos, com três e nove anos, e ganho cerca de 580 euros. Não percebo quais são os critérios para atribuir habitação municipal, entrei naquela casa ilegalmente por desespero”, confessa Rita, neste momento a viver em casa de familiares, que já lhe deram um prazo para sair. Antes de entrar na casa abusivamente, vivia na Serra da Luz, em Odivelas, mas, quando ficou desempregada, deixou de conseguir pagar a renda e foi forçada a sair. Candidatou-se a uma casa camarária mais do que uma vez, mas não conseguiu ser elegível.

 

Depois da situação ser tornada pública, o grupo municipal do Bloco de Esquerda enviou um requerimento à autarquia, no qual questiona o município sobre quais as medidas que foram tomadas para encontrar uma solução para esta família e que tipo de acompanhamento está a ter. Os relatos de situações de ocupações abusivas repetem-se e os motivos são quase sempre os mesmos. Filipa Mascate, 34 anos, com uma filha de 15 anos, está a concorrer a programas de habitação municipal há nove anos. A casa que ocupa ilegalmente desde Abril, no Lumiar, está, neste momento, a concurso no programa de renda convencionada da Câmara de Lisboa. Depois de estar um mês a dormir no carro e de não encontrar soluções no mercado de arrendamento tradicional e alternativas da CML, decidiu entrar na casa. “Conheço o bairro e esta habitação estava vazia quase há dez anos, o que também é revoltante. Eu sei que é contra a lei, mas também não quero viver na rua com os meus filhos”, diz. “Agora, estou a trabalhar e ganho o ordenado mínimo, mas já estive desempregada e numa situação mais difícil e a pontuação que a Câmara me atribui é sempre a mesma, não entendo”, critica.

 


Não muito longe de Filipa, Mónica Cariata, 47 anos, com dois filhos, de 12 e 21 anos, também vive numa casa ilegalmente há cinco meses, na freguesia de Santa Clara. “Só quero que falem connosco. Estou numa casa sem condições nenhumas, há muita humidade, e a qualquer momento posso ter de sair”, diz, sem conter a emoção. Bruna Santos, 20 anos, viveu três meses no carro com o namorado, depois de não conseguir habitar mais em regime de sobrelotação com a família. Depois da situação se tornar insustentável, sem possibilidade de realizar os cuidados de higiene e de sofrer um aborto, ocupou casa ilegalmente, na Alta de Lisboa. Está desempregada e o companheiro recebe 508 euros de salário. “Estou sempre com medo porque, a qualquer momento, podem tirar-me de casa, só queria que nos dessem uma alternativa, sou muito nova para já estar a viver isto tudo”, lamenta.

 

Momentos mais tarde, após o depoimento prestado a O Corvo, Rita Vieira e Filipa Mascate expunham as suas situações na Assembleia Municipal de Lisboa, exigindo uma oportunidade de diálogo com a vereadora da habitação, Paula Marques, e soluções imediatas para os seus casos extremos. Da plateia, cerca de vinte mulheres – todos a ocuparem casa de forma abusiva – assistiam atentas à intervenção, gritando por “uma resposta hoje” e pelo fim dos despejos, acompanhadas pela presidente da Associação Habita, Rita Silva. Em declarações a O Corvo, a dirigente associativa critica a deterioração das respostas sociais e de habitação da autarquia da capital e exige “um processo extraordinário de regularização da ocupação das casas ilegais”.

“Não podem haver despejos sem solução. A Câmara de Lisboa tem afectado aos seus concursos de atribuição de habitação casas que estão ocupadas ilegalmente, colocando famílias contra famílias. Esta atitude, sem escrúpulos, fomenta um discurso de ódio social. A regularização das ocupações abusivas podia ser uma solução”, sugere a activista. Rita Silva critica ainda a autarquia por “não querer dizer quantas casas desabitadas tem”. “Só num pequeno bairro em Chelas foram contabilizadas 46 casas municipais, acredito que na cidade de Lisboa cheguem a um milhar. Por isso, ainda se percebe menos a falta de respostas. Há centenas de casas ocupadas ilegalmente e isto acontece como forma de protesto e de resistência, ninguém gosta de viver numa situação de perigo constante”, diz.

Uma fonte do gabinete da vereadora Paula Marques garante, em declarações a O Corvo, que a afectação das casas está a seguir a listagem normal, sendo as casas entregues de acordo com os critérios de programa de acesso à habitação municipal Câmara de Lisboa , que “são iguais para todos”. Em resposta à presidente da Associação Habita, a vereadora Paula Marques dizia, na tarde desta terça-feira, que não vai fazer a regularização de todas as ocupações. “Vamos analisar cada uma das situações e ver o que podemos fazer, mas não é possível fazermos a regularização de todas, nem é justo para outras famílias”, afirma. Depois de recordar o trabalho feito pela Câmara de Lisboa, nos últimos anos, no que diz respeito à criação de novos programas de habitação social, Paula Marques reconheceu que é necessária mais habitação pública, mas que este é um trabalho “de todos”.

“A reabilitação dos fogos para podermos afectar mais famílias está, neste momento, em curso. Tem sido feito um esforço que há muitos anos não era feito na cidade de Lisboa. As situações são muito diferentes e ninguém põe em causa a necessidade de habitação na cidade, mas, para podermos responder de forma igual a todos, temos de perceber o que se passa com cada uma das famílias. Não é verdade que não se faça esse acompanhamento”, assevera. A vereadora com o pelouro da Habitação garante que a empresa municipal Gebalis e a Polícia Municipal visitam as famílias para perceberem qual é a sua situação do ponto de vista da vulnerabilidade social, e avança que este apoio vai ser reforçado. “Tenho a certeza absoluta que daqui para a frente contaremos com a Segurança Social e a Santa Casa da Misericórdia para um maior apoio das famílias. Mas também sabemos que as situações são muito diversas e procuramos responder dentro daquilo que é equidade e justiça para toda a gente”, afirma.

 

A vereadora diz ainda que é necessário fazer “o mais rapidamente possível” uma alteração na lei para passarmos a ter um mercado imobiliário regulado, mais investimento na habitação pública, e que os municípios têm de ter mais condições para fazer habitação pública. “Precisamos disso tudo e tenho a certeza absoluta que os deputados com responsabilidade na Assembleia da República se juntarão às câmaras municipais para o fazer. Entretanto, trabalharemos com estas famílias para encontrarmos soluções. Às vezes, as respostas que as pessoas querem podem não ser as que conseguimos dar, mas são dadas. Custa-me muito que, muitas vezes, hajam alternativas para que não se chegue a uma situação extrema e que essas alternativas, ainda que provisórias, não sejam aceites pelas famílias. Muitas vezes, não por vontade delas, mas por aconselhamento de terceiros”, concluia.

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