‘Simplex’ de obras compromete segurança estrutural de muitos prédios em Lisboa

REPORTAGEM
Samuel Alemão

Texto

URBANISMO

Arroios

2 Agosto, 2017

Helena não queria acreditar quando, esgueirando-se à varanda do seu segundo andar na Rua Cidade de Cardiff, em Arroios, se apercebeu do que se estava a passar lá em baixo, no logradouro do rés-do-chão. “Verifiquei, para meu espanto, que estavam a escavar e que, aos poucos, se ia formando um buraco cada vez maior. Só podia ser para uma piscina”, pensou. Os vizinhos haviam avisado, em meados do passado mês de junho, os restantes condóminos de que iriam fazer obras no quintal, sem especificarem qual o seu objectivo. Perante o aparato, no início de julho, Helena pediu-lhe esclarecimentos adicionais. “Estamos a fazer remodelações no jardim, que não implicam com nada do prédio”, responderam por email. Céptica, perguntou-lhes se não se trataria mesmo de uma piscina. Por telefone, acabaram por lhe confirmar aquilo de que desconfiava. Uma obra feita sem a autorização do condomínio nem da Câmara Municipal de Lisboa.

Casos como este têm vindo a aumentar, nos últimos meses, na mesma proporção do crescimento meteórico do volume dos trabalhos de reabilitação de imóveis na capital portuguesa. Tantos que estarão a pôr em causa a capacidade de resposta dos serviços de urbanismo da autarquia e da Polícia Municipal. Sem meios suficientes para as actuais solicitações, e colocados perante um assinalável avolumar das queixas de cidadãos, ambos os braços do município aos quais cabe a responsabilidade de fiscalização da legislação neste campo tentam fazer o melhor que podem. Mas com dificuldade. Numa das insistências de Helena junto da PM, terá recebido como resposta que teria de aguardar, uma vez que não lhe poderiam indicar uma data para a deslocação ao prédio de uma patrulha, “atendendo ao elevado volume de queixas e à falta de agentes que dispunham actualmente”. Um cenário agravado, em muitos casos, pelo afrouxar dos procedimentos legais a nível nacional, o que dá aos proprietários a ideia de quase imunidade.

Isso mesmo é reconhecido por Helena Roseta, presidente da Assembleia Municipal de Lisboa (AML), que pede, por isso, a revisão urgente da legislação. Confrontada, durante uma sessão daquele órgão, na semana passada, com uma queixa de um munícipe sobre os problemas causados num imóvel pelas obras dos vizinhos, Roseta disse que casos como esse são “consequência dos sucessivos simplexs que têm sido feitos na legislação urbanística e que aligeiraram a apreciação pelas câmaras municipais do que as pessoas fazem nos diversos edifícios, criando problemas que podem ser muito graves”, afirmou a presidente da assembleia, a 25 de julho. “Mais que fazermos fiscalizações ad hoc aqui e acolá, o que interessava era rever esta legislação, porque ela tem este problema: nem sempre assegura a verificação da resistência sísmica e da própria resistência estrutural do edifício”, afirmou, considerando estar-se perante um problema “bastante preocupante”.

‘Simplex’ de obras compromete segurança estrutural de muitos prédios em Lisboa

As obras ilegais de construção da piscina no logradouro do prédio da Rua Cidade de Cardiff

Um sentimento partilhado por Helena, a moradora da Rua Cidade de Cardiff, que teme pela segurança estrutural do prédio onde vive há onze anos, desde que comprou aquela fracção. “Sobretudo, depois do que se passou na Rua Damasceno Monteiro”, diz, referindo-se ao incidente ocorrido em fevereiro deste ano, quando uma derrocada num condomínio situado a uma cota superior forçou a evacuação e a interdição de três prédios, devido à instabilidade geológica do talude situado nas suas traseiras. A situação naquele arruamento, localizado na fronteira entre as freguesias de Arroios e de São Vicente, obrigou ao desencadear imediato de obras de consolidação da encosta, ainda em curso. “Também aí, no local onde os terrenos cederam, havia uma piscina”, nota a moradora e proprietária de um andar que está situado numa zona em declive, confluente com outros logradouros. “Uma obra deste género pode, obviamente, colocar em risco a estabilidade do edifício”, diz.

E é numa situação como esta que se coloca a necessidade de ser questionada a visão, muitas vezes deturpada, de quem faz obras em edifícios – percepção formada, em parte, como resultado do tal aligeiramento legislativo. “Quando os confrontei com a ilegalidade da construção de um tanque de água no quintal, disseram-me ‘estamos a fazer uma piscina que cai na categoria das amovíveis, por isso, não precisamos de autorização’. Isto apesar de terem tirado quatro ou cinco contentores de terra”, diz Helena. Depois de confrontada com a situação na semana passada, a CML acabou por informar O Corvo, na tarde desta terça-feira (1 de agosto), que havia sido realizada uma fiscalização ao imóvel em causa, através da qual se constatou “que estão a ser executadas obras de edificação sem apresentação de comunicação prévia, tendo sido determinado o embargo da obra”.

Em abril passado, durante uma reportagem sobre um caso de obras problemáticas num apartamento, destinadas a convertê-lo em alojamento local, o administrador do condomínio disse a O Corvo que os agentes da PM lhe terão comunicado, informalmente – tal como agora aconteceu com Helena -, que este género de situações se estará a multiplicar de forma acelerada pela cidade. O que acontece devido à pressão de novos investidores – nacionais e, sobretudo, estrangeiros -, para converter velhas casas de habitação em alojamentos turísticos. A 20 de abril, O Corvo enviou as seguintes questões à CML: “Confirma a CML a subida do número de embargos e propostas de embargos de obras em apartamentos? Quais os números de 2016 e deste ano? Como comparam com os números dos anos anteriores? A Polícia Municipal tem, neste momento, capacidade operacional para responder a todas as solicitações deste género?”. Apesar da insistência, as respostas nunca chegaram.

MAIS REPORTAGENS

COMENTÁRIOS

  • Teresa Campos Campos
    Responder

    Só desculpas

  • Vítor Carvalho
    Responder

    Provavelmente, ela não “queria” acreditar e não “cria”, além de que a rua se chama “Cidade de Cardiff”… Enfim…

  • Helena Brito
    Responder

    Infelizmente, no que se refere a piscina ilegal da Rua Cidade de Cardiff, apesar de ter conseguido contornar as dificuldades de accionar uma PM e da CML relativamente a vinda de duas patrulhas da policia municipal ao local da obra, das mesmas terem levantado auto e feito uma proposta de embargo no dia 24 de Julho ao Senhor verador deste pelouro, a obra continua, uma vez que o acto formal de embrago ainda se encontra por assinar pelo referido senhor vereador… fico sem entender como foi comunicado ao jornalista do Corvo “que estão a ser executadas obras de edificação sem apresentação de comunicação prévia, tendo sido determinado o embargo da obra”.

  • Pedro Hebil
    Responder

    Claramente uma lei que acelera as obras e a falta de segurança nos edifícios. É urgente alterar a legislação.

  • Helena Brito
    Responder

    Sim mas tambem e importante que a mesma seja real… hoje as obras da piscina da Rua Cidade de Cardiff 21 continuam… simplex? embargo?

    • João Mestre
      Responder

      Cara Helena, compreendo o seu descontentamento pela situação mas não entendo as suas razões, pois também eu estive para comprar casa nesse prédio quando foi construído e parece-me um prédio bastante sólido sem perigo de ruir por causa de uma piscina amovível (que pela foto não poderá ser assim tão grande). Esta situação em nada se compara à da Rua Damasceno Monteiro, onde um muro com 60 anos ruíu após várias infiltrações e falta de manutenção do mesmo, e que era adjacente a um condomínio com jardim e uma grande piscina, o que não é este caso que ao que parece é só uma piscina amovível, como refere. Moro no Bairro das Colónias e conheço bem a Rua Cidade de Cardiff, e o que acho realmente preocupante (mesmo para o seu prédio) é a quantidade de prédios degradados ou abandonados e em risco do desabamento como aquele que fica em frente ao seu, que está vedado há imenso tempo e não há meio de ser intervencionado ou embargado. Isso sim será grave quando acontecer. Quanto às ilegalidades e às certezas, sejam da Helena ou do jornal, parece-me pouco fundamentada a questão e as pessoas e redes sociais ou meios de comunicação tendem a ver só um lado e a inflamar situações sem conhecimento de causa, típico dos portugueses, como se vê todos os dias. Espero que não me leve a mal, é só uma opinião, como me parece que é a de todos os intervenientes. Um bem haja!

  • Conceição Cruz
    Responder

    A Helena continua a não crer…

  • São Pinto Da Costa
    Responder

    Claro que sim, e qd começar a abanar….

  • Helena Brito
    Responder

    infelizmente nao vejo qualquer resultado, como disse os meus vizinhos estao a acabar a piscina a grande velocidade… como e que a obra foi embargada e eles continuam os trabalhos!! estao inclusivamente a colocar o chao da piscina!!!

  • Helena Brito
    Responder

    Afinal consegui confirmar que de facto a camara emitiu ontem dia 01 de Agosto, a ordem de embargo para a Policia Municipal (PM) e ao que parece a mesma esta retida na PM. Entretanto as obras continuam a grande velocidade. Curiosamente hoje a obra tem mais homens a trabalhar e ja colocaram o motor das maquinas da piscina, parte do revistimento da piscina e em volta da mesma… curiosidades

    • Colesterol
      Responder

      A Helena Brito, hoje dia 02 de agosto de 2017, aquando dos seus telefonemas, foi devidamente elucidada acerca dos procedimentos e do encaminhamento da operação urbanística, por si denunciada. No entanto a sua teimosia, em não perceber, em não querer perceber e mais grave ainda em escrever/afirmar falsidades “Afinal consegui confirmar que de facto a camara emitiu ontem dia 01 de agosto, a ordem de embargo para a Policia Municipal (PM) e ao que parece a mesma esta retida na PM” em nada contribui para um cabal esclarecimento da situação, prestando um péssimo serviço aos leitores deste jornal.

      • Jorge Cruz
        Responder

        E que tal usar o seu nome próprio ou da empresa para a qual trabalha?

  • Paulo Castro da Fonseca
    Responder

    Passado quase 6 meses nós o pessoal da Damasceno Monteiro continuamos sem saber de quem foi a culpa e quem vai pagar os estragos. Passado 6 meses a CML continua sem saber nada….

  • Helena Brito
    Responder

    Ola Paulo, eu entendo o vosso problema e creio que um similar se avizinha do nosso predio… descofio que daqui a uns anos estaremos a enfrentar um processo parecido. Toda esta zona e demasiado instavel, uma piscina pode ter fugas e o logradouro do meu predio esta em confluencia com outros 3… se houver fugas de aguas nao se sabera se poderao afectar os solos e as fundacoes dos predios adjacentes que sao todas antigas.

  • Helena Brito
    Responder

    Hoje as obras continuam , os vizinhos decidiram adicionar mais uma cobertura para nao haver provas… entretanto a Camara diz que mandou despacho de embargo para a Policia Municipal e a Policia diz que nao recepcionou nada… onde esta a verdade???? E

  • Susana Pedro
    Responder

    A Helena afirma que foi emitido um embargo por parte da CML no do 1 de agosto, agora diz que que a PM não recepcionou nada! Já pensou se realmente será a Helena que está a criar uma situação que não existe? Pois não me parece que o documento já se tenha perdido ou será que nada nesta notícia é realmente verdade? E o corvo, procurou falar com os seus vizinhos para saber se está ou não regularizada a obra? Estamos a falar de uma piscina amovível não olímpica.
    Acha mesmo que uma piscina amovível põe em risco o prédio? Ou é a Helena simplesmente que não quer a piscina!
    Ps: Fiz uma piscina amovível e em nada afectou o prédio nem os inquilinos. É de lamentar que os seus vizinhos não tenham tido a mesma sorte.

    • O Corvo
      Responder

      O Corvo não procurou falar com os vizinhos, porque a opção editorial foi a de não os identificar, tal como à queixosa ou ao prédio em causa. A identificação do prédio não é de nossa responsabilidade, não está no texto por nós produzido. Além disso, O Corvo obteve a informação escrita, por parte da CML, de que a referida obra decorre ilegalmente e, portanto, seria embargada. Dados que, aliás, estão no texto. Obrigado. Cumprimentos.

    • alfredo santos
      Responder

      Minha cara, em que País vive ? Dou-lhe os parabéns, pois parece que “nesse” País tudo funciona.

  • alfredo santos
    Responder

    Cheira-me que por aqui existem muitos defensores do arrendamento local e/ou então da entendem da estrutura dos terrenos do Monte do Alperche.

  • Helena Brito
    Responder

    Que estranho o COLESTEROL que nem tem a dignidade de se identificar parecer ter poderes omnipresentes… ou entao como sabe que fui devidamente elucidada acerca dos procedimentos e do encaminhamento da operação urbanística, por mim denunciada, telefonemas esses confidenciais entre mim e a Policia Municipal??? No minimo insolito!!!
    No entanto, houve alguma sensatez por parte da polica municipal relativamente a dita piscina amovivel (que mais nao e do que uma escavacao normal para uma piscina fixa com 4m x 4m e 1,5 m de profudidade onde inclusivamente ja incorporaram o respectivo motor), uma vez que apos inspeccao ao local concluiu que a mesma deveria ser embargada!!! O que e estranho e que sao 5:45 PM e as obras continuam por forma a acabarem a obra… embargo estranho!!!

  • Hugo Oliveira Vicente
    Responder

    Desastre à espera de acontecer!

  • alfredo santos
    Responder

    Atenção:
    O Artigo 16º do Regulamento Geral do Ruído, Decreto-Lei nº 9/2007, que é a lei actualmente em vigor, diz:
    Obras no interior de edifícios
    1 — As obras de recuperação, remodelação ou conservação realizadas no interior de edifícios destinados a habitação, comércio ou serviços que constituam fonte
    de ruído apenas podem ser realizadas em dias úteis,entre as 8 e as 20 horas, não se encontrando sujeitas à emissão de licença especial de ruído.
    2 — O responsável pela execução das obras afixa em local acessível aos utilizadores do edifício a duração prevista das obras e, quando possível, o período horário no qual se prevê que ocorra a maior intensidade de ruído.

  • Mat
    Responder

    Sabe que essa obra irá sempre ser concluída, quer esteja a contar os minutos ou segundos.

    Casos desses é assim. Tentam acabar o mais rápido possível até receberem a ordem. Após receberem a ordem ainda trabalham meio dia.

    O que lhe interessa é ordem de demolição, já que conta os minutos. Porque a obra pelos comentários está praticamente concluída.

  • Ferreira
    Responder

    Estou curioso para ver o desfecho deste caso. Porque até agora só li uma das partes envolvidas, mas o contraditório é um pilar do estado de direito, as partes tem direito a defesa.

  • Helena Brito
    Responder

    A Piscina entratant foi terminda hoje… ja e um desfecho em si.

  • Helena Brito
    Responder

    Infelizmente ate hoje so falou uma das partes uma vez que aoutra parte preferiu omitir a natureza das obras e a verdade. Tambem a policia municipal, apos levantamento de respectiva vistoria e auto, tambem recomendou embargo tendo o mesmo sido aprovado pelo exmo senhor vereador do Urbanisno. Pelo este pilar do estado de direito funcionou!!!

  • Hugo Oliveira Vicente
    Responder

    Inacreditavel depois da obra embargada pela CML estarem hoje a encher a piscina! O desrespeito pelas leis tem de ser punido e a legalidade reposta! Estão a colocar em perigo toda a colina por não terem feito os reforços na estrutura necessários! Vergonha Câmara Municipal de Lisboa !

Deixe um comentário.

O Corvo nasce da constatação de que cada vez se produz menos noticiário local. A crise da imprensa tem a ver com esse afastamento dos media relativamente às questões da cidadania quotidiana.

O Corvo pratica jornalismo independente e desvinculado de interesses particulares, sejam eles políticos, religiosos, comerciais ou de qualquer outro género.

Em paralelo, se as tecnologias cada vez mais o permitem, cada vez menos os cidadãos são chamados a pronunciar-se e a intervir na resolução dos problemas que enfrentam.

Gostaríamos de contar com a participação, o apoio e a crítica dos lisboetas que não se sentem indiferentes ao destino da sua cidade.

Samuel Alemão
s.alemao@ocorvo.pt
Director editorial e redacção

Daniel Toledo Monsonís
d.toledo@ocorvo.pt
Director executivo

Sofia Cristino
Redacção

Mário Cameira
Infografías 

Paula Ferreira
Fotografía

Margarita Cardoso de Meneses
Dep. comercial e produção

Catarina Lente
Dep. gráfico & website

Lucas Muller
Redes e análises

ERC: 126586
(Entidade Reguladora Para a Comunicação Social)

O Corvinho do Sítio de Lisboa, Lda
NIF: 514555475
Rua do Loreto, 13, 1º Dto. Lisboa
infocorvo@gmail.com

Fala conosco!

Faça aqui a sua pesquisa

Send this to a friend