Ocupantes de prédio camarário dizem-se “dispostos a dialogar” com a autarquia

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Samuel Alemão

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URBANISMO

Arroios

19 Setembro, 2017

O colectivo de ocupantes do prédio propriedade municipal situado no número 69 da Rua Marques da Silva, em Arroios, garante estar disposto a estabelecer “diálogo” com a câmara, de quem espera “uma atitude moderada”. Admitindo que a entrada e permanência no imóvel, que ocorre desde a passada sexta-feira (15 de setembro), “poderá não se enquadrar inteiramente na legalidade”, Nuno Couto, um dos porta-vozes do grupo, diz a O Corvo que esta foi uma “resposta para a falta de habitação em Lisboa” – tendo este edifício sido o alvo da acção por “se encontrar devoluto”. As fechaduras terão, entretanto, sido mudadas, informação que este elemento prefere não comentar.

“Perante um problema destes, há várias ferramentas ou meios de luta à disposição, e a ocupação de casas devolutas é apenas um deles”, afirma o elemento do grupo, agregado sob a designação Assembleia de Ocupação de Lisboa (AOLX), explicando ainda que o futuro do edifício poderá vir a ser definido numa reunião a realizar no próximo fim-de-semana. Embora, sublinhe, não haja garantia de que no programado encontro se chegue a uma orientação definitiva. Em todo o caso, será a “curto prazo”, garante. A Câmara Municipal de Lisboa (CML), por seu lado, prefere, por agora, remeter-se ao silêncio em relação a este caso.



A posição do colectivo de activistas surge na sequência do debate, ocorrido na tarde de domingo (17 de setembro), num terreno situado nas traseiras do prédio municipal, no qual participaram cerca de 150 pessoas. Nele, foram ouvidas as opiniões e as propostas sobre o que fazer naquele imóvel – parte do qual servia, até há pouco tempo, como edifício de apoio aos operários ao serviço da EMEL que preparavam a instalação de um estacionamento no agora futuro Jardim do Caracol da Penha. Avançaram-se as possibilidades, entre outras, de lá instalar um “observatório para as questões da habitação”, um centro cultural para a realização de workshops com a população ou ainda um local onde bandas e artistas possam ensaiar.

Ocupantes de prédio camarário dizem-se “dispostos a dialogar” com a autarquia

E a habitação, questionou O Corvo? “Não está completamente fora de possibilidade que venha a ser esse o fim. Foram ouvidas propostas nesse sentido. Mas tal terá sempre que passar por decisão do colectivo da assembleia”, explica Nuno Couto, remetendo uma eventual decisão para a próxima sessão da assembleia comunitária, a ocorrer em momento ainda a definir, no próximo sábado ou no domingo. Até lá, existirá sempre gente dentro do edifício com seis apartamentos, uma parte dos quais se encontra em muito mau estado de conservação, como O Corvo pôde ontem constatar no local.

Ocupantes de prédio camarário dizem-se “dispostos a dialogar” com a autarquia

“Com esta acção, pretendemos também desmistificar o papão das ocupações. Existe já um histórico de intervenções deste género na cidade de Lisboa”, esclarece Nuno Couto, recordando os casos da Rua de São Lázaro – na qual um imóvel municipal terá sido ocupado em 2010 e, novamente, em 2013 – e ainda da Praça de Espanha, em 2003. Assumindo o pisar da barreira da legalidade como necessário à chamada de atenção para o problema da falta de habitação a preços aceitáveis na capital – apesar de garantirem possuírem “apoio legal” -, os membros do colectivo dizem que agora tudo depende da “vontade política da Câmara Municipal de Lisboa”, com a qual não excluem encetar um processo negocial.

Ocupantes de prédio camarário dizem-se “dispostos a dialogar” com a autarquia

“Trata-se do maior proprietário de Lisboa, que tem reduzido o seu património de forma drástica, muitas vezes vendendo-o a fundos imobiliários e contribuindo para a especulação”, acusa o porta-voz do movimento, lembrando o que diz ser o grande número de imóveis propriedade municipal sem uso definido. Situação que contrasta, assinala, com a enorme dificuldade em encontrar habitação condigna a preço razoável em Lisboa.

Questionado sobre a possibilidade de a autarquia se recusar a estabelecer conversações com os membros da AOLX, o representante diz esperar que “não seja essa a atitude da câmara, mas sim uma atitude moderada, de diálogo”. “Há duas vias: ou a câmara reconhece que, de facto, a casa estava devoluta e há uma alternativa que passa por um grupo de pessoas que querem ali fazer qualquer coisa de positivo ou, então, continua a ter um imóvel devoluto”, explica Nuno Couto, admitindo a importância de denunciar, num momento de campanha eleitoral autárquica, os problemas das “muitas casas devolutas existentes na cidade” e da “especulação imobiliária” e a sua relação com a enorme escassez de habitação.

Ocupantes de prédio camarário dizem-se “dispostos a dialogar” com a autarquia

Contactada por O Corvo, a Câmara Municipal de Lisboa comunica que, “de momento, não tem comentários a fazer sobre este assunto”.

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COMENTÁRIOS

  • José Pascoal
    Responder

    PREC 2 em curso…

  • Inês C. Paulo
    Responder

    Tanta gente sem casa e tanta casa sem gente.

  • Helena Maria Costa Pereira
    Responder

    PREC

  • Joaquim
    Responder

    Isso de “não enquadrar inteiramente na legalidade” é qualquer coisa de fabuloso. Está a porta aberta a todos os desmandos possíveis e imaginários, se a CML continuar a fingir que nada se passa. Todos os moradores de Lisboa são esmagados com taxas e taxinhas para conseguir viver no seu espaço. Agora chegam uns artistas que ocupam o que não lhes pertencem e ainda concedem (ó generosidade!) o direito a negociar com a entidade proprietária daquilo que ocuparam. Em nome do direito à habitação instala-se a bandalheira total…

    • Um Artista
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      Sim, JOAQUIM, porque esta ordem que temos tido, de submeter a vida das pessoas ao respeitinho pela propriedade é que tem dado bom resultado. A minha escolha é clara: primeiro as pessoas.

      • ASB
        Responder

        Na Venezuela tem dado bom resultado essa sua escolha. Se calhar podiam já começar a fazer criação de coelhos, nunca se sabe..

        • Um Artista
          Responder

          Na Venezuela continua a estar o lucro em primeiro lugar. Ainda assim, umas reformas e moderações nisso reduziram a pobreza drasticamente. O que é realmente curioso é esse ímpeto de desviar logo o assunto do enorme sucesso da lei e da polícia a manter-nos todos controladinhos e mui respeitosos da sacrossanta propriedade, que nos obriga a pagar rendas extorcionárias (muito acima do 1/3 de rendimento que recomendam os mais moderados apologistas do capitalismo fofinho) e expulsando toda a gente das cidades para as transformar em mercadoria gourmet para vender a turista e especulador.

      • Joaquim
        Responder

        Aqui não está em causa a vida das pessoas. Quando em 2003 se foi ver quem ocupava um prédio da Praça de Espanha apenas se encontrou betinhos a brincar às revoluções. Os meninos da esquerda caviar a divertir-se. A especulação imobiliária e outros problemas das cidades não se resolvem com garotices. As pessoas primeiro. Sempre. Mas com responsabilidade, não actividades circenses.

        • Um Artista
          Responder

          Se não está em causa a vida das pessoas e o lucro em primeiro lugar porque é que há gente a dormir na mesma Almirante Reis que tem prédios vazios, inclusive públicos? Porque é que devo respeitar a legalidade que protege um mercado que privatiza e mercantiliza a cidade, extorquindo rendas elevadíssimas e expulsando os que não as conseguem pagar?

          • Joaquim

            Ceda a SUA casa a quem dorme nas arcadas da Almirante Reis e vai descobrir porque motivo lá estão. A realidade nada tem a ver com visões naïf da vida. Mesmo que sejam artísticas.

          • Joaquim

            Mas que faço!? Dou troco a quem diz que a pobreza na Venezuela foi reduzida drasticamente!? Perco o meu tempo…
            Artista, cresça!

        • um_artista
          Responder

          Durante o feudalismo também a nobreza e o clero diziam ser rídiculo e naif pensar possíveis outras formas de governo que não a herança do poder pela linha de sangue de enviados de deus. Também esta maneira de organizar a vida será unanimente considerada estúpida ingénuos todos os que não tinham imaginação para olhar para além dos limites artificiais, impostos por este regime de submissão ao lucro. E artista foi o que me chamaste, apenas o assumi, que não tenho medo de rótulos para tentar ganhar discussões.

          Sobre a Venezuela, diz o worldbank: “Economic growth and redistribution policies led to a significant decline in poverty, from 50 percent in 1998 to approximately 30 percent in 2013, according to official figures. Inequality also decreased, as reflected in the decrease in the Gini Index, from 0.49 in 1998 to 0.40 in 2012, among the lowest rates in the region.”
          http://www.worldbank.org/en/country/venezuela/overview

          O espantalho que levantaste era este, que o “socialismo” tinha dado mau resultado na Venezuela, o que contrariei com dados. Nos últimos anos, o cerco dos EUA, com a asneira de linha política do regime, tem resultado nas várias crises que aumentam agora a pobreza.

        • C
          Responder

          O amigo Joaquim não devia presumir que sabe quem faz parte deste movimento. É um grupo heterogéneo de cidadãos de Lisboa conscientes da crescente dificuldade que é viver em Lisboa com a subida absurda das rendas. Não é um acto isolado de gente criativa mas faz parte de uma consciência e acção global que procura contrabalançar a injustiça dos poderosos contra os mais fracos. Em relação à “pertença” dos imobiliários, pode-se dizer que a CM Lisboa não é uma entidade privada. Devia representar os cidadãos da cidade, gerindo de forma eficiente os recursos que fazem parte de todos. Se se passam anos e anos sem que se toquem num considerável número de imóveis devolutos que deviam estar ao serviço de todos os que vivem em Lisboa, a Cm Lisboa e a cidade em geral só tem a ganhar com a iniciativa de um grupo dos seus cidadãos em criar um pólo aberto de atenção, estudo, sensibilização e protesto sobre os problemas de habitação em Lisboa. Bem haja

  • Jorge Ferreira
    Responder

    Portugal no seu melhor…

  • Nuno Oliveira
    Responder

    Matilde João Laranjeira

  • Portugal
    Responder

    Ao sr. Joaquim que gala da casa ocupada da Praça de Espanha cheio de preconceitos…andei por lá vários anos e fui muito feliz…como todo o projeto humano tem, teve, altos e baixos. Centenas de jovens e menos jovens passaram por aquela casa e aprenderam ou desaprenderam algumas coisas…é assim a vida. Ficam na memória os sonhos deu uma vida mais partilhada e rebelde. Sim vi por lá o melhor e menos melhor do que se vê na vida da nossa sociedade no dia a dia. Mas ficou-me uma grande lição que muitas pessoas, não todas, conseguem funcionar, governar-se e organizar-se se de maneiras mais simples e democráticas do que quando enquadradas em organizações que supostamente representam a democracia.

    Aquela era uma casa abandonada, sem destino nem futuro. Teve uma nova vida em autogestão. Era um espaço habitado, frequentado maioritariamente por jovens, logo com tudo o que tinham a aprender. Apesar de ter um veia marcadamente libertária-anarquista era um espaço onde as subculturas urbanas, principalmente o Punk, tinham grande preponderância. Logo havia vivência muito diversa de ideias e posturas…ai sim era libertária.

    Fala de burguesia e coisas tal…mas eu sei que a maioria das pessoas que por lá passaram eram como eu simples cidadãos. Eu estudava de noite e trabalhava, no duro, como gostam os verdadeiros anti-burgueses, de dia.

    Estou contra a ocupação de casas particulares que estão vaias por razões justas. Mas casas com valor cultural e abandonadas à dezenas de anos não me importo.

    Quem tem medo que as pessoas se organizem e construam organizações, estruturas e projectos culturais, sociais e económicos, com as suas próprias mãos e suor. Se for fora das organizações oficiais de sempre, ainda melhor.

    Saúde

  • Ana GONÇALVES
    Responder

    Afinal fiquei sem saber quem ocupou o referido imóvel. É que se não há casas em Lisboa decerto haverá noutras localidades, também todas elas encarecidas pelo aumento do famigerado turismo de pé descalço.
    Procurem zonas, que as há, perto da cidade de Lisboa e paguem uma renda mais acessível. Deixem Lisboa para os turistas e depois aquando da eleições autárquicas, os turistas que vão votar.

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