Fecho iminente da estação de metro de Arroios deixa comerciantes preocupados
De mãos enterradas numa bandeja de bifanas a exalar tempero e ainda por fritar, Fernando Correia vai fazendo contas à vida. À sua e à dos outros quatro empregados da Ribeirão Preto, a casa de pasto que gere há 11 anos, e está situada num dos cantos da Praça do Chile, mesmo ao lado da saída nascente do átrio norte da estação de metropolitano de Arroios. O fecho desta, a partir de 19 de julho e por um período mínimo de 18 meses, para obras de alargamento e requalificação, era coisa de que já havia ouvido falar de forma remota, confessa, mas estava ainda longe de ver como real.
“É mesmo assim?”, pergunta, enquanto os olhos parecem perder-se num ponto imaginário situado algures depois da porta do estabelecimento. “Vamos ver como será. Passam aqui muitas pessoas por causa do metro, claro. Grande parte dos nossos clientes são passageiros. Isto pode levar a uma quebra da facturação entre 60% a 70%”, diz. Na zona em redor da estação, mas sobretudo na Rua Morais Soares, cresce a preocupação com os tempos que se avizinham, a um mês do encerramento. Ao ponto de ter levado ao ressuscitar de uma quase moribunda associação de comerciantes locais.
Quase toda a gente já ouvi falar, por ali, do há muito programado encerramento da estação de metro de Arroios, que depois de profundas obras poderá acolher composições com seis carruagens – embora, para alguns tal cenário ainda se lhes apresente como uma genuína notícia. “Isto já não é o que era, mas olhe que uma coisa dessas é bem capaz de ter impacto. Depende se meterem autocarros, mas já ouvi tanta coisa, que não sei”, afirma, atarefada com a arrumação de cabidos, a empregada de uma loja de roupa, localizada paredes-meias com a Ribeirão Preto.
Embora um rápido inquérito junto dos lojistas permita verificar o quão diversos são os níveis de conhecimento sobre a radical, embora temporária, alteração dos hábitos de mobilidade anunciada para a zona, percebe-se que a apreensão sobre o futuro próximo dos negócios é um sentimento comum – apesar de haver também quem se diga nada preocupado. Certo é que são já vários os comerciantes a pedir a tomada de medidas que mitiguem o impacto do encerramento da estação localizada numa das áreas mais densamente povoadas da capital.
“É claro que estou preocupada. Eu e toda a gente. Isto vai ser complicado, vai ter um grande impacto no comércio aqui desta zona”, afirma a O Corvo Ana Silva, com a autoridade dada por três décadas atrás do balcão do pronto-a-vestir Condestaque, situado na parte de baixo da Rua Morais Soares, artéria com um forte densidade comercial, mas que já viu melhores dias. Ana acredita que o fechar de portas, por um período tão longo, deverá constituir um rude golpe no já de si decrescente movimento comercial. O assunto tem ocupado a mente dos patrões, que já têm tido conversas sobre ele com outros donos de lojas da zona.
Em abril passado, vários empresários da rua reuniram-se para debater a melhor forma de lidar com o problema e terão contactado as juntas de freguesia de Arroios e da Penha de França – circunscrições territoriais entre as quais se divide a Morais Soares -, dando conta da sua imensa preocupação com os esperados efeitos de uma provável queda abrupta de circulação de pessoas naquela área – “Vamos ter uma descida na facturação, sim. Estou preocupado”, confessa Abdul Gafar, da papelaria Isabasa. Tais receios terão levado os comerciantes a pedir, recentemente, uma clarificação da Câmara Municipal de Lisboa (CML) em relação à necessidade da adopção de medidas de contingência.
Isso mesmo é confirmado por Jorge Santos, gerente da conhecida mercearia Japão, já a fazer contas aos prejuízos antevistos. “Estamos extremamente preocupados com que aí vem. A maior afluência de clientes é de pessoas que passam a caminho dos transportes públicos”, avisa, acrescentando críticas à Câmara de Lisboa por “deixar abrir todo o tipo de lojas”. “A concorrência é cada vez maior e isto não vem ajudar”, diz o responsável pela gestão de uma loja que fará um século de existência em 1918 e cuja média diária de clientes oscila entre os quatro e os cinco mil.
Algo que, teme, poderá mudar substancialmente, muito em breve. Mesmo o prometido reforço das ligações de autocarros, para minorar o efeito desta interrupção de um dos principais pontos da linha verde do metro, está longe de deixá-lo descansado. Até porque, diz, dando voz a um temor generalizado: o de que os trabalhos venham a derrapar no tempo, prolongando o prazo para a sua conclusão e consequente regresso à normalidade. “Sabemos bem como estas coisas são. Dizem 18 meses, mas isso pode ser dois anos, dois anos e meio ou até mais”, ouve-se amiúde entre lojistas.
Tais preocupações levaram ao reactivar da Associação de Comerciantes da Rua Morais Soares, que estava semi-adormecida, reconhece o responsável técnico de uma farmácia daquela artéria. “Obviamente, isto vai baixar muito. Estas obras são necessárias, sabemo-lo bem, mas tem que haver alguma sensibilidade. Há várias exemplos de ruas, em várias cidades, que entraram em obras e os comércio tiveram que fechar. Mesmo aqui em Lisboa. Veja-se o caso do Areeiro, que era uma zona cheia de vida e viu o comércio ser morto por aquelas obras que nunca mais acabam”, diz o responsável, preferindo manter-se sob anonimato. A “aceleração do calendário das obras” e a concessão de “subsídios” para apoio aos comerciantes são sugeridos como possíveis saídas.
As eventuais medidas de alívio dos prejuízos, no entanto, não serão suficientes para evitar o fecho por parte de algumas lojas. É o caso da Alfaiataria do Chile. “Acho que vai ser horrível. Olhe, vamos acabar por fechar mais cedo, talvez já no próximo mês. Isto já estava tão mal”, desabafa Anabela Vieira, 64 anos, funcionária da casa há já 41 anos. “A rua, que está muito longe daquilo que foi em tempos, vai ficar morta”, profetiza sobre um cenário em que sobreporão os efeitos do fecho da estação de metro com os que se adivinham decorrentes daqueles previstos pelo início, em 2018, das obras de requalificação do espaço público da Praça do Chile e da Rua Morais Soares, no âmbito do programa Uma Praça em Cada Bairro. Haverá obras por todo o lado, estaleiros sobrepostos.
Essa assume-se, de facto, como uma dor de cabeça acrescida para muitos. Como é o caso de António Pimenta, dono de um quiosque de jornais situado mesmo a meio do traçado da rua. O fecho da estação de Arroios provocará, por certo, uma quebra de 20% a 30% nas vendas dos títulos de imprensa, por estes dias já nada animadoras, mas António contempla com verdadeira preocupação, isso sim, o começo dos trabalhos de reabilitação e reperfilamento desta importante artéria comercial que liga a Praça do Chile ao Alto de São João. Algo que até aqueles que não mostram apreensão com o efeito do fecho da estação concordam. “As obras na rua é que vão ter muito mais impacto na vida das pessoas”, diz a O Corvo Ana Matos, gerente da pastelaria Flôr do Império.
Tanto assim é que há quem chame a atenção para o facto de aquela ser uma área da cidade muito envelhecida. A conjugação das duas grandes empreitadas tornará a vida dos idosos ainda mais difícil, avisam. “Vamos ter pessoas que não vão sair de casa”, prognostica o tal responsável técnico de uma farmácia. O mesmo diz Alexandra Canuto, empregada de uma loja de uma conhecida cadeia de bejuteria, que teme também o impacto que o fecho da estação terá na vida de muitos funcionários dos estabelecimentos comerciais e empresas da área.