Construção da Linha Circular do metro de Lisboa põe Bloco de Esquerda e PCP em colisão

ACTUALIDADE
Samuel Alemão

Texto

MOBILIDADE

Cidade de Lisboa

9 Fevereiro, 2018

A criação da nova Linha Circular do metro de Lisboa, aproveitando a planeada ligação entre o Rato e o Cais do Sodré, a qual prevê a construção das estações da Estrela e de Santos, está a expor uma clara clivagem entre o Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Comunista Português (PCP) em relação às prioridades da expansão daquele meio de transporte público. O facto de o vereador bloquista Ricardo Robles ter votado contra o pedido de suspensão imediata de tal projecto, numa moção apresentada pelos comunistas na última reunião pública de vereação (31 de janeiro), está a ser criticado por alguns, entre eles a Comissão de Trabalhadores do metro, como uma clara contradição em relação ao que o BE defendia antes das eleições autárquicas.

Robles chegou a falar num erro “muito caro” para a cidade, cujas consequências se fariam sentir por muitos anos, durante um debate especial sobre o tema, realizado em maio do ano passado, na Assembleia Municipal de Lisboa. Mas o agora autarca, em declarações a O Corvo, nega qualquer incoerência por ter votado contra a suspensão do projecto, lembrando que o acordo estabelecido entre o BE e o PS, para a governação da cidade nos próximos quatro anos, coloca a expansão da rede para a zona ocidental da cidade em pé de igualdade com a criação da Linha Circular – a qual deverá entrar em funcionamento em 2021.



Na referida votação em reunião de câmara, a proposta comunista foi chumbada com os votos contra do PS e do BE, tendo CDS e PSD votado ao lado do PCP. O que para alguns pode ser uma surpresa, dadas as fortes críticas do Bloco à Linha Circular. “Depois da campanha eleitoral e das eleições, passou a haver uma nova realidade. Faz parte dos 80 pontos do acordo estabelecido entre nós e o PS o compromisso de se preparar o avanço do metro para a zona ocidental de Lisboa, a par da construção da linha circular. Votámos contra o ponto da moção do PCP em que se pede a suspensão da Linha Circular, porque, precisamente, temos um acordo assinado com o PS, no qual está lá esse ponto muito claro”, explica Ricardo Robles, salientando que isso não significa renegar ao que disse antes da chegada à vereação.

“Continuamos a achar o mesmo. O que dizíamos antes é que era um erro absurdo fazer a Linha Circular, abandonando uma zona da cidade tão importante, como é a parte ocidental”, explica o vereador bloquista. Ricardo Robles salienta a importância do estabelecido no acordo firmado por ele e por Medina, no qual se coloca a ênfase no início da preparação da expansão da rede do Metropolitano de Lisboa para freguesias tão populosas como Alcântara, Ajuda e Belém.

ocorvo_02_11_2017

Garantindo compreender os graus de complexidade e de onerosidade associados à construção de linhas de metro, Robles diz a O Corvo que, ainda assim, o BE tem a forte convicção de ser possível avançar em simultâneo com as linhas Circular e Ocidental. “Podemos realizar estas grandes obras por fases, como é natural, não tem de ser tudo de uma só vez. O importante é que o Governo decida no sentido de haver cabimento orçamental para se avançar”, considera.

Na moção apresentada pelo PCP, Ricardo Robles votou, no entanto, a favor de um outro ponto, o qual acabou por ser chumbado pelo PS e contou ainda com a abstenção do PSD. Nele se requeria ao Governo o início imediato dos “procedimentos necessários à expansão da rede do metro para a ligação a Loures, igualmente com caracter prioritário”. O único dos três pontos do documento a ser aprovado, e por unanimidade, foi aquele em que se pede ao Governo que se inicie, desde já, “os procedimentos necessários à expansão da rede do metro para a zona Ocidental da Cidade, com carácter prioritário, bem como à concretização faseada de outras soluções anteriormente estudadas (como as ligações transversais entre linhas ainda não concretizadas)”.

Durante a votação do ponto referente à suspensão da criação da Linha Circular, João Ferreira, vereador do PCP, fez questão de pedir a Duarte Cordeiro (PS), vice-presidente da autarquia, e que na altura conduzia os trabalhos, que fosse anunciada a indicação do sentido de voto dos partidos em cada ponto, e nao apenas o desfecho da final da votação. O que, sendo a reunião em causa pública, foi interpretado por alguns como tendo tido o propósito de fazer ouvir o nome do Bloco de Esquerda como aliado do PS naquela votação. Ouvido agora por O Corvo, João Ferreira diz que o pedido foi um acto “normal”, tendo em conta “a visível omissão” do anúncio do sentido de voto de cada força.

Ante tal desfecho, a Comissão de Trabalhadores (CT) do metro deu conta do seu desagrado, nesta semana (terça-feira, 6 de fevereiro), através de um post na sua conta de Facebook. Nele se refere que a suspensão do projecto da Linha Circular nao foi possível “porque embora o PS, não tendo tido maioria absoluta e sendo o único defensor deste projecto, conseguiu ter o apoio do BE”. A comissão salienta que tal sucedeu apesar do Bloco, durante a campanha eleitoral, se ter reunido com a CT e, dizem os representantes dos funcionários do metro, se ter mostrado solidário com a sua oposição à criação da nova linha central – opção que qualificam como “uma péssima e dispendiosa ideia, que relega para segundo plano o desenvolvimento da rede há muito planeado”.

Ouvido agora por O Corvo , João Ferreira fala nessas questões técnicas, bem como na necessidade de assegurar a resolução das “muitas falhas” na oferta do serviço do metro para quem vive e trabalha em Lisboa. Razões mais que suficientes, garante, para lançar dúvidas sobre o avanço do projecto. E para censurar a posição do BE. Para o vereador e eurodeputado, “é óbvio que houve uma mudança de posição do Bloco de Esquerda, que agora tenta uma saída airosa, fazendo crer que existe um nivel de igual prioridade entre ambas as ligações, a Circular e a Ocidental”. “Não se pode dizer que a construção da Linha Circular é um erro colossal e, depois, dar-lhe o aval, porque existe uma promessa de se construir a outra linha que, essa sim, é necessária. Um erro colossal não o deixa de ser, apenas por se falar noutra linha”, critica o eleito.

João Ferreira considera ser uma ilusão a possibilidade de, como prevê o acordo entre PS e BE, construir ambas as ligações em simultâneo. “Como é natural, não está em cima da mesa fazer as duas linhas ao mesmo tempo, porque obras deste calibre não se fazem ao mesmo tempo, dada a magnitude das empreitadas e os custos que lhe estão associados”, comenta.

MAIS
ACTUALIDADE

COMENTÁRIOS

Comentários
  • Carlos Gaivoto
    Responder

    Transcrevo : “Existe um desconhecimento do que é planear redes de transporte público e que poderia ser evitável, caso a democracia funcionasse, também, aqui. Houve uma sessão na AML, em 16 de Maio passado e recordo que ali foram indicados, por técnicos, cenários exclusivos da expansão do Metro, o que por si, já desvirtua o debate, uma vez que existem soluções socioeconómicas que resolvem vários problemas e não estão a ser colocados em cima da mesa. O concelho de Lisboa não pode ser visto como uma cidade mas, sim como cinco cidades (recordo, como exemplo. Benfica estava a 8km de Lisboa e é uma área geográfica que não tem nada a ver com o centro histórico…Olivais, Belém/Ajuda, Lumiar/Telheiras e Expo/Matinha) e as respectivas geografias de deslocações. Ora, na ausência sistemática de recolha e tratamento de informação a que o sector do transporte urbano foi votado, existe sempre a probabilidade de cada um dizer aquilo que lhe apetece, principalmente, do lado político, tenho ouvido os mais disparates em relação à rede de Metro e ao desenvolvimento do transporte colectivo urbano pois, não se fundamentam em coisa nenhuma, a não ser que se quer bom serviço. Mas, para que isso seja ultrapassado, enquanto não houver um PDU (Plano Deslocações Urbanas) da AML e, em particular, do concelho de Lisboa, com a respectiva Conta Pública do Sistema de Deslocações, muita tinta correrá e muita incongruência de medidas, virá ao de cima. Recordo um debate que houve no final da década de 90 em Bordéus onde em Fevereiro de 1997 se decidiu construir 45 km de LRT/Tramway em vez dos 9km de Metro e sabem porquê? Porque o custo/km do metro é cinco a dez vezes mais caro que o LRT. Esta é uma das razões porque em França nos últimos trinta anos, se tenha construído mais de 20 redes de eléctricos, em tantas cidades e se continue a apostar no LRT/Tramway em vez de metro. Na Alemanha, mais de sessenta cidades têm eléctricos, LRT e tram-train. Nestes casos, as cidades agradecem a ajuda que está a haver com o Tramway, LRT e Tram-Train para a reabilitação urbana e respectiva regeneração, sem gentrificação.” (comentário que deixei na cx do João Ferreira). Acrescento o seguinte: a maior parte dos assuntos e temas sobre transporte urbano são originados pela falta de Organização Institucional do TP Urbano em Portugal. Com efeito, tem-se adiado um Transit Act e muito menos aplicada a metodologia do Planeamento Estratégico. É significativa a condução política nestes temas, tanto mais que a maior parte das posições políticas assumidas evidenciam um desconhecimento das condições técnicas e económicas em que os mesmo se enquadram. Infelizmente, a grave falta de diálogo democrático sobre estas questões de organização de serviço público não é só neste sector, também, os há na Saúde, no Ensino e na Habitação. No caso do sector dos transportes, bastaria estar-se atento às boas práticas em várias cidades europeias, para se resolver 50% dos problemas, a começar pelo tarifário. Mas, esta postura pós-modernista, muito ao gosto dos que praticam o “Business As Usual”, tem conduzido a política doméstica para becos sem saída. Quando existem soluções que se baseiam na sustentabilidade dos transportes, com certeza que estamos a defender o Estado Social. Quando essas soluções são ignoradas porque não correspondem a interesses privados e são outras que passam à frente, então temos um problema democrático que tem de ser resolvido. Por isso, continuo a defender o Transit Act, o Planeamento estartégico e o Operador Interno Integrado (modelo RATP), como forma de se resolverem as “falhas” da rede de TP Urbano, por exemplo, na AML e na AMP.

Deixe um comentário.

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

O Corvo nasce da constatação de que cada vez se produz menos noticiário local. A crise da imprensa tem a ver com esse afastamento dos media relativamente às questões da cidadania quotidiana.

O Corvo pratica jornalismo independente e desvinculado de interesses particulares, sejam eles políticos, religiosos, comerciais ou de qualquer outro género.

Em paralelo, se as tecnologias cada vez mais o permitem, cada vez menos os cidadãos são chamados a pronunciar-se e a intervir na resolução dos problemas que enfrentam.

Gostaríamos de contar com a participação, o apoio e a crítica dos lisboetas que não se sentem indiferentes ao destino da sua cidade.

Samuel Alemão
s.alemao@ocorvo.pt
Director editorial e redacção

Daniel Toledo Monsonís
d.toledo@ocorvo.pt
Director executivo

Sofia Cristino
Redacção

Mário Cameira
Infografías 

Paula Ferreira
Fotografía

Margarita Cardoso de Meneses
Dep. comercial e produção

Catarina Lente
Dep. gráfico & website

Lucas Muller
Redes e análises

ERC: 126586
(Entidade Reguladora Para a Comunicação Social)

O Corvinho do Sítio de Lisboa, Lda
NIF: 514555475
Rua do Loreto, 13, 1º Dto. Lisboa
infocorvo@gmail.com

Fala conosco!

Faça aqui a sua pesquisa

Social Media Auto Publish Powered By : XYZScripts.com

Send this to a friend