Construção da Linha Circular do metro de Lisboa põe Bloco de Esquerda e PCP em colisão
A criação da nova Linha Circular do metro de Lisboa, aproveitando a planeada ligação entre o Rato e o Cais do Sodré, a qual prevê a construção das estações da Estrela e de Santos, está a expor uma clara clivagem entre o Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Comunista Português (PCP) em relação às prioridades da expansão daquele meio de transporte público. O facto de o vereador bloquista Ricardo Robles ter votado contra o pedido de suspensão imediata de tal projecto, numa moção apresentada pelos comunistas na última reunião pública de vereação (31 de janeiro), está a ser criticado por alguns, entre eles a Comissão de Trabalhadores do metro, como uma clara contradição em relação ao que o BE defendia antes das eleições autárquicas.
Robles chegou a falar num erro “muito caro” para a cidade, cujas consequências se fariam sentir por muitos anos, durante um debate especial sobre o tema, realizado em maio do ano passado, na Assembleia Municipal de Lisboa. Mas o agora autarca, em declarações a O Corvo, nega qualquer incoerência por ter votado contra a suspensão do projecto, lembrando que o acordo estabelecido entre o BE e o PS, para a governação da cidade nos próximos quatro anos, coloca a expansão da rede para a zona ocidental da cidade em pé de igualdade com a criação da Linha Circular – a qual deverá entrar em funcionamento em 2021.
Na referida votação em reunião de câmara, a proposta comunista foi chumbada com os votos contra do PS e do BE, tendo CDS e PSD votado ao lado do PCP. O que para alguns pode ser uma surpresa, dadas as fortes críticas do Bloco à Linha Circular. “Depois da campanha eleitoral e das eleições, passou a haver uma nova realidade. Faz parte dos 80 pontos do acordo estabelecido entre nós e o PS o compromisso de se preparar o avanço do metro para a zona ocidental de Lisboa, a par da construção da linha circular. Votámos contra o ponto da moção do PCP em que se pede a suspensão da Linha Circular, porque, precisamente, temos um acordo assinado com o PS, no qual está lá esse ponto muito claro”, explica Ricardo Robles, salientando que isso não significa renegar ao que disse antes da chegada à vereação.
“Continuamos a achar o mesmo. O que dizíamos antes é que era um erro absurdo fazer a Linha Circular, abandonando uma zona da cidade tão importante, como é a parte ocidental”, explica o vereador bloquista. Ricardo Robles salienta a importância do estabelecido no acordo firmado por ele e por Medina, no qual se coloca a ênfase no início da preparação da expansão da rede do Metropolitano de Lisboa para freguesias tão populosas como Alcântara, Ajuda e Belém.
Garantindo compreender os graus de complexidade e de onerosidade associados à construção de linhas de metro, Robles diz a O Corvo que, ainda assim, o BE tem a forte convicção de ser possível avançar em simultâneo com as linhas Circular e Ocidental. “Podemos realizar estas grandes obras por fases, como é natural, não tem de ser tudo de uma só vez. O importante é que o Governo decida no sentido de haver cabimento orçamental para se avançar”, considera.
Na moção apresentada pelo PCP, Ricardo Robles votou, no entanto, a favor de um outro ponto, o qual acabou por ser chumbado pelo PS e contou ainda com a abstenção do PSD. Nele se requeria ao Governo o início imediato dos “procedimentos necessários à expansão da rede do metro para a ligação a Loures, igualmente com caracter prioritário”. O único dos três pontos do documento a ser aprovado, e por unanimidade, foi aquele em que se pede ao Governo que se inicie, desde já, “os procedimentos necessários à expansão da rede do metro para a zona Ocidental da Cidade, com carácter prioritário, bem como à concretização faseada de outras soluções anteriormente estudadas (como as ligações transversais entre linhas ainda não concretizadas)”.
Durante a votação do ponto referente à suspensão da criação da Linha Circular, João Ferreira, vereador do PCP, fez questão de pedir a Duarte Cordeiro (PS), vice-presidente da autarquia, e que na altura conduzia os trabalhos, que fosse anunciada a indicação do sentido de voto dos partidos em cada ponto, e nao apenas o desfecho da final da votação. O que, sendo a reunião em causa pública, foi interpretado por alguns como tendo tido o propósito de fazer ouvir o nome do Bloco de Esquerda como aliado do PS naquela votação. Ouvido agora por O Corvo, João Ferreira diz que o pedido foi um acto “normal”, tendo em conta “a visível omissão” do anúncio do sentido de voto de cada força.
Ante tal desfecho, a Comissão de Trabalhadores (CT) do metro deu conta do seu desagrado, nesta semana (terça-feira, 6 de fevereiro), através de um post na sua conta de Facebook. Nele se refere que a suspensão do projecto da Linha Circular nao foi possível “porque embora o PS, não tendo tido maioria absoluta e sendo o único defensor deste projecto, conseguiu ter o apoio do BE”. A comissão salienta que tal sucedeu apesar do Bloco, durante a campanha eleitoral, se ter reunido com a CT e, dizem os representantes dos funcionários do metro, se ter mostrado solidário com a sua oposição à criação da nova linha central – opção que qualificam como “uma péssima e dispendiosa ideia, que relega para segundo plano o desenvolvimento da rede há muito planeado”.
Ouvido agora por O Corvo , João Ferreira fala nessas questões técnicas, bem como na necessidade de assegurar a resolução das “muitas falhas” na oferta do serviço do metro para quem vive e trabalha em Lisboa. Razões mais que suficientes, garante, para lançar dúvidas sobre o avanço do projecto. E para censurar a posição do BE. Para o vereador e eurodeputado, “é óbvio que houve uma mudança de posição do Bloco de Esquerda, que agora tenta uma saída airosa, fazendo crer que existe um nivel de igual prioridade entre ambas as ligações, a Circular e a Ocidental”. “Não se pode dizer que a construção da Linha Circular é um erro colossal e, depois, dar-lhe o aval, porque existe uma promessa de se construir a outra linha que, essa sim, é necessária. Um erro colossal não o deixa de ser, apenas por se falar noutra linha”, critica o eleito.
João Ferreira considera ser uma ilusão a possibilidade de, como prevê o acordo entre PS e BE, construir ambas as ligações em simultâneo. “Como é natural, não está em cima da mesa fazer as duas linhas ao mesmo tempo, porque obras deste calibre não se fazem ao mesmo tempo, dada a magnitude das empreitadas e os custos que lhe estão associados”, comenta.