Carros invadem passeios na Costa do Castelo
Os arruamentos em redor de um dos mais icónicos monumentos da capital, ao qual se poderá aceder a partir da Baixa, num elevador a inaugurar em breve, são cenário de desleixo e arbitrariedade. Apesar de ser uma zona de acesso e parqueamento concessionados à EMEL, os automóveis parecem ter livre trânsito e estacionam em cima dos passeios, infernizando a vida de moradores e perturbando turistas.
Quase nove séculos após o cerco ao Castelo de São Jorge pelas forças de Dom Afonso Henriques, uma outra guerra – bem menos dramática, é certo – tem agitado as imediações da fortificação, nos últimos anos. Carros e peões disputam uma desigual batalha pela ocupação dos passeios dos arruamentos em redor. Especialmente na Rua da Costa do Castelo, onde moradores e turistas se vêem confrontados com a inevitabilidade de terem de estar sempre de olhar atento à retaguarda e a encostarem-se às paredes, a cada vez que passa um automóvel.
Isto porque os passeios foram todos tomados de assalto pelos automóveis dos moradores e de alguns visitantes, numa zona cujo estacionamento e circulação virária são regulados pela EMEL (Empresa de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa). A entrada e saída na Costa do Castelo é mesmo controlada através de pilaretes retrácteis. Ainda assim, é como se aquela fosse uma área entregue à sua sorte. É que cada automobilista parece fazer o que bem lhe apetece, parqueando o carro em cima do passeio, sem receio de vir a ser penalizado por um dos habitualmente zelosos fiscais da EMEL. A situação, que se prolonga há anos, tem-se vindo a agravar, com o que alguns dizem ser o relaxamento gradualmente maior da empresa municipal, criando um clima de permissividade para todos os que trazem viatura para aquela área.
Ao ponto de certos moradores terem já dificuldade em sair de casa ou em circular com o carrinho do bebé. “A Costa do Castelo e a Calçada do Marquês de Tancos estão tão cheias de automóveis em cima do passeio, que não há espaço para as pessoas neles passaram”, diz Bruno Santos Palma, residente naquela zona e membro da assembleia de freguesia da Graça.
“Estão a acabar o elevador que vai trazer pessoas da Baixa para o Castelo e, quando os turistas chegarem aqui acima, o que vão encontrar será esta situação”, nota Bruno, que aponta ainda como graves problemas “a existência de um parque de estacionamento situado dentro das muralhas do castelo” e “a ausência de sinalética adequada” para os turistas.
Bruno Palma lamenta a permissividade das autoridades municipais em relação à circulação e estacionamento automóvel e afirma que “o sistema da EMEL não está a funcionar”, pois os pilaretes mecânicos deixam entrar qualquer um, mesmo que o carro não disponha de selo de residente. Para piorar as coisas, o munícipe diz mesmo que muitos dos que ali moram “pressionam a câmara para que se possa estacionar à vontade”. Por pura conveniência.
Uma queixa coincidente com as de Cristina Sousa Horta. Esta moradora da Costa do Castelo trava uma guerra particular com os vizinhos, desde que comprou ali casa, há cerca de três anos, tentando demovê-los de estacionarem no passeio em frente da sua janela. “Quando para aqui vim, apercebi-me que os passeios estavam todos tomados e, além disso, os carros expeliam fumos dos canos de escape para dentro a minha casa situada ao nível da rua”, conta.
“Quando tentávamos falar com as pessoas, pedindo-lhes para não estacionarem ali, elas levavam a mal, como se lhes estivéssemos a tirar um direito fundamental. Não há o mínimo respeito”, lamenta a moradora, que se queixa de, todos os dias, ter de circular com o seu filho no meio da rua, porque as laterais foram tomadas de assalto pelos veículos. Quando engravidou, Cristina decidiu pedir à câmara a instalação de pilaretes metálicos frente à sua casa, visando impedir o estacionamento. Mas, no dia em que quatro foram colocados, dois foram logo retirados, com o cimento ainda fresco, por uma vizinha. Em desespero, Cristina colocou vasos com flores no seu lugar.
Mas alguém chamou a PSP, que a intimou a tirá-los dali – a mesma força policial que, sempre que Cristina se queixa de ter a entrada e as janelas da casa obstruídas com automóveis, alega não ter efectivos para tomar conta da ocorrência.
“Não gosto de ver a cidade com pilaretes, mas é um mal necessário para proteger os peões”, diz esta residente de um bairro comumente visto como um local privilegiado da cidade, pelas suas características. Mas tal visão desvanece, aos olhos de quem lá reside. “As pessoas não percebem que não podem morar numa zona histórica e viver com o carro à porta de casa”, critica, depois de dizer que muitas delas, talvez a maioria, não quiseram usar o parque de estacionamento do edifício onde outrora funcionou o Mercado do Chão do Loureiro. São cinco pisos de parque, num imóvel recentemente reabilitado e, regra geral, às moscas.
“Não gosto de ver a cidade com pilaretes, mas é um mal necessário para proteger os peões”, diz esta residente de um bairro comumente visto como um local privilegiado da cidade, pelas suas características. Mas tal visão desvanece, aos olhos de quem lá reside. “As pessoas não percebem que não podem morar numa zona histórica e viver com o carro à porta de casa”, critica, depois de dizer que muitas delas, talvez a maioria, não quiseram usar o parque de estacionamento do edifício onde outrora funcionou o Mercado do Chão do Loureiro. São cinco pisos de parque, num imóvel recentemente reabilitado e, regra geral, às moscas.
Os preços ali praticados explicarão tal cenário. Para o qual contribuirá ainda decisivamente aquilo que Bruno Palma vê como a “pressão política” de outros moradores para manter o actual estado de coisas. “Não há memória de um carro rebocado aqui pela EMEL”, diz.