Quem mora no Castelo tem de pedir à EMEL com 48 horas de antecedência para receber família
Os habitantes do bairro histórico sentem-se presos e os ex-moradores queixam-se de não conseguirem ver a família, nesta zona de acesso condicionado ao automóvel. Além de ter de avisar a EMEL, com 48 horas de antecedência, da intenção de visitar de carro os familiares, quem entra tem de comprar um cartão com um saldo de 25 euros, que permite estar uma hora dentro do Castelo. Os moradores criticam ainda a “prepotência” dos funcionários da EMEL, dizem que o sistema de restrição à entrada de veículos não está a funcionar e que não é dada prioridade a quem lá vive. “Fui operada à vista, o meu filho foi buscar-me ao hospital e trouxe-me a casa de táxi. Deixou-me na entrada e fiz o resto do caminho a pé”, queixa-se uma moradora. O presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior acha “inconcebível” o que está a acontecer e diz que a regulamentação tem de ser revista. Miguel Coelho (PS) salienta, porém, que a solução “não é fácil”, dado o elevado tráfego sentido naquela parte da cidade.
“Vivi 24 anos no Castelo e, hoje, quando quero visitar a minha irmã de carro, tenho de enviar um email à Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (EMEL) com 48 horas de antecedência a informá-la. Isto é pior do que nas prisões”, diz Cristina Botelho, funcionária de uma loja de roupa no Beco do Recolhimento. Para poder entrar no bairro onde nasceu, a ex-moradora teve de adquirir um cartão de visitante – o qual lhe permite aceder e estacionar dentro do Castelo durante meia hora, pelo valor de 15 euros e, ultrapassados estes 30 minutos, o saldo do cartão, de 25 euros, é descontado na totalidade. “Só posso estar meia hora cá dentro, quando venho de visita. Tenho medo de estar mais tempo, porque podem levantar o pilarete, à entrada, e não conseguir sair. Se me distraio, pago logo os 25 euros, é um absurdo”, critica. A permanência na Zona de Acesso Automóvel Condicionado (ZAAC) é descontada no saldo do cartão e, se os visitantes excederem uma hora, o sistema de recolha do pilarete retráctil, no Largo Contador Mor, não é accionado, impedindo-os de sair do bairro histórico.
A ideia da empresa municipal, ao condicionar o acesso ao Castelo e a outros bairros históricos da cidade, era facilitar a vida de quem lá vive, reduzindo a entrada de veículos e o congestionamento. Mas, dizem os comerciantes, parece que o sistema da EMEL não estará a funcionar como devia. “Há imensos carros. Os funcionários do Alojamento Local (AL) trazem os veículos todos os dias, não sei como têm autorização. Há pouco tempo, a minha irmã comprou um frigorífico e a transportadora voltou para trás, porque não conseguiu entrar”, conta a ex-moradora.
Para muitos familiares de moradores, a entrada no bairro faz-se a pé
As queixas repetem-se por todo o bairro, principalmente pelos habitantes mais antigos, que acusam a EMEL de actuar de forma prepotente, impedindo a entrada dos seus familiares em casos de necessidade de prestação de auxílio por motivos de doença. “Fui operada à vista, o meu filho foi buscar-me ao hospital e trouxe-me a casa de táxi. Deixou-me na entrada e fiz o resto do caminho a pé. Tenho um atestado médico, que a EMEL exigiu para ele entrar, e, mesmo assim, não o deixaram passar”, lamenta Amélia Duarte, 73 anos, moradora há 43 anos. Natavidade Pacheco, 69 anos, dona da mercearia Estrela do Castelo, que vai fechar em Setembro, tal como O Corvo noticiou a 17 de Abril, está mais revoltada.
“A EMEL é dona do Castelo, estão-nos a tirar tudo para sairmos daqui. Os meus filhos deviam ter direito a estarem no bairro onde nasceram”, critica. “Um dos meus filhos perguntou a um funcionário da EMEL se, em trinta minutos, conseguia almoçar com a família e ainda fizeram troça dele. Fazem o que lhes apetece e as respostas variam de acordo com quem está a trabalhar”, acrescenta Amélia Duarte, enquanto compra iogurtes e fruta na última mercearia do Castelo.
Apesar do acesso condicionado ao Castelo e do estacionamento nos bairros históricos já ser um problema antigo – tal como noticiou O Corvo em Abril de 2013 -, os moradores dizem que o parqueamento nunca esteve tão “caótico” e atribuem a culpa ao Alojamento Local (AL). “Agora está muito pior, porque há mais carros. Há casais a morarem cá com seis veículos. Não se percebe, também, como as empregadas de limpeza do AL entram de automóvel todos os dias”, critica Natavidade Pacheco. A comerciante e a moradora contam ainda que as respostas da empresa de mobilidade têm demorado mais a chegar. Já entregaram um atestado médico, documento exigido pela EMEL, para os familiares entrarem, mas esperam por resposta “há meses”.
Rosa Pereira, 82 anos, também tem críticas a fazer. “O meu sobrinho nunca consegue entrar e nasceu cá, não tem nexo. Passamos uma vida aqui e não temos regalia nenhuma, só querem os estrangeiros, sentimo-nos presos. Se fosse nova, saía daqui, mas com esta idade vou para onde?”, questiona. Os ex-moradores dizem também sentir-se “controlados” e condicionados na sua liberdade. “O meu sobrinho, morador, esteve um mês fora com o carro. Quando veio, os funcionários da EMEL disseram-lhe que tinham de verificar porque não entrava há tanto tempo no Castelo. Pediram-lhe a matrícula e mais uns dados, um autêntico inquérito”, conta Cristina Botelho.
Os lojistas dizem que “a dificuldade colocada à passagem dos fornecedores” é outro dos problemas. “O nosso negócio foi afectado, porque alguns distribuidores deixaram de vir. Quando fornecem mais do que um estabelecimento, ainda vale a pena, mas se for só um, não faz sentido. Como só podem estar cá meia hora, quando a loja está cheia, saem e voltam a entrar no Castelo para não se esgotar o saldo do cartão”, conta Manuela Pardal, 71 anos, dona da loja de artesanato O Conquistador. Nascida no Castelo, mas já a viver noutra parte da cidade há “muitos anos”, desde que a EMEL se instalou no bairro histórico, teve de comprar um cartão de comerciante, com o valor anual de 12 euros. Tem, também, uma garagem nas imediações e, por isso, trazer o veículo não é um problema. O que a incomoda mais “é estar sempre a mostrar o cartão”. “Já me conhecem e tenho de estar constantemente a sair do carro para passar o cartão no sensor, quando supostamente a matrícula devia ser reconhecida nos sensores. Com a minha idade, já é cansativo”, queixa-se.
Nuno Nascimento, empregado do restaurante Caminho da Ronda, na Rua do Recolhimento, vai de mota para o trabalho porque, explica, “não tenho outra alternativa”. Mas não é a forma como se desloca para o Castelo que o preocupa, é o tempo que os fornecedores têm para descarregar os produtos. “É sempre a correr. Por vezes, a máquina de café avaria e vem cá alguém arranjá-la e já sabe que tem meia hora para o fazer, senão pagamos mais”, lamenta o funcionário do restaurante. Natavidade Pacheco também recorda uma situação semelhante. “O fornecedor do pão demorou-se mais um bocadinho na entrega e pagou logo 25 euros”, conta.
Ângela Alves, 40 anos, lojista, partilha a mesma opinião da maioria dos colegas. “Sofremos um bocado por causa das entregas, mas os mais prejudicados são os moradores idosos. Vemos pessoas a subirem por aqui acima de bengala, porque um táxi ou o filho não pode entrar, é muito triste. Há mais actividades económicas e alojamento local, o que traz mais carros, o problema é que o critério de entrada não é igual para todos”, diz a funcionária do comércio, que se desloca de transportes públicos para o bairro onde trabalha.
Os comerciantes e moradores afirmam verem muitos carros que não pertencem aos habitantes do Castelo e que o pilarete retráctil nem sempre funciona correctamente. No dia em que O Corvo foi ao bairro histórico, o pilarete esteve bastante tempo recolhido, uma situação que intriga quem lá está. “Às vezes, faz-se uma fila de carros enorme à entrada do Castelo e não há qualquer controle. Quando entram muitos tuk-tuks, já sabemos que o pilarete está avariado. Mas, como não podem entrar, são todos multados depois”, conta Manuela Pardal. E se, por vezes, o pilarete está muito tempo recolhido, outras não desce. “Há pouco tempo, uma ambulância esteve parada dez minutos, é inadmissível. O pilarete estava avariado. O presidente da Câmara de Lisboa diz que quer apoiar os idosos, mas isto não é ajudar-nos”, diz Natavidade Pacheco, enquanto serve dois copos de sangria a um casal de chineses.
O presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, Miguel Coelho (PS), em declarações a O Corvo, admite existir “um problema concreto” para se resolver e que é “fundamental” que as normas da empresa municipal sejam revistas. “A regulamentação da EMEL está desactualizada face à nova realidade que existe nos bairros históricos e a empresa tem de se ajustar. Tenho solicitado junto dos responsáveis para que as normas sejam revistas e se encontrem novas soluções. É preciso encarar a questão como verdadeira e difícil, reunirmos e conversarmos. Não era suposto o estacionamento condicionado causar estes danos”, diz.
Miguel Coelho diz que a EMEL está apenas a seguir o regulamento, mas reconhece que é “inconcebível” o que está a acontecer no bairro do Castelo. “Não acho razoável que os filhos dos moradores tenham de pedir autorização com 48 horas de antecedência para entrarem, nem só estarem lá dentro meia hora, até porque há situações imprevistas. Pelas minhas mãos, passam dezenas de pedidos de residentes para que os familiares possam entrar e o meu parecer é sempre favorável. Sei, contudo, que estou a contribuir para que entrem mais carros. A solução não é fácil”, considera.
O autarca lembra que a circulação automóvel, nos últimos anos, nos bairros históricos de Lisboa, aumentou, tendo sido impreterível condicionar o acesso de veículos. Miguel Coelho considera, por isso, que os problemas agora sentidos no bairro do Castelo não podem ser só atribuídos à empresa de mobilidade. “É muito fácil diabolizar a EMEL, mas têm feito um trabalho importante. Há 300 e tal lugares marcados no Castelo e há mil e tal selos para outras pessoas entrarem, é muito complicado”, explica. “Os carros de funcionários do Alojamento Local são apenas uma parte do problema. Todo o desenvolvimento económico e a procura pelo centro histórico para actividades de lazer, assim como a existência de famílias com três ou quatro carros, criou esta situação”, conclui.
O Corvo perguntou à EMEL se se revê nas queixas dos moradores e comerciantes e tentou perceber como é feita a triagem de quem entra no Castelo, nomeadamente em casos de necessidade de prestação de auxílio a familiares, mas a empresa municipal não respondeu a estas questões. Diz apenas que “o principal objectivo destas medidas é proporcionar o aumento das condições de segurança, bem como a requalificação urbana destes bairros”. “Para garantir os níveis de segurança pretendidos, o condicionamento do acesso e do estacionamento implicou a adopção de medidas de restrição e redução da circulação automóvel, dando por isso origem a estas Zonas de Acesso Automóvel Condicionado, como é o caso da do Castelo”, explica a empresa municipal em depoimento escrito a O Corvo. A EMEL avança ainda que a ZAAC Castelo tem, neste momento, 154 lugares disponíveis e 467 dísticos atribuídos, sendo 349 dísticos de residente, 51 de empresa, 67 de acesso especial e 123 de garagem.