Caos no estacionamento na Encarnação poderá ter dias contados com chegada da EMEL

REPORTAGEM
Sofia Cristino

Texto

MOBILIDADE

Olivais

10 Julho, 2018


O estacionamento abusivo é um flagelo no Bairro da Encarnação. A elevada procura de lugares, sobretudo por funcionários do Aeroporto Humberto Delgado e de empresas de aluguer de viaturas que lá operam, é um problema com anos. Mas está a atingir-se uma situação limite. Há carros estacionados em cima dos passeios, em jardins e até em locais de entrada e saída de ambulâncias. Alguns moradores não conseguem sair de casa por haver veículos parados à porta. Situação que já levou a “cenas de pancadaria, agressões verbais e carros vandalizados”. Desesperada, a Associação de Moradores do Bairro da Encarnação pediu à Câmara de Lisboa a instalação de parqueamento pago nas ruas periféricas do bairro e bolsas de residentes. O problema poderá ser solucionado, com a chegada da Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (EMEL), em Setembro. “Vamos, finalmente, restituir alguma paz ao bairro”, diz o presidente da associação. A presidente da Junta de Freguesia dos Olivais, Rute Lima (PS), diz que a EMEL só entrará nas ruas que os moradores quiserem.

“Não há um dia em que não existem discussões entre os vizinhos ou um autocarro que não consiga passar, porque os carros estão mal-estacionados. Isto é um caos, até já colocaram pedras nos lugares para os veículos não pararem”, diz Marta Aragão, 26 anos, vendedora no quiosque da Alameda da Encarnação, na freguesia dos Olivais. A elevada procura por estacionamento no Bairro da Encarnação, principalmente por funcionários do aeroporto Humberto Delgado e de empresas de aluguer de viaturas, é um problema que já se arrasta há anos, mas, agora, “está a atingir o limite”, dizem os moradores. Segundo a presidente da Junta de Freguesia dos Olivais, Rute Lima (PS), há “cenas de pancadaria, agressões verbais e carros vandalizados” todos os dias. A única forma de terminar com os conflitos e devolver alguma paz ao bairro, avança, é entregar a gestão do estacionamento à Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (EMEL), o que deverá acontecer em Setembro.

“Somos obrigados a estacionar no passeio por falta de opção. Há pouco tempo, eu e os meus vizinhos fomos todos multados, pagámos 100 euros. É muito injusto, devíamos ter dísticos de residência”, diz Teresa Vilas Boas, 45 anos, a viver ali há 18 anos. Recentemente, a moradora da Rua 18 começou a utilizar com mais regularidade os transportes públicos, mas até o funcionamento destes tem sido perturbado pelo parqueamento indevido das viaturas. “Quantas vezes os autocarros da Carris ficam bloqueados, durante horas, de manhã, porque não conseguem passar? Acabamos também por ser prejudicados a nível profissional”, desabafa. Quando a ANA- Aeroportos foi privatizada, o número de lugares disponíveis para os funcionários pela companhia aérea diminuiu, motivo pelo qual estes trabalhadores começaram a ver no Bairro da Encarnação, a um quilómetro do Aeroporto Humberto Delgado, uma alternativa para pararem o carro.

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Os passeios têm sido ocupados por automóveis de funcionários do aeroporto

“Estacionam aqui e vão a pé para o aeroporto, 98% das viaturas que se vêem não são dos moradores. Aquele senhor que está em volta daquele carro deve trabalhar com a rent-a-car. Fizeram da Alameda da Encarnação a ‘base do aeroporto’”, comenta Cabral Costa, 74 anos, residente há 35 anos no Bairro da Encarnação, sentado num banco do jardim da Alameda. E sugere outros motivos para a sobrelotação de carros. “O centro de saúde dos Olivais é outro problema. Como não existe centro de saúde no Parque das Nações, muitas pessoas dessa freguesia vêm cá e querem um lugar à porta. Cada vez há mais carros também”, diz. Há ainda quem procure o bairro pela sua “tranquilidade” e espaços verdes. “Venho aqui porque é uma das melhores zonas de Lisboa para passear e porque arranjo sempre lugar. Os parques dos aeroportos são caríssimos”, diz Filipe Paulo, morador no Prior Velho, reformado da TAP.

Não é preciso passar muito tempo pelo bairro para perceber as lamentações – há carros estacionados em cima dos passeios, nas curvas, nos dois lados da estrada e, até, em áreas de jardins. As queixas vão-se ouvindo ao longo da manhã, mas sobem de tom à hora de almoço, quando começam a aparecer mais pessoas nos restaurantes, alguns com fila de espera. “Não sei de quem é aquele carro, mas de certeza que veio almoçar. O problema é que não podem estacionar ali, é um local de entrada e saída de ambulâncias. Se uma pessoa se sentir mal, pode não ser socorrida porque a ambulância não tem forma de entrar”, diz Fernanda Magalhães, 43 anos, comerciante numa mercearia no Mercado da Encarnação Norte.

Quando o Bairro da Encarnação foi construído, em 1938, quase ninguém tinha um automóvel, o que justifica a falta de garagens na maior parte das casas e a necessidade de os habitantes estacionarem à porta das moradias, outro dos problemas do estacionamento. Contudo, defendem alguns, também existe algum “comodismo”. “Há pessoas que podem estacionar no pátio da entrada e não colocam lá o carro porque querem usar aquele espaço exterior para fazerem jantares ou conviver”, diz Cândido Abreu, 74 anos, morador há 50 anos no bairro. Teresa Vilas Boas é da mesma opinião. “Algumas pessoas têm lugar, mas dá muito trabalho colocarem o carro lá dentro”, comenta.

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Quando precisa de sair de casa de carro, Cândido Abreu não sente se seguro naquela zona. “Não há espaço para circular, quando há carros dos dois lados. Não se pode estacionar em cima dos passeios, o código da estrada tem de ser levado a sério. Não deveria ser necessário colocar paus e pedras no chão para as pessoas não pararem o carro”, diz. O morador defende que a solução poderia passar pela construção de um parque de estacionamento subterrâneo, por baixo do jardim. “Deveria haver uma alternativa para todos, também tenho pena dos funcionários do aeroporto porque, coitados, não têm onde pôr o carro. Muitos vêm de Vila Franca de Xira, onde os transportes funcionam pior, não têm opção”, acrescenta.

Cansada dos problemas de estacionamento diários, a Associação de Moradores do Bairro da Encarnação pediu à Câmara de Lisboa a instalação de parqueamento pago nas ruas periféricas do bairro e bolsas de residentes, que se destinam ao estacionamento de veículos de moradores e comerciantes. “Vamos, finalmente, restituir alguma paz ao bairro. A solução não é consensual, mas é a melhor. Há pessoas que não conseguem sair de casa com o carro e há conflitos diários entre moradores num bairro que já foi sossegado. Há moradores que estacionam aqui carros das empresas e carros que ficam parados durante meses porque foram para o estrangeiro”, diz João Barata, representante da Associação de Moradores do Bairro da Encarnação. “O nosso bairro acompanhou o crescimento do turismo em Lisboa, nos últimos quatro anos. O caos só diminuí um bocadinho ao fim-de-semana por causa do metro, porque há muitos trabalhadores a estacionarem aqui durante a semana”, explica ainda.

A solução encontrada é do agrado da maioria dos moradores, principalmente os mais afectados. “Concordo que coloquem os parquímetros, começando nas ruas principais, porque as pessoas abusam. Se todos se respeitassem e houvesse civismo resolvia-se o problema do estacionamento, mas havendo um cantinho estaciona-se, é a lei do salve-se quem puder. Há moradores que não conseguem entrar em casa”, diz Ana, 49 anos. A cabeleireira no bairro conta ainda que tem um filho a trabalhar numa empresa no aeroporto, mas que esta lhe paga o estacionamento. “Devia ser assim para todos, o aeroporto tem de arranjar soluções para os seus empregados”, explica, acrescentando que há muitas pessoas a utilizarem o carro para “percorrerem uma distância de meia dúzia de metros”.

A decisão não é, porém, vista com bons olhos por todos, que temem que a EMEL se instale em toda a freguesia. “Se a EMEL começa a expandir-se pelo bairro, há restaurantes que vão fechar. As pessoas não vêm almoçar aqui, se tiverem de pagar estacionamento”, diz Teresa Marques, 52 anos, nascida e criada na freguesia, hoje com vários estabelecimentos de restauração. “A rent-a-car é o grande cancro do estacionamento, há ruas com 30 carros de aluguer. A própria polícia estaciona mal, até já os chamei a atenção. Se não viessem passar multas só de vez em quando, se rebocassem mesmo os carros e autuassem todos os dias, talvez o problema se resolvesse”, propõe.

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Na reunião pública descentralizada da Câmara Municipal de Lisboa, realizada no passado 9 de Maio, o presidente da CML, Fernando Medina, respondia a intervenções de duas moradoras do Bairro da Encarnação sobre o problemas, dizendo que “o bairro não está esquecido” e que a requalificação prevista vai ser “uma das mais importantes intervenções de espaço público que a câmara irá fazer neste mandato”. “Por ser um problema geral do bairro, não fizemos intervenções pontuais, porque não iríamos estar a resolver em definitivo a situação. Estamos a fazer um programa de intervenção global, que envolve todas as ruas e passeios”, dizia. As habitantes queixavam-se do problema diário do estacionamento, mas também da ausência de alcatroamento nas ruas interiores do bairro, da velocidade “abusiva” com que os rent-a-car ali circulam e até do mau sinal da internet na zona.

O projecto de requalificação de fundo do bairro está a ser preparado pela CML, em conjunto com a Junta de Freguesia dos Olivais, há cerca de um ano e meio, mas, dada a sua complexidade, ainda não está concluído. “Em breve, estaremos em condições de apresentar o projecto, mas ainda não sei dizer a data, porque estamos dependentes de várias decisões externas, que envolvem questões de saneamento, gás e telecomunicações. Provavelmente, o projecto virá a público daqui a uns meses”, diz Rute Lima, em declarações a O Corvo.  A reparação do pavimento e dos passeios, em mau estado muito por culpa do estacionamento abusivo, avançará assim que o projecto de requalificação do Bairro da Encarnação for apresentado.

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A regulação do estacionamento, dado o seu carácter de urgência, começará a ser preparada já este mês. “Durante o mês de Julho, a EMEL terá um posto de atendimento nas instalações da Junta de Freguesia para dar explicações aos moradores. Depois das férias de Verão, em Setembro, deverá começar a instalar-se”, avança. Segundo a autarca, “já não é possível viver neste caos e o nível de hostilidade não pára de crescer”. “Os moradores agridem-se, insultam-se e há actos de vandalismo e pancadaria. Chegamos a uma situação de profundo caos e a única forma de normalizá-la é trazer a EMEL para o bairro, é inevitável. É urgente tratar a paz social dos moradores”, conta. Rute Lima garante ainda que a empresa municipal só entrará nas ruas que os moradores quiserem e que estes deverão manifestar a sua vontade por escrito.

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COMENTÁRIOS

  • Zeca
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    A zona do Parque das nações que fica para lá da linha de comboio na estrada de Moscavide e Quinta das Laranjeiras também é um caos de estacionamento ilegal que justifica outro artigo vosso.

  • Sonia
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    Na rua cidade cabinda , numa paralela à av berlim , é também uma das ruas preferidas para quem viaja! E desde a abertura ginásio gofit nas antigas piscinas dos olivais o estacionamento é anárquico !!! Enfim !!! Já pedi que fizessem pelo menos as marcações no chão !!! Nada …. o airnb já chegou à rua , talvez quando o turista lá estiver em massa façam qualquer coisa .

  • Alexandra
    Responder

    Não concordo com o caos, e a Emel é uma solução que vai beneficiar somente os moradores. Infelizmente muitos funcionários do aeroporto não têm alternativa porque a ANA e as empresas de handling NÃO DÃO parques estacionamento aos mesmos. O artigo refere se aos funcionários que lá estacionam como se fossem os vilões da situação e tivessem agrado em estacionar em cima de passeios e afins, chegar atrasado ao trabalho à procura de lugar, etc. arriscar uma multa!

  • Mito
    Responder

    Vivi 2 anos no Bairro de Alfama e 3 anos no Lumiar. Conheço pouco a realidade da Encarnação. Mas depois de ler este texto, começo a perceber que o problema é geral, sem grande solução à vista. Aqui em Braga fogem à multa recorrendo ao estacionamento ilegal, pois a detentora do parqueamento não tem poderes para autuar. Um pouco por todas as grandes cidades estamos a assistir ao crescimento desenfreado do uso do automóvel, sendo que Lisboa e Porto têm alternativas viáveis de transportes públicos, ao contrário de outras cidades que apenas contam com uma frota reduzida e ineficaz de autocarros. É urgente mudar as mentalidades, e recorrerem à partilha de carros, à utilização de TP’s, bicicleta. Se houvesse forma de controlar quem faz curtas distâncias de carro quando pode ir a pé, deveria ser cobrado um imposto superior aos outros por ter uma atitude pouco ecológica.
    Temos de começar a pensar na mudança, ou isto vai ser pior que Moscovo ou S. Petersburgo

  • Rui
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    Existe um abuso no estacionamento por parte de viajantes e trabalhadores do aeroporto (que não tem alternativa), mas é engraçado que as imagens apresentas não retratam as zonas desse abuso. As fotos dizem respeito as zonas centrais do bairro onde existem restaurantes e equipamentos públicos, os trabalhadores do aeroporto nada tem a ver com a situação. É caricato que boa parte das casas estão dotadas de garagem e os proprietários param os seus carros na rua(muitas vezes à má fila em cima do passeio para estar à porta de casa), mas esses elementos nunca ninguém se lembra.
    Os problemas de estacionamento vão muito além dos trabalhadores do aeroporto(pessoas que alem de pararem do carro utilizam o Club Tap e fazem refeições nos restaurantes do mesmo bairro e viajantes.

  • José Colaço
    Responder

    É o problema do estacionamento da Estrada da Luz (Carnide), Largo da Luz, ruas limítrofes.Trabalhadores do Colombo deixam aqui o carro. Outros deixam o carro para irem apanhar o metro. As pessoas que vivem na periferia deveriam utilizar os transportes públicos, como nós , residentes em Lisboa, o fazemos. Parece que só Lisboa tem vida.

  • Mário
    Responder

    É inacreditável a falta de respeito e mesmo escrúpulos por parte de muitos condutores.
    Vou falar da realidade da cidade do Porto. Como é que é possível estacionarem em hora de ponta em segunda fila, prejudicando assim o fluxo de tráfego? Estacionamento abusivo na faixa do bus é o que não falta. Deve-se punir fortemente o estacionamento abusivo, multas de €1000 para cima e tirar a carta a esse energúmenos.
    Que venham 500 EMELs aqui para o Porto.

  • Telma Lima
    Responder

    Os lugares já estão marcados desde a construção do metro. Não avançou porque os terrenos foram oferecidos por uma familia portuguesa. Agora dizem que são os moradores que querem…. As pessoas de idade que moram neste bairro são muitas e se eu não poder levar o meu carro para as ir buscar a casa quem vai??? Ou vou ter de pagar a multa? A solução é estipular zonas de estacionamento para moradores e criar estacionamento para quem vem de fora de Lisboa.

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