Medina vai pressionar o Governo para levar já o metro até à zona ocidental de Lisboa
Obrigado pelo acordo de convergência agora anunciado com o Bloco de Esquerda, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa compromete-se a renegociar com António Costa o plano de expansão da rede metropolitano para bairros como Ajuda, Alcântara ou Belém. Tal não comprometerá a muito contestada criação de uma Linha Circular no centro da cidade, garantem Robles e Medina. Mas sem explicar como tal será possível em termos financeiros. Inteiramente público, parte do qual com recurso a fundos comunitários, será o dinheiro que pagará o novo “pilar” do Programa Renda Acessível, exigido pelo Bloco. Prometem-se três mil casas a preços acessíveis, até ao fim deste mandato, a acrescentar às sete mil antes anunciadas por Medina. “Com este acordo, só pode esperar mais exigência e não menos”, avisa, porém, o novo vereador bloquista.
A Câmara Municipal de Lisboa (CML) deverá iniciar, em breve, conversações com o Governo para acelerar o processo de estudo e de elaboração do projecto da extensão da Linha Vermelha do metro até à zona ocidental da capital, assegurando a ligação a zonas como Ajuda, Alcântara e Belém. O compromisso é um dos pontos principais do acordo coligatório entre o Partido Socialista (PS) e o Bloco de Esquerda (BE) para a governação da autarquia da capital, assinado ao princípio da tarde desta quinta-feira (2 de novembro), no Teatro São Luiz, entre Fernando Medina e Ricardo Robles. O bloquista compromete-se a contribuir para formar a base de apoio estável de que Medina necessitava, após os resultados das eleições autárquicas de 1 de outubro, e que lhe custaram a maioria absoluta. Robles assumirá o lugar de vereador com os pelouros da Educação e das Áreas Sociais, mas, mais importante, impôs ao PS um longo caderno de tarefas com 80 pontos, dos quais os compromissos nas áreas da habitação e dos transportes são os mais relevantes, mas também na educação.
“Renegociação com o Governo sobre a expansão da rede de Metropolitano, incluindo a extensão da linha para a zona ocidental de Lisboa como prioridade a par da Linha Circular. O presidente da Câmara Municipal de Lisboa apresentará os resultados desta negociação durante o primeiro semestre de 2018”, promete o documento assinado por socialistas e bloquistas. Enquanto tal não sucede, promete-se a aplicação imediata de uma Plano de Mobilidade da Zona Ocidental, prevendo “o reforço da rede de transportes com mais carreiras e horários, com especial incidência nas zonas mais carenciadas”. O plano, cujas medias urgentes devem ser aplicadas até ao final de junho de 2018, prevê também novos equipamentos – como uma rede de elétricos rápidos – articulados com os interfaces daquela zona da cidade. Uma tarefa a cargo da agora municipalizada Carris.
Questionados por O Corvo sobre como será possível fazer em simultâneo à extensão do Metro para a zona ocidental e a implementação da nova Linha Circular, Robles e Medina não entraram em detalhes. “As obras podem seguir a par uma da outra, mas não têm que ser em simultâneo”, disse o novo vereador bloquista, tendo Medina assentido com a cabeça. Ao longo deste ano, e durante a campanha eleitoral, Ricardo Robles foi especialmente crítico para com a opção, anunciada em maio pelo Governo, do surgimento de uma nova Linha Circular do metropolitano, tornada possível pela construção da ligação entre o Rato e o Cais do Sodré, e juntando ainda a actual Linha Verde e um troço da Linha Amarela. Num debate especial sobre este tema, organizado em maio passado pela Assembleia Municipal de Lisboa, o candidato do Bloco à presidência da CML afirmou que tal opção desviava o necessário investimento público de uma mais prioritária extensão à zona ocidental de Lisboa.
Na habitação, o “acordo de convergência” prevê um acréscimo em mais 3.000 casas ao Programa de Renda Acessível, anunciado por Medina no mandato anterior e que previa a construção de 7.ooo apartamentos com rendas entre 250 e 450 euros. Agora, depois deste acrescento, o programa passa a contemplar um total 10 mil habitações. Mas se, na sua versão original, se privilegiava um modelo de parceria público-privada, com a câmara a entregar aos privados os terrenos e edifícios para construção e reabilitação, em troca do financiamento dos mesmos (708 milhões de euros), o Bloco obrigou a maioria socialista a aceitar um novo “pilar” no programa “integralmente financiado pelo Município ou em parceria com entidades públicas”. Isto acontece porque os dois partidos deixam claro que “mantêm posições divergentes sobre o financiamento privado do Programa Renda Acessível e preservam a sua autonomia de decisão quanto a esta matéria”. Ou seja, o programa mantém-se, mas aumentado e com duas vertentes distintas.
A nova modalidade inteiramente pública, imposta pelo BE, será conseguida através da integração de “património municipal, nomeadamente os prédios até aqui destinados ao programa ‘Reabilita Primeiro Paga Depois’ e ainda os imóveis e terrenos correspondentes a 30% dos fogos com edificação até agora prevista na componente privada do Programa Renda Acessível”. Existe um calendário para a concretização deste “pilar público” do Renda Acessível e que tem como objectivo entregar 500 fogos em 2019, 750 fogos em 2020 e 1750 fogos em 2021 – os primeiros apartamentos previstos no pilar “público-privado” do programa estavam previstos ser entregues em 2020, sendo o prazo da concessão de 30 anos. No final da conferência de imprensa, questionado pelos jornalistas sobre o modelo de financiamento da extensão agora anunciada, Medina garantiu que o mesmo será garantido “através de financiamento público, de fundos comunitários, mas também através do património do município”.
Mas o documento assinado pelo PS e pelo BE é mais explícito em relação às suas intenções, no que se refere ao modelo de financiamento desta extensão do Programa Renda Acessível. Tanto que num dos pontos se refere que se vai “propor ao Governo e à Assembleia da República que o financiamento dos projectos municipais no âmbito do Programa Renda Acessível seja isento para efeitos do cálculo dos limites da dívida municipal, sempre que os mesmos consistam em operações de reabilitação urbana”. E o pronto seguinte complementa a receita: “Paralelamente, com vista à libertação de margem de financiamento de políticas de habitação, serão desenvolvidos esforços imediatos, junto dos órgãos de soberania, a fim de excecionar dos limites de endividamento municipal os empréstimos contraídos no âmbito de programas no âmbito da União Europeia”.
Questionado por O Corvo sobre se a integração dos imóveis até aqui destinados ao Programa ‘Reabilita Primeiro Paga Depois’ na bolsa de imóveis do “pilar público” do Renda Acessível significava o fim daquele programa, Fernando Medina acabou por assumir tal cenário, embora sem o reconhecer de forma explícita. “O Reabilita Primeiro Paga Depois surgiu numa altura em que a reabilitação do edificado muito degradado era uma das grandes preocupações na cidade de Lisboa. Mas, felizmente, como sabem, essa deixou de ser uma preocupação, uma vez que a reabilitação de imóveis tem conhecido um assinalável crescimento”, disse o presidente da CML, justificando assim que os prédios do agora anunciado como defunto programa “sejam reorientados para o Programa Renda Acessível”. Isto porque, disse, o “acesso à habitação é um problema por parte de dezenas de milhar de famílias, que são muitas vezes alvo de abusos”.
Tais mudanças serão possíveis, estabelece o acordo firmado entre Medina e Robles, porque, até ao fim deste ano, a CML e a Assembleia Municipal de Lisboa terão de ter aprovado o novo Regulamento Municipal de Gestão do Património Imobiliário. Nele se inscreverão também compromissos como: consagrar o Princípio da Equidade Intergeracional como meio de preservar o património imobiliário do Município e garantir a sua disponibilidade às gerações futuras; privilegiar o recurso à figura de direito de superfície , assegurando desta forma a manutenção do património no município, em detrimento da alienação de património municipal; ou dotar o parque habitacional municipal de fracções, edifícios ou terrenos susceptíveis de assegurar progressivamente o acesso à habitação a mais 25.000 pessoas , face à actual oferta de habitação municipal.
Além do acelerar do processo de reabilitação dos bairros muncipais, o acordo de convergência entre ambos os partidos compromete igualmente a autarquia da capital na tomada de medidas firmes para refrear o fenómeno do alojamento local (AL). Para além das propostas para alteração do enquadramento legal do AL, “para que o actual processo de registo dê lugar a um processo de autorização com critérios a definir pelos municípios”, fala-se na definição de capacidades máximas de alojamento local por zona da cidade e no estabelecimento de quotas máximas para cada uma delas. Com um especial enfoque nos bairros históricos. “As autorizações de exploração de Alojamento Local , atuais e futuras, passarão a estar vinculadas à fracção, titular da exploração e proprietário, sendo intransmissíveis em qualquer destes níveis”, explicita o acordo, que aponta ainda para a criação de um gabinete municipal de fiscalização do Alojamento Local e Turismo Habitacional “que actue de forma rápida perante queixas de moradores e retire licenças em casos de comprovada infracção com reincidência”.
Sobre a natureza do acordo, tanto Medina como Robles reconheceram as exigências e desafios impostos pelo mesmo. “Queremos fazer este caminho em conjunto. Trata-se de um bom acordo para o futuro da cidade de Lisboa”, disse Fernando Medina, salientando que a convergência com o Bloco surgiu com naturalidade, porque ambos os partidos partilham de muitas das ideias para a cidade. “Teria sido possível tentar outras soluções, mas estes foram claros nas suas intenções. Partilhávamos amplas margens de convergência, tínhamos a mesma identificação”, salientou o presidente recém reempossado. Ricardo Robles lembrou também essa coicidência de pontos de vista e de prioridades. Frisando a necessidade de construir uma Lisboa mais solidária, o vereador bloquista avisou Medina: “Com este acordo, só pode esperar mais exigência e não menos”.