Moradores do Eixo Central dizem que falta o estacionamento prometido pela CML

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Samuel Alemão

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Avenidas Novas

22 Fevereiro, 2017


A requalificação do espaço público entre o Marquês de Pombal e Entrecampos é quase consensual, ao ponto de ofuscar as fortes críticas que a antecederam. Entre os principais contestatários estavam os residentes, que se queixavam da eliminação de lugares para os seus carros. A oferta de bolsas de estacionamento silenciou a contestação. Fartos de esperar pelos prometidos lugares, os moradores dizem agora viver um pesadelo. “Os políticos têm de cumprir aquilo que prometem”, afirmam. Para tentar minorar os problemas, a CML vai converter as avenidas 5 de Outubro e Defensores de Chaves em “zonas vermelhas” do tarifário da EMEL. E diz que as avenças a 25 euros criadas para moradores em parque privados são uma boa opção. O vereador do CDS-PP junta-se aos que acusam a autarquia de incumprimento. Fernando Medina, por seu lado, fala “numa obra emblemática” para Lisboa, prova de que teve razão desde o início do processo.

As obras de reabilitação do espaço público no Eixo Central de Lisboa, entre o Marquês de Pombal e Entrecampos, inauguradas há um mês, são já praticamente consensuais. Mas há ainda questões por resolver. Para além da segurança dos utentes das ciclovias relativamente à abertura das portas dos carros estacionados longitudinalmente, persiste o problema do estacionamento dos residentes. Tanto que a Associação de Moradores das Avenidas Novas diz que a Câmara Municipal de Lisboa (CML) não está a cumprir a promessa – feita aquando do início das obras, em abril do ano passado – de reservar 68% da oferta de parqueamento à superfície para quem ali mora. “Só podemos andar aqui a brincar. Os responsáveis políticos têm, de uma vez por todas, cumprir com aquilo que prometem”, diz ao Corvo José Soares, presidente da associação.

“Estamos descontentes, porque não foi isto que nos prometeram. Não estamos a exigir mais estacionamento para os moradores, mas sim aquilo que nos foi garantido que iria ser feito, como contrapartida para nos calarmos na contestação às consequências desta intervenção”, afirma o dirigente, admitindo, porém, que hoje ninguém tem dúvidas de que, apesar dessa questão pendente, “a obra tem méritos e pode ser vista como positiva”. “Os moradores não pedem um lugar para estacionar o carro à porta de casa. Mas não se pode exigir a uma pessoa que mora no Saldanha que estacionar vá o carro ao Campo Pequeno”, considera José Soares, informando que, na Avenida da República, para 297 viaturas com selo de residente existem 245 lugares de estacionamento a eles destinados.

O representante dos moradores refere que a escassez de lugares na Avenida da República está já a ter consequências nas artérias laterais, com os moradores a buscarem lugar para o seu automóvel na Avenida 5 de Outubro e na Avenida Defensores de Chaves. O que, por sua vez, se reflecte na oferta de lugares para os residentes destas, levando-os a procurar parqueamento nos arruamentos adjacentes. “Está a ter efeitos nas imediações, como uma espécie de efeito dominó”, afirma, lembrando que muitos dos moradores estão a viver na zona há várias décadas. “Estamos a falar de habitações que, quando foram construídas, não tinham garagem, porque tal não era exigido”, diz, lamentando o que considera ser o incumprimento da CML para com as promessas feitas no ano passado.

O sentimento de frustração tem aumentado porque, salienta José Soares, a câmara não estará a demonstrar interesse na resolução dos problemas. Já depois da inauguração da intervenção no Eixo Central, o presidente da Associação de Moradores das Avenidas Novas enviou, a 2 de fevereiro, um email a Manuel Salgado, vereador do Urbanismo, questionando-o sobre o alegado incumprimento da prometida oferta de lugares. “Sucede que não apenas não foi cumprido o compromisso dos 68% de lugares para residentes, como a falta de lugares, e até a dimensão reduzida dos mesmos, transforma a nossa vida num pesadelo”, diz-se nessa mensagem, a que O Corvo teve acesso – na qual se lamenta ainda que a equipa de técnicos sob a alçada de Salgado “não tem respondido aos sucessivos contactos por parte da Associação de Moradores, contrariando a postura inicialmente adoptada em que usava a relação mantida com esta Associação como exemplo de escutar a população”.

“Trata-se da nossa qualidade de vida dos moradores e exigimos da parte da CML respeito absoluto pelos compromissos assumidos e não queremos acreditar que seja intencional este silêncio de seis meses e, menos ainda, que se possa pensar que os compromissos assumidos não são para respeitar e executar”, escreveu o dirigente associativo, antes de avisar que, não havendo em breve a confirmação do cumprimento do compromisso, será convocado em breve um plenário dos moradores daquela área. José Soares garante agora ao Corvo que o “em breve” será já na próxima semana. Isto porque a resposta que, entretanto, recebeu de Manuel Salgado é considerada “insuficiente e ambígua”.

Moradores do Eixo Central dizem que falta o estacionamento prometido pela CML

Nessa resposta, a 8 de fevereiro, o vereador esclarece: “A área envolvente da Avenida da República, entre as avenidas 5 de Outubro e Defensores de Chaves, vai ser classificada como zona vermelha de estacionamento, privilegiando os residentes com dístico atribuído através de duas formas: a tarifa é mais elevada por visitante e apenas podem estacionar aqueles que são portadores de dístico de residente na área vermelha em causa”. “Por outro lado, os lugares de estacionamento que a Câmara Municipal de Lisboa reservou nos parques do Campo Pequeno e em Picoas, através do pagamento de uma avença mensal de 25 euros, ainda não estão totalmente ocupados”, acrescenta Manuel Salgado.

Nesta terça-feira (21 de fevereiro), perante a Assembleia Municipal de Lisboa (AML), o presidente da autarquia falou na intervenção do Eixo Central como uma “obra emblemática” e “uma aposta ganha da cidade”. Prestando contas àquele órgão sobre o trabalho realizado pela autarquia durante o último trimestre, Fernando Medina utilizou por diversas vezes a expressão “devolução à cidade do Eixo Central”. “Esta foi a obra que colocou à prova a determinação do executivo em avançar com o programa de governo da cidade. Hoje, depois de acabadas as obras, o que temos entre o Marquês de Pombal e Entrecampos são mais de 750 árvores plantadas e mais de 4o0 passadeiras que foram rebaixadas e adaptadas com guias de sinalização para pessoas com dificuldade de mobilidade e de visão. Numa zona central, formam introduzidas ciclovias para dinamizar a mobilidade sustentável”, afirmou Medina.

“A nossa cidade está melhor, está mais inclusiva e tem hoje melhores condições para quem nela vive e trabalha”, disse o presidente da câmara, antes de referir que a conclusão deste projecto também permite uma “leitura política”. “Com o fim das obras e a devolução do Eixo Central, foram profundamente derrotados todos aqueles que apelavam à inacção. Foram derrotados plenamente e frontalmente todos aqueles que apostam numa visão ultrapassada da mobilidade e da vida na cidade”, afirmou o autarca, antes de dizer que outros dos derrotados “foram aqueles que apelaram ao caos, que diziam que tudo se iria desarticular”. “Hoje, andamos de carro, a pé, de bicicleta ou de transporte público no Eixo Central e o que vemos é normalidade da circulação, melhor qualidade de vida para os que andam a pé, um transporte público que começa a recuperar os seus níveis de eficácia. No fundo, vemos uma cidade melhor”, avaliou, daí concluindo que é necessário reconhecer que este processo “tem vencedores e derrotados políticos”.

Estaria Fernando Medina a referir-se a João Gonçalves Pereira, o vereador do CDS-PP que liderou a contestação à forma como foi concretizado o projecto camarário? O Corvo questionou-o sobre o assunto, de seguida à intervenção do presidente da CML. “Não sei onde é que ele foi inventar essas passadeiras e árvores, que os lisboetas não conseguem observar. Isso não corresponde à verdade. Qualquer pessoa não acredita que haja ali 700 árvores, como o presidente da câmara diz. Pior, Fernando Medina, que persiste nesta narrativa que não corresponde à realidade e já se encontra em campanha eleitoral, não percebeu o impacto negativo que foi criado em termos de circulação e de estacionamento naquela zona”, afirma o vereador centrista.

Gonçalves Pereira lamenta que “o compromisso de criar lugares de estacionamento para os residentes não tenha sido cumprido” e lembra que há semáforos colocados na zona do Saldanha que não estarão a funcionar. O eleito do CDS-PP recusa ser visto como um dos derrotados políticos deste processo a quem Medina se referiu na assembleia municipal. “O senhor presidente acha que ao repetir muitas vezes aquilo que é uma mentira ela se transformará numa verdade. Nós nunca fomos contra a requalificação do Eixo Central, como ele sugere. Sempre defendemos que tal era necessário, mas com outro modelo de intervenção”, diz.

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