Cidadãos mobilizam-se contra o avanço do prédio de Souto Moura na Praça das Flores

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Samuel Alemão

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URBANISMO

Misericórdia

28 Fevereiro, 2017


Um grupo de cidadãos vai manifestar-se, entre as 11 horas e as 17h, desta terça-feira (28 de fevereiro), contra a demolição de um edifício antigo situado nos números 10 a 14 da Praça das Flores, no lugar do qual está previsto ser edificado um prédio desenhado pelo arquitecto Eduardo Souto Moura, já autorizado pela Câmara Municipal de Lisboa (CML). Após o lançamento de uma petição no mesmo sentido, na semana passada, reforça-se assim a mobilização popular em oposição ao polémico projecto, que muitos temem poder vir a significar uma irreparável descaracterização de uma das mais icónicas praças lisboetas. Com a destruição do referido imóvel, perder-se-á um cenário quase imaculado, pautado por construções de arquitectura tradicional do século XIX, a fim de nascer no seu lugar um edifício de traço contemporâneo, por muitos visto como violentador da harmonia visual do arruamento.

“Junta-te a nós, se sentes que tudo deve ser feito para preservar a beleza da Praça das Flores. Tragam placards e apitos”, apelam na convocatória feita através do Facebook os organizadores do protesto, que incluirá também responsáveis pela petição, lançada pelo grupo Fórum Cidadania LX. A recolha de assinaturas, lançada a 21 de fevereiro e que ao final da tarde desta segunda-feira (27 de fevereiro) tinha sido subscrita por pouco mais de 1190 pessoas, intitula-se “Salvar a Praça das Flores e a identidade de Lisboa”. Nela, pede-se à CML à suspensão da “demolição de um edifício histórico e construção de um edifício dissonante” na Praça das Flores n.ºs 10 a 14, no âmbito do processo de um licenciamento autorizado pelo vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, em 20 de julho de 2016. O alvará de construção foi atribuído a 6 de dezembro passado, apesar do parecer negativo dos serviços camarários, salienta o texto de suporte da petição.

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Segundo essa avaliação técnica, o edifício a demolir “possui características arquitectónicas com relevância tais como a composição simétrica, a trapeira com grande presença, o beirado à portuguesa, os cunhais de pedra, os vãos de sacada com varanda, etc, que garantem uma integração equilibrada no conjunto homogéneo das edificações que definem urbanisticamente a Praça das Flores”. E sobre a proposta de Souto Moura – muito semelhante a outro projecto seu já construído Rua do Teatro, no Porto -, o mesmo parecer terá assinalado que alguns dos seus elementos fundamentais, entre os quais o desenho proposto para o alçado, “não possuem qualquer relação com a linguagem arquitectónica dos edifícios confinantes, nem referências nas composições arquitectónicas dominantes no conjunto da Praça das Flores em termos morfológicos e tipológicos”.

O que leva os autores da petição e da mobilização desta terça-feira de Carnaval a considerarem que se está perante uma autorização cujo impacto será “a abertura de um precedente que retira à CML qualquer legitimidade para reprovar intervenções semelhantes, na Praça das Flores ou noutras praças e ruas de igual cariz, com prejuízo para a imagem e património da Cidade de Lisboa”. “Em causa está, por um lado, a perda de identidade de Lisboa, ao permitir-se a demolição de um edifício que, embora anónimo, contribui para a harmonia de uma das praças mais emblemáticas da cidade e, por outro lado, a construção de um edifício dissonante, sem nenhuma relação com a cultura arquitectónica e urbanística do centro histórico onde se insere, e que prejudica fortemente a imagem da Praça das Flores”, afirmam os peticionários, alegando ser a obra desrespeitadora do Plano Director Municipal, “bem como outras imposições legais, como os alinhamentos de pisos e vãos com os edifícios confinantes, a ocupação do logradouro e os requisitos da admissibilidade de demolições”.

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Imagem do projecto aprovado para o local. (DR)

O projecto de Souto de Moura – um prédio com cinco pisos, vidro a toda a largura da fachada, assente numa estrutura de betão armado revestida com perfis de ferro, lâminas de alumínio para ensombramento e telas de rolo – acabou por receber luz verde de um director municipal, apesar do parecer em sentido contrário dos serviços do município. Segundo o texto da petição, o referido responsável terá alegado que “na arquitectura, como em qualquer outra arte, (…) podemos ter vários olhares e todos eles válidos”. O processo havia já sido acolhido favoravelmente pela Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), auscultada por o local se situar na Zona de Protecção Especial do Bairro Alto, classificado como Conjunto de Interesse Público.

Os promotores da recolha de assinaturas – que fazem notar a crescente tendência na relação entre “arquitectos de renome” e “novos edifícios a construir implicando demolições que dificilmente se enquadram na lei” – enviaram, a a 10 de fevereiro, cartas denunciando o caso para o Ministério Público, Provedoria da Justiça e Ordem dos Arquitectos.

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