Bloco, PCP e PP reclamam co-autoria da proposta de construção de “casas acessíveis” em Entrecampos

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Samuel Alemão

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URBANISMO

Avenidas Novas
Alvalade

23 Maio, 2018


O anúncio pelo presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), Fernando Medina (PS), na semana passada, do mega-projecto de construção de habitação, escritórios, comércio, serviços e espaços verdes na área da antiga Feira Popular e em terrenos adjacentes, através da Operação Integrada de Entrecampos, trouxe a promessa de criação de sete centenas de casas de “renda acessível”. A medida parece reunir a opinião favorável quase unânime entre os partidos políticos, que em maior ou menor grau nela vêem um contributo para aliviar a grave crise de habitação a preços razoáveis para a classe média. O mesmo não se pode dizer, todavia, sobre os contornos da proposta e, sobretudo, sobre a co-autoria da mesma. Tanto o Bloco de Esquerda, como o PCP e o PP reclamam para si parte significativa do mérito por um projecto promovido pela maioria socialista na câmara e na assembleia – órgão que decidiu, nesta terça-feira (22 de Maio), criar uma comissão de acompanhamento da operação, proposta pelo PSD.

As divisões em torno dos méritos pelo lançamento da operação promovida pela câmara foram, aliás, bem evidentes nesta sessão da Assembleia Municipal de Lisboa (AML) e constituem, em grande medida, o eco da dúvida que parece ter-se instalado sobre as tais 700 casas “de renda acessível” anunciadas pela câmara. Afinal, fazem ou não parte do já conhecido Programa Renda Acessível (PRA), lançado pela autarquia em 2016? Ou constituem-se, na verdade, como um novo braço de investimento público em habitação para a classe média? As interrogações nascem da própria terminologia usada pela CML em relação às casas a disponibilizar no âmbito da Operação Integrada de Entrecampos. Nas propostas que a sustentam, levadas a reunião de câmara, e quando se fala nessas sete centenas de casa, a descrição adoptada oscila entre a genérica “habitação a renda acessível para as classes médias” e a bem mais precisa “Programa de Renda Acessível”, mas apenas quando se mencionam os 63 fogos a construir pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), através de um protocolo assinado com a câmara.

Dessa aparente dissonância semântica deu conta o deputado municipal do CDS-PP, Diogo Moura, na sessão de ontem da assembleia municipal. “Queríamos perceber se esta renda acessível de que falam vai fazer parte do Programa Renda Acessível ou estamos a falar de um programa à parte. O que é este conceito de rendas acessíveis para as classes médias?”, questionou o eleito centrista, no debate especial sobre o assunto, convocado pelo PS. Apontando vários defeitos ao projecto anunciado por Fernando Medina – com particular relevo para o que consideram a carência da função residencial em detrimento do que está planeado para escritórios -, Diogo Moura lembrou que o PP já havia proposto habitação a custos acessíveis nos terrenos da Feira Popular. O que, criticou, até nem vai acontecer nesta operação, uma vez que as casas com essa função serão relegadas para as cercanias do recinto devoluto, ficando este reservado para 279 casas de venda livre e ainda comércio e serviços. O CDS-PP, através de Assunção Cristas, propusera, a 27 de abril, a construção de casas a“custos moderados” na antiga feira e uma ocupação de 70% da sua área com habitação, sendo a restante tomada por edifícios de serviços. Diogo Moura diz agora que o plano avançado pela CML apenas dedica 16% à função habitacional.

Algo desmentido, momentos depois, por Manuel Salgado, vereador do Urbanismo. Fazendo outras contas – que incluem a totalidade da área da Operação Integrada de Entrecampos, na qual cabem terrenos municipais junto à Avenida Álvaro Pais, onde serão construídos 515 apartamentos de renda acessível, e ainda os 63 da SCML, junto à Avenida as Forças Armadas  -, Salgado disse que a área prevista de habitação será de 39,92%, mas que até poderá vir a aumentar. Rebatendo a acusação do PP de que a câmara estaria a anunciar a construção de casas onde, supostamente, elas já estariam planeadas desde o tempo da extinta EPUL, há 15 anos, o vereador garante que para esses terrenos estavam antes previstos escritórios. Mais: até confessou que, se tivesse que escolher, preferiria viver nessa área a edificar junto à Álvaro Pais e não na contígua área da antiga Feira Popular. A construção de equipamentos naquela outra zona torná-la-á mais atractiva, garante. “Irão ajudar a reforçar a sua função de bairro”, assevera.

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Rendas acessíveis ficam de fora dos terrenos da antiga Feira Popular. Serão construídas ao lado.

Considerando toda a área da operação integrada no seu todo, Salgado disse não ter dúvidas de que a sua localização junto à interface ferroviária de Entrecampos – a maior da cidade – a tornava altamente apetecível. “Não há nenhuma zona tão bem servida de transportes”, assegurou, antes de precisar o número de casas em “renda acessível” previstas nesta operação. Afinal, serão 715 e não 700, como vinha sendo anunciado. Aproveitando o momento de clarificação, e respondendo aos que lançam dúvidas sobre o que se está a prometer quando se fala em “rendas acessíveis”, o autarca afirmou que “o que está previsto é um programa acordado entre o PS e o Bloco de Esquerda, acordado entre todas as forças na câmara municipal, e uma proposta apresentada pelo PCP, em Fevereiro passado, para um programa deste tipo. É isso que vamos fazer nestes lotes”. O que, na verdade, acaba por não clarificar grande coisa. Até porque o BE e o PCP estão a assumir como sua a co-autoria desta operação de “rendas acessíveis”. Essa disputa foi ontem bem perceptível na assembleia.

Na semana passada, e depois da apresentação aos jornalistas por Fernando Medina da Operação Integrada de Entrecampos, os dois vereadores do PCP, João Ferreira e Carlos Moura, emitiram um comunicado congratulando-se pelo facto de as novas habitações destinadas a rendas acessíveis serem feitas “ao abrigo do Programa de Arrendamento a Custos Acessíveis (PACA), proposto pelos vereadores do PCP em Fevereiro deste ano e aprovado na CML por maioria”. Apreciação reforçada, nesta terça-feira na AML, pela deputada municipal comunista Natacha Amaro, a qual se referiu às sete centenas de habitações prometidas como parte do PACA. Sobre elas disse constituírem-se como uma “contributo importante para inverter a dinâmica de estagnação e descaracterização da cidade”, mesmo reconhecendo que elas não serão suficientes para resolver os problemas de habitação da capital. A eleita do PCP destacou ainda como positivo o facto de o projecto prever a construção de equipamentos sociais e a criação de espaços verdes.

Antes dela, porém, o líder da bancada bloquista, Rui Costa, também se havia manifestado satisfeito por esta “operação de capital importância para a cidade”, embora considerasse que a mesma “não comporta grandes novidades”. Depois de notar o atraso na resolução do problema dos terrenos de Entrecampos como consequência “das permutas e da visão negocista da cidade que nos conduziu até aqui”, o eleito do Bloco não deixou de manifestar a sua estranheza por haver quem viesse agora reclamar louros, “apesar de haver a promessa e uma intenção, na Operação Integrada de Entrecampos, de construção de habitação no âmbito do Programa Renda Acessível” – cuja expansão faz parte do acordo coligatório pós-eleitoral entre PS e BE . Rui Costa fez questão de salientar que estava a falar apenas deste programa, “como pilar público”, e “não de qualquer outro programa em que outras forças políticas queiram usar a denominação”. E, olhando para a bancada comunista, mas sem a nomear, até usou uma metáfora da “formiga e do elefante”, na qual, aludiu, “os dois percorrem juntos a estrada e a formiga diz para o elefante ‘já viste o pó que fazemos juntos?’”. Logo de seguida, apontando baterias ao CDS-PP, criticou “aqueles que vêm propor habitação a custos controlados, seja lá isso o que for, com um novo tipo de subprograma, sem assegurarem quais são os meios de financiamento para essa operação”.

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