Construção de estacionamento da EMEL na Graça tapa vistas e atrapalha bombeiros

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Sofia Cristino

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URBANISMO

São Vicente

25 Maio, 2018

A construção do piso superior de um estacionamento público nas traseiras do Regimento de Sapadores de Bombeiros, na Graça, está a gerar polémica junto dos defensores do património. Temem que a envergadura da obra viole o sistema de vistas dos espaços públicos e ponha em causa a integridade do Palácio Teles de Menezes do século XVIII, localizado numa Zona de Protecção de imóveis classificados. “É tudo feito às três pancadas. A EMEL está em roda livre”, critica Paulo Ferrero, membro do Fórum Cidadania Lx, que já enviou uma carta à Direcção-Geral do Património e Cultura (DGPC) e à Câmara Municipal de Lisboa (CML) a pedir que repensem a intervenção. Os bombeiros também admitem que a empreitada dificulta o seu trabalho, além de já lhes ter retirado terrenos utilizados para treinos e a própria piscina da corporação, onde muitos habitantes aprenderam a nadar. Há, porém, moradores que concordam com a criação de mais estacionamento, que consideram ser “um dos maiores problemas da freguesia”. A DGCP diz que apesar de já ter emitido dois pareceres favoráveis condicionados sobre o parque de estacionamento considera os impactos visuais da obra “aceitáveis”.

“A obra vai ter um impacto visual gigantesco. Em pleno Ano Europeu do Património Cultural vão destruir património. Quem estiver na rua, vai ver os tejadilhos dos carros”, diz Paulo Ferrero, membro do Fórum Cidadania Lx, referindo-se à construção do segundo piso do parque de estacionamento localizado nas traseiras do quartel da Graça do Regimento de Sapadores de Bombeiros. A infraestrutura, da responsabilidade da Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (EMEL), vai ter 116 lugares distribuídos por dois pisos, o que resultará num edifício de uma dimensão “inaceitável” para arquitectos estudiosos da cidade e para alguns habitantes. Esta terça-feira, dia 22 de Maio, o Fórum Cidadania Lx enviou, por isso, uma carta à Direcção-Geral do Património e Cultura (DGPC) e à Câmara Municipal de Lisboa (CML), a apelar para que reconsiderem a forma como está projectada a construção do parque de estacionamento. A obra está orçada em cerca de 940 mil euros e deverá ficar concluída em Setembro deste ano, tendo arrancado em Fevereiro.

A envergadura da empreitada, defende o movimento cívico, viola o sistema de vistas dos espaços públicos envolventes e coloca em causa a integridade do Palácio Teles de Menezes a paredes meias com o quartel. Este parque está a ser construído numa Zona de Protecção da Igreja do Mosteiro de São Vicente de Fora, do Castelo de São Jorge e restos das Cercas de Lisboa, consideradas Monumento Nacional, assim como na Zona Especial de Protecção do Edifício da Voz do Operário. O referido palacete partilha ainda um muro com o parque de estacionamento. Segundo Ferrero, há uma falta de “visão estratégica” na forma como se pensa a cidade. “É tudo feito às três pancadas. A EMEL está em roda livre, trata de tudo e não projecta as obras de forma programada. Onde a Câmara de Lisboa tem terrenos constrói, independentemente do local que é”, critica.

Visão bastante crítica tem também Gonçalo Cornélio da Silva, arquitecto. Residente na Graça, diz que desde cedo foi fácil perceber o que iria surgir ali. “Depreendi que ia ser um parque construído em altura por causa dos materiais que estavam a utilizar, mais pesados. É impressionante como estamos a destruir algo extraordinário e único no nosso país, um património social e arquitectónico que não existe no resto da Europa”, explica Cornélio da Silva, que mora ali perto, conseguindo assim acompanhar o avanço da obra. E vai mais longe, tecendo fortes críticas ao projecto da EMEL. “É óbvio que existem lobbies de construtores e muita cobardia política. O património arquitectónico português não é de grandes edifícios, é um somatório de pormenores, temos uma arquitectura vernacular e não impetuosa. É um desastre o que está a acontecer. Nem somos um país industrializado para este tipo de construções, podíamos mesmo aproveitar melhor o que temos”, considera.

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As obras de ampliação do parque estão longe de ser consensuais.

Miguel Atanásio Carvalho, ex-morador da Graça, diz que o novo parque de estacionamento é “um atentado urbanístico” por se localizar num ponto elevado do centro histórico e junto a “tanto património arquitectónico relevante”. “Se o espaço onde está a ser construído o parque fosse de uma entidade privada, o que está a acontecer já seria grave, mas sendo da CML parece-me ser mais, é das utilizações menos nobres que se poderia dar aquele lugar”, observa. O também membro do Fórum Lx Lisboa considera, ainda, que a freguesia não carece de lugares de estacionamento. “Foram abertos quatro estacionamentos na zona da Graça, cada um com 50 a 100 lugares. Ainda há muito estacionamento gratuito, o que também atrai moradores de outras partes da cidade”, explica. João Valentim, actual morador, partilha a opinião. “Não faz sentido nenhum a construção de mais um andar no parque de estacionamento, devia ser subterrâneo. Além de tirar a vista aos moradores, vai tornar a zona envolvente mais feia”, disse, no dia em que O Corvo foi ao local ver o avanço da construção.

O espaço ocupado pelo parque de estacionamento já foi local de treinos físicos dos bombeiros e de manobras de viaturas. Com a construção dos primeiros 67 lugares, em 2016, a corporação viu essa área reduzida ao ginásio, a uma piscina e a outro pequeno espaço exterior. Agora, com a construção deste piso superior, a piscina onde muitos habitantes da freguesia aprenderam a nadar também já foi eliminada. “Estão a destruir a piscina onde aprendi a nadar, é uma pena. Foi um espaço muito importante para a minha geração, íamos para lá durante o Verão”, diz uma moradora da Graça, que conhece os antigos terrenos do quartel e preferiu não ser identificada.

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Há, contudo, quem veja com bons olhos o nascimento de mais lugares. “A Graça é muito grande e faz falta um parque de estacionamento. Aqueles terrenos dentro do quartel são extensos, uma pessoa perde-se lá, têm espaço mais que suficiente para fazer isso”, comenta Luís Dinis, morador na casa dos 80 anos. Manuel Costa, 29 anos, a viver na Graça há um ano e meio, também concorda. “Adoro viver aqui, o único contra é mesmo a falta de estacionamento. Tenho de estacionar, muitas vezes, em cima do passeio e em sítios que não posso, por falta de lugares. Já tenho algumas multas. Às vezes, estaciono a mais de vinte minutos a pé de casa, não faz sentido”, comenta o jovem morador.

Os novos lugares (116) juntam-se aos 68 já existentes desde 2016, altura em que parte dos terrenos destinados aos treinos dos bombeiros eram parcialmente alocados à construção do primeiro parque de estacionamento da EMEL naquela freguesia. Nesse mesmo ano, segundo O Corvo apurou, já haveria intenção de se prosseguir com a construção de mais lugares de estacionamento. “Infelizmente, as instalações já não são nossas. Além de destruírem terrenos onde realizávamos actividades físicas, passam camiões de obras pela mesma entrada das nossas viaturas, dificultando o nosso trabalho. Entretanto, já têm parte do muro aberto, outra entrada. Já pedimos esclarecimentos à CML várias vezes, mas nunca nos respondem”, diz um elemento da corporação do Regimento de Sapadores Bombeiros, que não quis ser identificado.

Ouvida por O Corvo, a presidente da Junta de Freguesia de São Vicente, Natalina Moura (PS), diz que o estacionamento sempre foi “um dos grandes problemas da freguesia” e que a EMEL tem conseguido encontrar algumas soluções. Quanto ao parque projectado para as traseiras do Regimento de Sapadores diz que prefere aguardar por uma resposta dos órgãos competentes, nomeadamente a CML e a DGPC. “Não tenho memória de a EMEL violar a lei. Se o fizer é grave, mas não acredito que o faça”, comenta em declarações a O Corvo.


 

Contactada por O Corvo, a DGPC diz que emitiu um parecer favorável condicionado sobre o referido parque de estacionamento em Maio de 2016 e, novamente, em Janeiro de 2017. “As últimas condicionantes dizem respeito à necessidade de implementação de trabalhos arqueológicos e ao cumprimento de metodologias de reabilitação ou conservação da Muralha Fernandina”, diz em depoimento escrito a O Corvo.

Esta apreciação foi emitida em função da protecção dos valores patrimoniais presentes na Zona Geral de Protecção do Castelo de São Jorge e o resto das Cercas de Lisboa e Zona Especial de Protecção do edifício A Voz do Operário, classificado como Imóvel de Interesse Público, explica ainda. “Após uma detalhada articulação com o promotor (EMEL) e o gabinete projectista, onde foi definido um conjunto de condicionantes de salvaguarda patrimonial e de orientações de âmbito arquitectónico, entendemos que a referida construção tinha impactos visuais aceitáveis sobre os imóveis classificados”, diz a DGPC quando questionada sobre a violação do sistema de vistas que a obra implicará. Quanto à possibilidade do muro de sustentação do Palácio Teles de Menezes ruir, a DGCP diz desconhecer qualquer risco de colapso. O Corvo sabe, porém, que a CML já tem uma verba destinada para a requalificação deste muro.

 

Contacto por O Corvo, o engenheiro responsável da obra, Sérgio Valejo, remeteu sempre a resposta para EMEL, frisando que não está autorizado a dar dados sobre o projecto em questão. Questionado sobre as implicações do mesmo, o presidente da EMEL, Luís Natal Marques, não respondeu até ao momento da publicação deste artigo.

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