Anarquia de cabos nas fachadas dos prédios
Estão por todo o lado. E não ficam bem na fotografia. As cablagens das empresas de comunicações dispõem-se de forma caótica nas paredes exteriores de muitos edifícios de Lisboa. A câmara escreveu aos operadores a pedir-lhes que cumpram as regras. Mas tanto a autarquia como a Anacom admitem que é difícil resolver o problema.
Fios e mais fios. São cabos soltos, enrolados, emaranhados uns nos outros, alguns cortados, outros fazendo estranhas ligações. As fachadas dos prédios de Lisboa apresentam bastantes vezes o mais caótico dos cenários, desenhado pelas cablagens das empresas de telecomunicações. São imensos os exemplos de edifícios que, mesmo depois de terem sido sujeitos a obras de reabilitação ou apenas a uma pintura, apresentam um desolador quadro de fios colocados de forma desordenada nas paredes exteriores. Como se os mesmos tivessem sido atirados contra a fachada, de forma aleatória, sem preocupações estéticas e urbanísticas de maior.
A situação é tão comum, e perene, que até parece escapar à atenção da maioria dos cidadãos – poucos serão os que se manifestam incomodados. O que não deixa de ser estranho, já que ela tem relação directa com a fruição da qualidade arquitectónica dos edifícios, muitos deles exemplares representantes de determinadas épocas e e estilos. Seja um edifício do século XVIII ou um prédio modernista, em pedra ou em azulejo, classificado ou não, poucos escapam a este desordenamento. A quase completa ausência de fiscalização tal favorece. Se ninguém multa ou obriga a fazer as coisas de outra forma, será pouco provável que os operadores de telecomunicações se sintam motivados a mudar de atitude. A Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom) diz que a “solução não é fácil” e, no caso, sugere a coresponsabilização da Câmara Municipal de Lisboa (CML).
Este é um problema que tem décadas. E parece ter-se agudizado, nos anos mais recentes, fruto dessa inacção da fiscalização e da vitalidade do sector das comunicações. “A autarquia lisboeta, que devia ser vigilante e actuante em defesa da cidade, nada faz e mantém um silêncio e uma passividade incompreensíveis”, acusava, há poucos meses, em comunicado, o grupo de cidadãos Mais Democracia, criticando o que entende ser a situação de “impunidade e selvajaria no que toca a conservação das fachadas”. Falando da necessidade de se adoptar na capital “uma abordagem para enfrentar esta selva dos cabos”, o grupo propõe cinco medidas, suportadas na vinculação inalianável da responsabilidade das empresas de telecomunicações.
Afinal, são elas as responsáveis pelos novelos de cabos pendentes nas fachadas. “O arquitecto está sujeito às entidades que vão colocar os cabos e neles não podemos mexer. É uma situação difícil e que exige uma análise caso a caso”, admite o arquitecto Rui Vinagre, 38 anos, fazendo notar que o actual cenário “não é bonito, não é coisa que agrade à vista”. “Quando se faz intervenções nas zonas consolidadas, quase sempre este é um problema. Não é uma questão fácil”, considera Rui, salientando que, se o edifício for em pedra, é tudo mais complicado. O arquitecto defende o enterramento de cabos como a solução ideal e, quando tal não é possível, o recurso a uma calha técnica, dentro da qual se ocultam cabos e fios.
Opção que, afinal, coincide com uma das propostas apresentadas pelo Mais Lisboa: “Todos os cabos colocados no exterior das fachadas deverão ser enterrados e só na entrada dos edifícios é que poderão usar calhas técnicas da mesma cor da pintura do edifício”. Antes disso, o grupo exige que “todos os operadores de comunicações que instalem cablagens no exterior dos edifícios devem pagar uma taxa por metro de cabo à CML” e que “os operadores – para receberem licença de operação em Lisboa – não poderão transferir para os seus clientes qualquer custo decorrente deste grupo de medidas”. O Mais Lisboa defende também “a criação de mecanismos que convidem os operadores à partilha de cablagens e calhas comuns, por exemplo, pela partilha de taxas municipais.”
Questionada pelo Corvo, a Anacom diz que a solução “não é fácil, pois, na maior parte dos casos, não há infraestrutura por onde esses cabos possam passar – estamos a falar de situações que foram existindo durante vários anos, havendo cabos que já têm algumas décadas”. “Não esqueçamos que esta questão tem várias envolventes, como propriedade privada, dificuldade de acesso alternativo pelos operadores, impossibilidade de construção de outros acessos na via pública, custos associados, entre outros. O problema vai muito para além da possibilidade de intervenção da Anacom”, salienta, em resposta escrita, Ilda Matos, responsável pela comunicação da entidade reguladora.
A Anacom reconhece que “pode fiscalizar as infraestruturas de telecomunicações dos edifícios que estão abrangidas pelo ITED”, ou seja, o regulamento de Infraestruturas de Telecomunicações em Edifícios. A entidade faz notar, contudo, que “as infraestruturas que estão nas fachadas estão, na maior parte das vezes, fora desta aplicação: ou por que foram instaladas há muito tempo, numa altura em que não havia este regime, ou por que não são do edifício e são meramente redes de acesso de operadores que nem se destinam aos edifícios em questão”. “Nos casos em que há regulamentos camarários, as Câmaras Municipais podem fiscalizar”, lembra.
O Corvo quis saber também se já algum operador foi multado ou intimado a rever as suas práticas neste campo. “Nos casos em que o edifício tem infraestrutura ITED, os prestadores de serviços são obrigados a utilizá-la para o fornecimento dos seus serviços. Nesses casos, a Anacom tem procedido a ações de fiscalização e, nos casos em que há infrações confirmadas, os processos têm sido objeto de processos em contencioso”, respondeu a reguladora, relembrando que muitas destas situações não estão abrangidas por tal regime. A Anacom diz ainda que tem tido reuniões com operadores e autarquias, mas sem resultados palpáveis.
O impasse na resolução do problema é também admitido pela Câmara Municipal de Lisboa, que confirma reuniões de trabalho quer com a reguladora, quer com as empresas que operam na cidade. Uma iniciativa que nasce do “número crescente de reclamações e de situações registadas, de instalação de cablagens na via pública e nas fachadas dos edifícios, com prejuízo para a estética dos edifícios e para a qualidade do ambiente urbano”, dizem os serviços da autarquia, em resposta escrita, depois de questionados pelo Corvo sobre o assunto – no qual nem se inclui sequer o caso dos velhos cabos das antigas antenas de televisão ainda existentes em muitos prédios de habitação.
“Recentemente, esta mesma preocupação deu lugar ao envio de uma carta a todas as empresas de comunicações eletrónicas, na qual se salientou a gravidade que esta situação tem atingido e a necessidade do cumprimento escrupuloso das obrigações que decorrem das normas legais e regulamentares em vigor”, acrescenta a informação enviada pelos serviços da Câmara Municipal de Lisboa. Ou seja, tendo em conta a complexidade do quadro e a dimensão atingida pelo problema, não se prevê para tão cedo a sua irradicação. Isto quer dizer que deverá ficar tudo na mesma.