Tribunal supende utilidade pública da expropriação para construir mesquita

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Samuel Alemão

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URBANISMO

Santa Maria Maior

26 Maio, 2016


Providência cautelar trava utilidade pública da tomada de posse administrativa dos prédios da Rua do Benformoso, para se fazer nova mesquita. A decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi anunciada, ao princípio da noite de quarta-feira, pela advogada do proprietário expropriado. Horas antes, em reunião de câmara, Fernando Medina reafirmara a intenção de prosseguir com a obra e garantia estar a cumprir a lei. Mas oferecia-se para chegar a uma “solução de consenso”, apesar de o “valor da indemnização ser determinado pelo tribunal, não pela CML”. Posição que mereceu o apoio de toda a oposição. PSD fala em populismo dos que criticam o projecto.

O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa aceitou a interposição de uma providência cautelar decretando a suspensão da declaração de utilidade pública da expropriação, com carácter urgente, pela Câmara Municipal de Lisboa (CML), de três edifícios situados na Rua do Benformoso que deverão ser demolidos para, no seu lugar, se poderem construir as novas praça e mesquita da Mouraria. A acção judicial havia sido movida pelo proprietário dos prédiosque reclama um valor de indemnização cerca de quatro vezes superior ao que lhe foi imposto (a rondar o meio milhão de euros). A autarquia deverá agora ser notificada da impossibilidade legal de prosseguir com o ato de execução da expropriação, que aconteceu na tarde de segunda-feira (23 de maio).

A informação foi divulgada, ao início da noite quarta-feira (25 de maio), pela advogada do dono dos imóveis, António Barroso. Horas antes, o proprietário aproveitara o facto de a derradeira reunião do mês do executivo camarário ser aberta ao público para, mais uma vez, manifestar o seu desespero com a forma como o processo tem sido conduzido. Nos minutos anteriores, o presidente da CML, Fernando Medina (PS), havia reafirmado a intenção de construir a mesquita, mas garantiu estar disponível para “encontrar uma solução de consenso” para aquela questão. Posição que mereceu o apoio e os elogios de todos os partidos da oposição, sobretudo do PSD.

Ao princípio da noite de quarta-feira, porém, Tânia Mendes, a advogada do proprietário alvo da posse administrativa – levada a cabo pela CML na passada segunda-feira (23 de maio) -, enviou um email à redacções, dando conta da novidade. “Na sequência de notícias avançadas por vários órgãos de comunicação social, e a pedido dos nossos constituintes, vimos esclarecer que o requerimento inicial da providência cautelar com vista a obter a suspensão da declaração de utilidade pública da expropriação, com carácter urgente, foi liminarmente aceite pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa”, refere a nota escrita.

“Segue-se agora a notificação a realizar pelo tribunal do requerimento inicial da providência cautelar à Câmara Municipal de Lisboa, sendo que, de acordo com o artigo 128º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, uma vez recebido o duplicado do requerimento inicial, não se pode iniciar ou prosseguir qualquer ato de execução da expropriação”, explica a mesma comunicação escrita enviada pela advogada aos jornalistas. Quer isto dizer que o processo poderá ter entrado num imbróglio jurídico, apesar de a câmara municipal garantir que “foi tudo feito nos termos da lei”.

Horas antes, em reunião pública de executivo, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), Fernando Medina, dizia que a autarquia está disposta a chegar a “um acordo” com o dono de três imóveis expropriados na Rua do Benformoso, para que os mesmos venham a dar lugar às novas praça e mesquita da Mouraria. “Há interesse da Câmara de Lisboa em executar uma operação consensual para aquela zona. É minha vontade encontrar uma plataforma de diálogo com o proprietário”, afirmou o autarca, frisando o empenho da CML em ajudar a construir o templo, em nome da “tolerância” para com todas as confissões. No entanto, descartou responsabilidades no valor da indemnização, a qual foi “atribuída pelo tribunal e não pela câmara”, disse.

Usando da palavra no período antes da ordem do dia, Fernando Medina fez questão de abordar a polémica operação de tomada de posse administrativa dos edifícios a ser demolidos, para darem lugar ao novo templo da comunidade islâmica do Bangladesh. “A câmara tem-se pautado pelo apoio à actividade das diversas confissões religiosas, numa atitude – que me parece adequada – de não ter qualquer tipo de discriminação, apoiando as construções, na proporção e na medida das posses, das conjunturas, das partilhas e dos envolvimentos das próprias comunidades, mas também da relevância que estas infra-estruturas vão desempenhando ao logo do tempo. A CML tem, ao longo dos anos, apoiado as diferentes confissões religiosas, sem discriminação de qualquer tipo”, afirmou.

Tribunal supende utilidade pública da expropriação para construir mesquita

Momento em que inquilinos e senhorio foram sujeitos à expropriação.

Fernando Medina recordou que a intenção de construção da mesquita “já vem de 2009”, integrada no mais amplo processo de reabilitação urbana da Mouraria, do qual faz parte o novo espaço público que ligará as ruas da Palma e do Benformoso, a Praça da Mouraria – sobre a qual se construirá o templo muçulmano. “A opção de fundo tomada pela cidade sobre esta matéria é conhecida há muito tempo, desde 2012 que se conhece o projecto de arquitectura, e é uma opção amplamente consensual do ponto de vista da solução e do desenvolvimento da cidade”, afirmou, antes de salientar que “a expropriação decorreu nos termos da lei, foi aprovada em reunião de câmara, tendo posteriormente a sua utilidade pública sido aprovada pelo Governo”.

Mas o autarca fez questão de declarar “a total disponibilidade da Câmara Municipal de Lisboa para que este processo decorra com normalidade e com acordo entre as partes envolvidas”. Lembrou, no entanto, que a indemnização relativa à expropriação dos prédios “foi estabelecida pelo tribunal, não pela Câmara de Lisboa, nesta fase do processo, não se constituindo como definitivos o valor e a forma sobre a qual se reveste este processo”.

“Ao contrário do que muitos dizem, não se trata de nenhum imóvel histórico ou classificado. Trata-se de um imóvel que sofreu uma intervenção do proprietário, que merece, naturalmente, o respeito e a devida ponderação dos valores em curso”, considerou.

Medina reforçou que os valores da expropriação são ditados pelo tribunal e não pela CML. E disse que “esta não é uma decisão definitiva, mas sim uma proposta para a fase amigável que decorrerá sobre este assunto”. Além disso, garantiu haver, da parte da câmara, “vontade e, mais que isso, todo o interesse em consensualizar uma solução para aquela zona”.

Para que tal aconteça, explicou, ele mesmo irá “promover uma reunião com os interessados, para que possa ouvir de viva voz alguns elementos que têm vindo a público e que, de todo, não eram de conhecimento alargado de todos os intervenientes”. “Farei isso com gosto e empenho”, disse. E avisou: “Quem se opõe à construção de mesquitas em Lisboa só tem uma resposta clara, de discordância: Lisboa é uma cidade aberta, que se baterá pela liberdade de culto e de sã convivência dos que escolhem cá viver”.

Estas palavras merecerem o total apoio do vereador António Prôa (PSD), que aplaudiu a intenção de Medina de promover uma solução de consenso. “Esta não é uma situação normal, é excepcional e deve ser encarada como tal”, afirmou o eleito social-democrata, apontando, contudo, a necessidade de se encontrar uma solução que contemple “o respeito pela propriedade privada”.

Prôa fez questão de “reafirmar, de modo claro e inequívoco”, o apoio à construção da mesquita, como já demonstrado antes pelo PSD aquando da aprovação do projecto em reunião de câmara. “Ser-me-ia mais fácil não dizer nada ou ir atrás de algum populismo que, infelizmente, graça na nossa sociedade. Sinto que é nossa obrigação, enquanto responsáveis políticos, contrariar essa atitude completamente irresponsável”, afirmou o eleito laranja.

“Devemos e temos obrigação de contribuir para construir uma sociedade tolerante e inclusiva”, disse o vereador social-democrata, notando que “Lisboa sempre foi uma cidade aberta ao mundo, somos exemplares há séculos”. “Um estado laico não é um Estado em que os seus agentes ignoram a realidade da sociedade. É uma sociedade em que os seus agentes estão sensíveis e próximos da sensibilidade dessa sociedade. Se há uma comunidade que vê como necessidade ter uma mesquita, acho que é obrigação do município contribuir para que isso se concretize. Bem esteve a CML no passado, quando fez o mesmo com outras confissões religiosas”, afirmou Prôa, considerando que este é “um sinal de tolerância” dado por Lisboa.

De seguida, o vereador do CDS-PP, João Gonçalves Pereira, lembrou que é importante separar “duas questões completamente diferentes, que não se devem misturar”. “Uma é a construção da mesquita, e aí a penso que não há nenhuma espécie de dúvida entre as forças aqui presentes em relação à posição do município. A outra questão tem que ver com a expropriação e aí, como o senhor presidente disse, deve haver uma tentativa da câmara para encontrar uma solução consensual”, afirmou o eleito centrista, alertando para o “erro” de misturar as duas questões. Gonçalves Pereira lembrou a “absoluta concordância do CDS com a construção da mesquita”. Já João Ferreira, do PCP, limitou-se a dizer que está “de acordo” com o projecto.

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