Onde está a Torre da Péla?

REPORTAGEM
Isabel Braga

Texto

Paula Ferreira

Fotografia

URBANISMO

Santa Maria Maior

21 Janeiro, 2016

Na encosta poente do Martim Moniz, à Rua do Arco da Graça, fica uma das poucas das sete dezenas de torres da muralha fernandina que ainda permanece de pé. Mas ninguém dá por ela, perdida no meio da urbanização da EPUL recentemente ali construída. O Corvo recorda a história desta peculiar construção.

A Torre da Péla, parte integrante da chamada Cerca Nova ou Cerca Fernandina e uma das poucas torres que restam das mais de setenta que faziam parte desse sistema defensivo da cidade de Lisboa construído no último quartel do século XIV, passa quase despercebida na encosta ocidental do Largo do Martim Moniz.

É que, quase encostada à torre, está a parede de um prédio de uma urbanização da EPUL, 130 apartamentos divididos por cinco blocos, cuja construção, autorizada no tempo em que João Soares era presidente da Câmara Municipal de Lisboa, se arrastou desde 2003, num processo controverso e acidentado, que incluíu a falência do empreiteiro e várias alterações ao projecto.

Aparentemente, não foi respeitada qualquer zona de protecção em volta da Torre da Péla – que, no caso dos monumentos nacionais, é de 50 metros. Neste caso, haveria ainda que respeitar uma zona especial de protecção de 180 metros, contada a partir da primeira, em que construção tem que ser vistoriada e o projecto aprovado pela Direcção-Geral do Património Cultural.



O problema será, também, burocrático, uma vez que a Torre da Péla não está individualmente classificada como Monumento Nacional. É que, embora faça parte do conjunto do Castelo de São Jorge, que tem essa classificação, a torre não aparece incluída na lista dos monumentos e vestígios ligados ao castelo, apesar de ser o mais avultado dos que restam da muralha mandada construir pelo rei Dom Fernando depois de a antiga cerca moura ou cerca velha se ter revelado inútil para proteger os novos bairros que, em meados do século XIV, tinham já surgido na capital, fora desse perímetro.

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O intervalo que a separa a Torre da Péla da parede de um do blocos de apartamentos não ultrapassa os dois metros, intervalo esse que está protegido por uma cobertura de um material semelhante ao vinil – proporcionando um recanto ideal para quem deseja passar a noite ao abrigo da chuva e do vento. A demonstrar essa utilização estão os muitos detritos, incluindo papéis, restos de comida e embalagens vazias que juncam o solo, e um persistente cheiro a urina.

Do outro lado da Torre, a distância é maior, mas não o suficiente para permitir ao monumento destacar-se na encosta. Na parte de cima da escadaria, um gradeamento serve de varão para a população local estender roupa. Um transeunte que não esteja alertado para a existência da Torre da Péla, e mesmo que não seja turista, pode perfeitamente passar pelo Martim Moniz e não dar por ela.

Quem não está nada satisfeito com a situação é Xuemin Wang, um estudante chinês de 31 anos, que está a fazer um doutoramento em economia no ISCTE, e que, com um amigo, abriu o restaurante “Lemin Cuisine” no prédio da EPUL mais próximo da Torre da Péla.

“Há pessoas sem-abrigo que dormem aqui, fazem piqueniques, este canto funciona como um WC ao ar livre”, lamenta o cidadão chinês, que considera Lisboa “uma cidade óptima para investir em turismo”, com algumas ressalvas.

“Temos tudo para fazer dinheiro, oportunidades de negócio, turistas, o clima é maravilhoso, mas temos um problema, a burocracia. Vou dar um exemplo: eu queria que houvesse uma tabuleta, qualquer coisa, ali em baixo, no Largo do Martim Moniz, onde passa muita gente, a indicar o que é a Torre da Péla, mas não consigo”, afirma.

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Neste largo no sopé da Mouraria, que hoje constitui o centro da Lisboa multi-étnica e multi-cultural, a Torre da Péla não é o único monumento pouco respeitado pelas autoridades municipais.

A Capela de Nossa Senhora da Saúde, fundada em 1505 pelos artilheiros da cidade de Lisboa e dedicada a São Sebastião, protector de males como a guerra, a fome e a peste, quase foi engolida por um imóvel de qualidade arquitectónica muito duvidosa, o Centro Comercial da Mouraria, construído nos anos 1980, no tempo em que Krus Abecassis era presidente da câmara municipal.

E pode considerar-se que teve sorte a capelinha que está no centro da mais antiga procissão que se realiza em Lisboa. Isto porque, ainda nos anos 1970, a sua demolição foi seriamente encarada pela autarquia.

*  Texto rectificado às 15h50 de 23 de Janeiro. Emenda quarto parágrafo.

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