Estação de Sul e Sueste, obra de Cottinelli Telmo, “corre risco de ruína”

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Fernanda Ribeiro

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URBANISMO

Santa Maria Maior

13 Julho, 2015


Uma das mais emblemáticas obras do arquitecto Cottinelli Telmo, a antiga Estação Fluvial de Sul e Sueste, está ao abandono, mesmo em frente ao Ministério das Finanças, ao lado do Terreiro do Paço. Chegou a haver projecto de recuperação adjudicado e dinheiro para realizar a obra, cuja interrupção custou mais de 900 mil euros ao erário público. Mas, agora, ninguém parece estar interessado no seu destino. Que, se nada for feito, pode ser a ruína.

A antiga Estação Fluvial de Sul e Sueste, um edifício emblemático da arquitectura modernista e uma das obras de Cottinelli Telmo, a quem este ano foi dedicada uma exposição no Padrão dos Descobrimentos, é “uma pedra no sapato” para todos os responsáveis pelo património da cidade de Lisboa. Quem o afirma é a arquitecta Ana Costa, neta de Cottinelli Telmo e a quem foi pedido um projecto de reabilitação nunca concretizado.

Classificada monumento de interesse público em 2012, num momento em que estava já votada ao abandono, a estação fluvial onde antigamente se apanhavam os barcos para o Barreiro, rumo ao Sul, permanece sem utilização, há vários anos. Está cada vez mais degradada, apesar de se situar na zona nobre de Lisboa, mesmo em frente ao Ministério das Finanças e bem perto da Ribeira das Naus, com a qual contrasta, após a requalificação promovida pela autarquia lisboeta.

As fachadas da antiga estação foram recentemente pintadas de branco, mas os sinais de degradação continuam à vista, seja nas platibandas apodrecidas, seja nos vidros partidos que deixam ver partes do interior, com andaimes montados e agora despojado das decorações de outrora – entre elas, os azulejos polícromos que revestiam as suas paredes.

“O que fizeram aqui foi só uma pintura, para lavar a cara e ouvi até dizer que isto era para deitar abaixo”, diz José Manuel Fernandes Vicente, um sem-abrigo de 69 anos que, há quatro meses, dorme junto aos portões da antiga estação e é, aparentemente, o único usuário deste monumento. “Se deitarem isto abaixo, lá vou ter de mudar de casa, mas ainda não deve ser para já. Isto já está assim há tanto tempo”, acrescenta o homem, com algum humor.

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José Manuel é o único utilizador regular da estação, cuja entrada lhe serve de abrigo.

Mas, caso nada seja feito e não se concretize a curto prazo um projecto de contenção e recuperação, “a estação corre risco de ruína”, afirma Ana Costa, arquitecta a quem, em 2003, foi encomendado pelo Metropolitano de Lisboa um projecto para o interface, com a construção de uma nova estação fluvial – já inaugurada em 2011 – e a reabilitação da antiga. Uma obra, entretanto, abandonada pela empresa, que ali apenas recuperou o pontão, a servir agora de cais de embarque do Yellow Boat, um barco turístico.

A empreitada global contou, aliás, com fundos comunitários. “O corpo principal do edifício original da Estação Fluvial do Terreiro do Paço, projectada pelo arquitecto Cottinelli Telmo, será integralmente recuperado, mantendo as suas funções de grande átrio/vestíbulo do Interface e a sua qualidade de espaço de representação”, afirmava a memória descritiva do projecto global, que foi interrompido quando chegou à fase de reabilitação da antiga estação onde se apanhavam os barcos para o Barreiro.

Para Ana Costa, “não faz sentido deixar aquilo assim”, até porque o dinheiro que se gastou, desistindo da recuperação, diz, teria dado para pagar a obra de reabilitação e para ter agora, junto ao Terreiro do Paço, um edifício de qualidade, com um uso compatível.

Ana Costa avança mesmo a ideia de que o edifício de Cottinelli Telmo “poderia ser usado como cais de embarque dos barcos turísticos. Há uma ideia de reabilitar aquela frente para o transporte turístico e poder-se-ia executar o projecto nesse âmbito”, frisa a arquitecta, segundo a qual nisso demonstraram interesse, há já três anos, quer a Câmara Municipal de Lisboa (CML), quer a Associação Turismo de Lisboa (ATL), entidade que envolve vários parceiros privados e é presidida por Fernando Medina, presidente da CML.

“Quando (em 2003) pegámos no projecto de reabilitação, a estrutura estava ainda bastante bem e podia ser recuperada sem custos muito elevados. O projecto chegou a ser adjudicado pelo Metropolitano, os azulejos foram removidos e guardados pela empresa, mas depois a obra foi abandonada. Só a indemnização que o Metro pagou ao empreiteiro (pelo facto de ter os trabalhos parados) deve ter custado o mesmo que acabar a obra”, disse ao Corvo Ana Costa.

Fonte do Metropolitano de Lisboa referiu ao jornal Público, em 2012, data em que o edifício foi classificado de interesse público, serem necessários 11 milhões de euros para terminar a obra. Mas a arquitecta Ana Costa nega que, na altura, o custo fosse tão alto. “Não seria preciso gastar tanto e não faz sentido não terem levado a obra até ao fim”, sustenta.

O Corvo contactou o Metropolitano de Lisboa, a quem pediu esclarecimentos sobre os motivos que levaram a empresa a não concluir aquela obra e sobre quanto custou ao erário público não a realizar e indemnizar o empreiteiro. Quase quatro anos depois de ter abandonado a obra, o Metropolitano diz não ter ainda todas as contas feitas.

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“Na altura de exclusão da 2ª fase da empreitada, o Metropolitano de Lisboa indemnizou o empreiteiro em 900 mil euros, conforme estipulado no código dos contratos públicos. Contudo, o valor final não se encontra totalmente contabilizado, dado que ainda não foi elaborada a conta final da empreitada”, diz a transportadora.

O Corvo tentou igualmente ouvir a tutela, a Secretaria de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações, e saber qual o destino que o governo quer dar aquele património, pintado de branco e deixado ao abandono. Mas, ao fim de diversos contactos telefónicos, feitos ao longo de uma semana, nenhuma resposta concreta surgiu.

“Não comentamos. O edifício é propriedade da CP”, limitou-se a dizer António Ferrari, assessor de imprensa de Sérgio Monteiro, Secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações. Da CP, proprietária do edifício, a resposta foi igualmente evasiva. “A CP está a estudar várias possibilidades de requalificação e valorização daquele património ferroviário, não pretendendo, para já, adiantar mais pormenores”, diz a entidade que detém aquele património, depois de o ter deixado vários anos sem uso.

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A elegância do interior da Estação de Sul e Sueste, na altura em que foi inaugurada.

E a avaliar pelo silêncio e ausência de respostas obtidas pelo Corvo, o sem-abrigo José Manuel Fernandes Vicente não terá tão cedo de procurar nova “casa”. E pode continuar a dormir um sono descansado sob a estação de Cottinelli Telmo, se entretanto ela não lhe cair em cima.

O Corvo contactou igualmente a Câmara Municipal de Lisboa para saber se esta continua interessada em promover a reabilitação da estação – que foi desenhada em 1928 por Cottinelli Telmo e inaugurada em 1932 -, para lhe dar agora outro uso, como terminal de barcos turísticos. Mas nenhuma resposta chegou.

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