Grupo de cidadãos pede ajuda a Rafael Nadal para salvar quarteirão da Suíça

ACTUALIDADE
Samuel Alemão

Texto

URBANISMO

Santa Maria Maior

29 Junho, 2018

Depois do choque, o apelo à benemerência económica e à sensibilidade patrimonial. O grupo cívico Fórum Cidadania LX escreveu uma carta aberta dirigida a Rafael Nadal, apelando à boa consciência do tenista espanhol, enquanto novo proprietário do quarteirão onde se encontra localizada a Pastelaria Suíça, para ajudar a manter intacta a memória do local. No documento, divulgado na tarde desta quinta-feira (28 de Junho), e ainda sob o efeito surpresa da notícia do encerramento a breve prazo do icónico estabelecimento comercial, divulgado na véspera, chama-se a atenção do desportista para a importância simbólica e patrimonial para a cidade de Lisboa daquele quarteirão, adquirido em Março passado, por 62 milhões de euros, pela Mabel Capital, na qual o desportista é um dos investidores. “Estimado Rafael Nadal, não mate as nossas memórias!”, apelam.

“Esperamos todos que o seu investimento no conjunto de edifícios da Praça Dom Pedro IV (Rossio), n. 96-122 e Praça da Figueira, n.1-7, conjunto conhecido em Lisboa como o “quarteirão da Suíça”, tenha êxito e devolva aquele conjunto histórico a vida que perde há já algumas décadas, preso que tem estado a um processo de degradação física até agora imparável. Seja muito bem vindo!”, dizem os subscritores do apelo, enviado tanto à Mabel Capital como à Fundação Rafael Nadal, antes de recordar a importância para a capital portuguesa do referido quarteirão, sobretudo pelos estabelecimentos comerciais nele localizados: a loja de chás e cafés Pérola do Rossio, a Casa da Sorte, a Joalharia Portugal, a antiga Casa do Bacalhau (Francisco Silva & Silva) e a Pastelaria Suíça – “cuja história na cidade é tão importante, que não há ninguém em Lisboa que não saiba onde fica o “Quarteirão da Suíça.”


Fazendo um enquadramento histórico-patrimonial do local e dos comércios nele existentes, os membros do grupo de activistas sublinham o potencial de valorização associado à preservação dos mesmos. “Todas estas lojas têm um grande valor para um bom investimento de Rafael Nadal em Lisboa, se essa (salvaguarda dessas lojas) for a sua decisão. Estamos certos do que escrevemos”, dizem, acrescentando que, no caso da pastelaria Suíça, depois de recuperada, “segundo o que foi nos anos 60 e 70”, incluindo esplanada, fachada, interior, e sem esquecer o “muito bom nível” do serviço e a qualidade dos produtos de então, a mesma poderá constituir-se como “o espaço ideal para o futuro hotel de Rafael Nadal em Lisboa”, podendo a pastelaria aberta em 1922 passar a funcionar como “uma referência” para essa unidade hoteleira – cuja construção foi aprovada pela câmara municipal já em 2009, mas não avançou devido à contestação do grupo Cidadãos por Lisboa, parte da então coligação maioritária.

A carta aberta elucida Nadal sobre o ambiente cosmopolita que se viveu no estabelecimento durante a Segunda Guerra Mundial, ao ter funcionado como ponto de encontro de alguns intelectuais judeus em trânsito para os Estados Unidos da América, fugindo do horror nazi. Peggy Gugenheim, Max Ernst, Hannah Arendt são os nomes citados como frequentadores da esplanada que a Suíça abriu por aquela altura – local onde, pela primeira vez, se viram na capital portuguesa mulheres a fumar e sem companhia masculina, o que causou alguma sensação à época. Orson Welles, Maria Callas, Edward Kennedy são outros dos famosos apontados como tendo frequentado o espaço exterior da Suíça. Razão para os signatários pedirem ao famoso tenista espanhol para não rasurar tais memórias.

O texto apela ainda a Rafael Nadal para que “recupere os edifícios, preserve as mansardas do tempo do Marquês de Pombal e devolva a patina a este conjunto monumental”. Mas também lhe pede que rapidamente, mande retirar das fachadas dos edifícios “os azulejos horríveis que lhes foram colocados e lhes devolva as paredes pintadas, como sempre foram e assim era apanágio desde o pós-Terramoto de 1755”. Uma referência à polémica colocação de azulejos na fachada do quarteirão virada para a Praça da Figueira, ocorrida no início do ano e dando seguimento a um muito contestado projecto do arquitecto Daciano da Costa, datado de 2001.

O anúncio do encerramento da Pastelaria Suíça foi feito pelo vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Duarte Cordeiro (PS), na passada quarta-feira (27 de Junho), durante a reunião pública de vereação. O autarca explicou que o quase centenário estabelecimento já não se juntaria ao lote dos reconhecidos com a distinção Lojas com História, pois o seu proprietário havia endereçado uma carta à câmara, na semana passada, na qual dava conta da intenção de encerrar a pastelaria “num futuro próximo”.

MAIS
ACTUALIDADE

COMENTÁRIOS

  • Jorge Ferreira
    Responder

    LOL… é para rir?? Os proprietários decidiram fechar… fecham! Talvez o Fórum Cidadania LX possa considerar dedicar-se à restauração “para ajudar a manter intacta a memória do local”…
    Certamente a Memória, se afinal é de Memória que se trata, manter-se-à com Pastelaria Suiça ou sem Pastelaria Suiça. Não é essa mesmo a natureza das “Memórias”? Afinal o quarteirão, como o conhecemos hoje, só existe desde o pós terramoto. Antes disso lá estaria o Hospital de Todos os Santos cuja “Memória”, após 260 de ausência, ainda se mantém… A Pastelaria Suiça instala-se no local em 1922. Algo lá deverá ter existido entre esses dois acontecimentos que foi encerrado e remodelado, para dar lugar à Pastelaria que está agora para encerrar. O local será portanto feito de várias outras memórias acumuladas através dos séculos, que certamente se manterão para lá de Nós, da Pastelaria Suiça, ou de outra pastelaria qualquer que por lá se venha a instalar. Afinal qual a “Memória” que o Fórum Cidadania LX quer manter? A de hoje? A dos anos 1940? A de há 100 anos atrás? A de há 300 ou 500? A do hipódromo Romano que existiu no local? Todas as “Memórias”?
    No caso da Pastelaria Suiça nem os interiores, exemplos tão característicos do “Nacional Pirosismo” dos anos 1980/1990, merecem grande atenção…

  • Rui Vieira
    Responder

    Como foi possível permitirem a colocação daquela aberração de azulejos, que nada tem a ver com o estilo arquitectónico e decorativo dos restantes edifícios que o envolve! Aquela aberração visual tem que ser retirada! Pintem-no simplesmente!

  • Eugénio Ramalho
    Responder

    Faz lembrar o antigo jogo do Monopolio, comprar o Rossio e carrega-lo de hoteis, cada vez que la passarmos somos taxados …

  • LX
    Responder

    A memória que eu tenho é pagar 2 euros por uma bica…enquanto cidadão portugues é um insulto e com empregados mal educados e só de sorriso para estrangeiros. Muito me agrada o seu encerramento e serem vitimas da sua ganância e outros que tais…Encerramento e desemprego é bem feito para todos os que assim agem contra a classe média nacional!!

  • Ana Santos
    Responder

    A Pastelaria Suíça é uma memória coletiva.

  • Ana Nogueirs Simões
    Responder

    A Pastelaria Suíça não tem qualquer interesse histórico e o Rossio precisa desesperadamente de recuperação.
    Há muitos problemas por resolver na cidade e sim, o Medina anda a pairar sem ver nenhum deles. Mas a recuperação de prédios e quarteirões feita por investidores internacionais é uma bênção que deve ser bem aproveitada por um país descapitalizado e com medo de investir. Esperemos que a “moda” dos investidores imobiliários dure mais 2 ou 3 anos, porque ainda há muito prédio em ruínas em pleno centro da capital. E quando a “moda” passar… os prédios ficaram recuperados e os preços baixam tornando-os acessíveis (também) aos portugueses.

  • Alexandra Piedade
    Responder

    Em criança, fui muitas vezes à pastelaria Suiça e tenho óptimas memórias dos almoços e lanches com a minha avó. Anos mais tarde voltei ao local. A decoração horrível, os preços altos e a falta de qualidade no geral fizeram com que nunca mais lá voltasse. Como tal, não vejo qualquer justificação para este pedido de manter o espaço aberto tal como existe agora. As memórias importantes ficam para sempre connosco mesmo que os espaços mudem. Venha a mudança!

Deixe um comentário.

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

O Corvo nasce da constatação de que cada vez se produz menos noticiário local. A crise da imprensa tem a ver com esse afastamento dos media relativamente às questões da cidadania quotidiana.

O Corvo pratica jornalismo independente e desvinculado de interesses particulares, sejam eles políticos, religiosos, comerciais ou de qualquer outro género.

Em paralelo, se as tecnologias cada vez mais o permitem, cada vez menos os cidadãos são chamados a pronunciar-se e a intervir na resolução dos problemas que enfrentam.

Gostaríamos de contar com a participação, o apoio e a crítica dos lisboetas que não se sentem indiferentes ao destino da sua cidade.

Samuel Alemão
s.alemao@ocorvo.pt
Director editorial e redacção

Daniel Toledo Monsonís
d.toledo@ocorvo.pt
Director executivo

Sofia Cristino
Redacção

Mário Cameira
Infografias & Fotografia

Paula Ferreira
Fotografía

Catarina Lente
Dep. gráfico & website

Lucas Muller
Redes e análises

ERC: 126586
(Entidade Reguladora Para a Comunicação Social)

O Corvinho do Sítio de Lisboa, Lda
NIF: 514555475
Rua do Loreto, 13, 1º Dto. Lisboa
infocorvo@gmail.com

Fala conosco!

Faça aqui a sua pesquisa

Social Media Auto Publish Powered By : XYZScripts.com

Send this to a friend