Grupo de cidadãos pede ajuda a Rafael Nadal para salvar quarteirão da Suíça
Depois do choque, o apelo à benemerência económica e à sensibilidade patrimonial. O grupo cívico Fórum Cidadania LX escreveu uma carta aberta dirigida a Rafael Nadal, apelando à boa consciência do tenista espanhol, enquanto novo proprietário do quarteirão onde se encontra localizada a Pastelaria Suíça, para ajudar a manter intacta a memória do local. No documento, divulgado na tarde desta quinta-feira (28 de Junho), e ainda sob o efeito surpresa da notícia do encerramento a breve prazo do icónico estabelecimento comercial, divulgado na véspera, chama-se a atenção do desportista para a importância simbólica e patrimonial para a cidade de Lisboa daquele quarteirão, adquirido em Março passado, por 62 milhões de euros, pela Mabel Capital, na qual o desportista é um dos investidores. “Estimado Rafael Nadal, não mate as nossas memórias!”, apelam.
“Esperamos todos que o seu investimento no conjunto de edifícios da Praça Dom Pedro IV (Rossio), n. 96-122 e Praça da Figueira, n.1-7, conjunto conhecido em Lisboa como o “quarteirão da Suíça”, tenha êxito e devolva aquele conjunto histórico a vida que perde há já algumas décadas, preso que tem estado a um processo de degradação física até agora imparável. Seja muito bem vindo!”, dizem os subscritores do apelo, enviado tanto à Mabel Capital como à Fundação Rafael Nadal, antes de recordar a importância para a capital portuguesa do referido quarteirão, sobretudo pelos estabelecimentos comerciais nele localizados: a loja de chás e cafés Pérola do Rossio, a Casa da Sorte, a Joalharia Portugal, a antiga Casa do Bacalhau (Francisco Silva & Silva) e a Pastelaria Suíça – “cuja história na cidade é tão importante, que não há ninguém em Lisboa que não saiba onde fica o “Quarteirão da Suíça.”
Fazendo um enquadramento histórico-patrimonial do local e dos comércios nele existentes, os membros do grupo de activistas sublinham o potencial de valorização associado à preservação dos mesmos. “Todas estas lojas têm um grande valor para um bom investimento de Rafael Nadal em Lisboa, se essa (salvaguarda dessas lojas) for a sua decisão. Estamos certos do que escrevemos”, dizem, acrescentando que, no caso da pastelaria Suíça, depois de recuperada, “segundo o que foi nos anos 60 e 70”, incluindo esplanada, fachada, interior, e sem esquecer o “muito bom nível” do serviço e a qualidade dos produtos de então, a mesma poderá constituir-se como “o espaço ideal para o futuro hotel de Rafael Nadal em Lisboa”, podendo a pastelaria aberta em 1922 passar a funcionar como “uma referência” para essa unidade hoteleira – cuja construção foi aprovada pela câmara municipal já em 2009, mas não avançou devido à contestação do grupo Cidadãos por Lisboa, parte da então coligação maioritária.
A carta aberta elucida Nadal sobre o ambiente cosmopolita que se viveu no estabelecimento durante a Segunda Guerra Mundial, ao ter funcionado como ponto de encontro de alguns intelectuais judeus em trânsito para os Estados Unidos da América, fugindo do horror nazi. Peggy Gugenheim, Max Ernst, Hannah Arendt são os nomes citados como frequentadores da esplanada que a Suíça abriu por aquela altura – local onde, pela primeira vez, se viram na capital portuguesa mulheres a fumar e sem companhia masculina, o que causou alguma sensação à época. Orson Welles, Maria Callas, Edward Kennedy são outros dos famosos apontados como tendo frequentado o espaço exterior da Suíça. Razão para os signatários pedirem ao famoso tenista espanhol para não rasurar tais memórias.
O texto apela ainda a Rafael Nadal para que “recupere os edifícios, preserve as mansardas do tempo do Marquês de Pombal e devolva a patina a este conjunto monumental”. Mas também lhe pede que rapidamente, mande retirar das fachadas dos edifícios “os azulejos horríveis que lhes foram colocados e lhes devolva as paredes pintadas, como sempre foram e assim era apanágio desde o pós-Terramoto de 1755”. Uma referência à polémica colocação de azulejos na fachada do quarteirão virada para a Praça da Figueira, ocorrida no início do ano e dando seguimento a um muito contestado projecto do arquitecto Daciano da Costa, datado de 2001.
O anúncio do encerramento da Pastelaria Suíça foi feito pelo vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Duarte Cordeiro (PS), na passada quarta-feira (27 de Junho), durante a reunião pública de vereação. O autarca explicou que o quase centenário estabelecimento já não se juntaria ao lote dos reconhecidos com a distinção Lojas com História, pois o seu proprietário havia endereçado uma carta à câmara, na semana passada, na qual dava conta da intenção de encerrar a pastelaria “num futuro próximo”.