Polémico projecto imobiliário de luxo previsto para a Damasceno Monteiro, na Graça, será viabilizado pelo PSD

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Sofia Cristino

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São Vicente

18 Fevereiro, 2019

A votação do condomínio privado deveria ter acontecido no passado dia 13 de Dezembro, em reunião camarária, mas tem sido consecutivamente adiada. O CDS, o PCP e o BE garantiram, em Dezembro passado, que votariam contra o projecto imobiliário Terraços do Monte e a decisão final ficou nas mãos do PSD, que estaria indeciso na apreciação do mesmo. Apesar de ainda não ser conhecida a nova data de votação, o vereador do PSD João Pedro Costa avança a O Corvo que o seu sentido de voto será positivo. Segundo um estudo geológico favorável à construção, não haverá deslizamento dos terrenos. Garantia que terá deixado o social-democrata com menos reservas. Depois de ver uma nova projecção do empreendimento, a sua volumetria também deixou de ser motivo de dúvidas. O projecto inicial foi alterado várias vezes, por não respeitar o sistema de vistas e a volumetria ser excessiva para aquela zona da cidade. O Fórum Cidadania Lx chegou a pedir o chumbo do condomínio, mas este deverá mesmo avançar.

Nos números 11 e 13 da Rua Damasceno Monteiro, ao lado das Escadinhas do Monte, dezenas de turistas param para usufruir e fotografar a vista desafogada sobre a cidade. Brevemente, porém, deixarão de o poder fazer. O novo empreendimento de luxo planeado para aqueles terrenos na colina da Graça deverá mesmo avançar – apesar da contestação dos moradores e dos vereadores do CDS, PCP e BE. A votação do projecto imobiliário deveria ter acontecido no passado dia 13 de Dezembro, mas os vereadores do PSD pediram o adiamento por necessitarem de mais tempo para analisarem a proposta. Na altura, o CDS, o PCP e o BE garantiram que votariam contra e a decisão final ficou nas mãos dos dois vereadores do PSD, Teresa Leal Coelho e João Pedro Costa, bastando o voto favorável de um para o projecto avançar.

Ainda não se sabe quando o dossiê será votado, mas o vereador do PSD João Pedro Costa garante, agora, a O Corvo, que, após analisar os resultados do estudo geológico da empresa Geocontrole, bem como uma nota técnica sobre este estudo e um perfil completo do projecto integrado na colina inteira, votará favoravelmente. “A volumetria dos prédios já não me assusta, parece-me que terá muito menos impacto do que o inicialmente previsto. A primeira fotomontagem à qual tive acesso era assustadora, mas a mais recente, com uma diferença significativa, não me preocupa”, afirma. O possível deslizamento de terra também era outra das preocupações, agora mitigada. “Precisava de uma garantia de que não aconteceria novamente um episódio já com histórico naquela zona. Estou mais confortável com os resultados da análise geotécnica”, diz.

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O condomínio Terraços do Monte deverá agora ser aprovado pela vereação

O condomínio privado prevê a construção de dois blocos de prédios autónomos, com 28 apartamentos, ginásio e piscina. Do lado da Damasceno Monteiro, ficarão visíveis três pisos e uma cobertura, para a qual se prevê a instalação de quatro piscinas. As tipologias variam entre o T1 e o T4 e todos os moradores compartilham uma cave em comum, nos andares -2, -3 e -4, correspondentes a um estacionamento subterrâneo. No lado sudoeste, uma parcela de terreno é dedicada à construção de uma piscina comum e um jardim. O empreendimento chama-se Terraços do Monte e foi desenhado pelos arquitectos Nuno Mateus e José Mateus, do atelier de arquitectura ARX, para a empresa VGPT I – Investimentos Imobiliários.

 

No site da VGPT I, lê-se que o conceito arquitectónico baseou-se na ideia de “construir miradouros”, com varandas panorâmicas e terraços, como forma de “levar ao extremo a possibilidade de olhar para os arredores e criar terraços e varandas, de onde se pode apreciar uma vista extraordinária”. Todos os apartamentos “oferecem vistas impressionantes da cidade velha de Lisboa, o emblemático Castelo de São Jorge, o centro de Lisboa, o vibrante bairro do Chiado e as águas cintilantes do rio Tejo”. Localizado no topo de uma colina, lê-se ainda, “no coração do centro histórico de Lisboa, estes dois edifícios elegantes reinterpretarão a tradição de Lisboa com cores suaves, estuque, pedra e azulejo”.

 

A nota técnica sobre o estudo geológico-geotécnico, elaborado pela empresa Geocontrole, foi pedida pelos vereadores do PSD e emitida a 18 de Dezembro do ano passado. O documento explica que a realização deste estudo se baseou na realização de cinco sondagens geotécnicas. De acordo com o parecer, o estudo salienta que, “apesar de terem sido identificados no local materiais de aterro, que geotecnicamente são de desconsiderar, a construção dos quatro pisos enterrados conduzirá à sua retirada, excepto na zona de cotas mais baixas, a Sul, prevendo-se apenas um piso totalmente enterrado, envolvendo profundidades na ordem de três metros, onde a espessura destes materiais de aterro chega aos 6,60 metros”.

 


 

Nas prospecções feitas no terreno, a nota técnica conclui que “até 6,60 metros de espessura de materiais de aterro de natureza muito heterogénea, não há capacidade de carga para suporte das estruturas a edificar”. Tal facto, porém, não será impeditivo da construção. Esta situação “mais desfavorável”, lê-se, “deverá ser considerada aquando da definição das condições de fundação da nova estrutura, dado que obrigatoriamente deverão encastrar no substrato firme do miocénico”. Perante este cenário geológico-geotécnico, e tendo em conta a natureza dos materiais atravessados pelas sondagens geotécnicas realizadas no local, a Geocontrole pede a “adopção de medidas construtivas de contenção especial”, a acompanhar os avanços dos trabalhos de escavação, para a construção da nova estrutura. Conclui-se, ainda, que até às profundidades prospetadas (15 a 17m) não foi detectada a presença de níveis de água subterrânea, não interferindo assim com os trabalhos a realizar.

 

As obras do empreendimento de luxo já deveriam ter arrancado em Outubro do ano passado. Desde que o processo entrou na Câmara Municipal de Lisboa, e de acordo com informações a que O Corvo teve acesso, o projecto arquitectónico terá sido indeferido mais do que uma vez pelos técnicos da autarquia. Terá sido, depois, sujeito a “aprovação superior” e autorizado pelo vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, em Agosto de 2018. Foram feitas várias alterações à proposta inicial, por esta não respeitar o sistema de vistas e a volumetria ser excessiva para aquela zona histórica da cidade.

 

Relativamente à proposta inicial, terá sido reduzida a altura máxima dos edifícios, de 13 para nove metros – o que implicou a diminuição de um piso -, “beneficiando claramente a sua relação com o lugar, assim como com o sistema de vistas, resultante da grande exposição a que o mesmo se encontra sujeito”, lê-se na descrição do projecto, que representará um investimento total de 10,5 milhões de euros. Apesar das alterações, o projecto mereceu uma aprovação condicionada da Direcção Geral do Património Cultural (DGPC), por não reunir as condições de aceitação exigidas.

 

 

O terreno para onde estão previstos estes imóveis foi expropriado pela Câmara de Lisboa na década de 1980, para fins de utilidade pública, tendo sido depois transferido para a – já extinta – Empresa Pública de Urbanização de Lisboa (EPUL). Em Setembro de 2015, foi vendido, em hasta pública, por 5 milhões de euros. Seis meses mais tarde, em Março de 2016, a Câmara de Lisboa vendeu os terrenos à empresa imobiliária Vanguard. A forma como os terrenos foram vendidos e revendidos, num período tão curto, e o facto de o empreendimento estar previsto para uma encosta da cidade e num terreno que é parte da Zona Especial de Protecção da Capela de Nossa Senhora do Monte tem gerado polémica.

 

Tais factos têm sido motivo de conversa entre os moradores, desde que o projecto foi tornado público. Segundo um habitante daquele arruamento, terão sido feitas várias prospecções no terreno. “Já vi aqui as retroescavadoras imensas vezes, mas nunca constroem nada. Os últimos que cá estiveram perfuraram ainda mais os terrenos e descobriram uma muralha, que deverá ser do século XVIII, e pararam. Não percebo como o vão fazer, com todos os desabamentos de terra que há aqui. Há pouco tempo, as escadinhas começaram a dar de si”, conta o morador de 73 anos, que não quis ser identificado, a viver naquela parte da cidade desde que nasceu.

 

O Fórum Cidadania Lx, no passado mês de Dezembro, pediu à Câmara de Lisboa que chumbe o projecto imobiliário. A plataforma cívica teme que o terreno não aguente “uma carga excessiva de betão”, uma vez que se situa numa colina relativamente frágil. Através das fotomontagens disponibilizadas, na altura, criticavam, “vê-se claramente o impacto negativo que se passará a ter desde o vale do Martim Moniz, mas também desde a Colina de Santana”. A operação urbanística, diziam ainda, ultrapassa a área de construção fixada em hasta pública, ocupando um lote de domínio público.  Na mesma altura, os vereadores do PCP e CDS-PP prometeram votar contra a aprovação do empreendimento na reunião da Câmara de Lisboa, entretanto adiada várias vezes e ainda sem data.

 

 

Em declarações a O Corvo, em Dezembro passado, Ana Jara, vereadora do PCP, criticou a atitude da autarquia face a este e a outros projectos imobiliários. “Esta proposta ilustra muito bem as políticas de cidade, das quais começamos a ver os resultados. A câmara aceita simplesmente o que os promotores imobiliários propõem, mas deveria defender o interesse público dos lisboetas”, defendeu. A eleita comunista criticou ainda a falta de discussão pública sobre o processo e o “impacto visual gigante” nas vistas da cidade e os usos dado aos terrenos. Na mesma altura, o vereador do CDS-PP João Gonçalves Pereira também manifestou “sérias reservas” quanto ao plano para aquela encosta. “As fachadas dos prédios viradas para a cidade terão um impacto muito grande nas vistas. Outro problema é fazerem uma escavação para terem mais quatro pisos subterrâneos. É excessiva, e ainda não se sabe se foram feitos estudos geológicos”, criticou.

 

Cerca de um mês antes, a empresa imobiliária responsável pelo empreendimento, a VGPT I, em depoimento escrito a O Corvo, garantiu que o projecto cumpria com todos os parâmetros legais. “A Câmara de Lisboa solicitou, por duas vezes, a reformulação dos desenhos de arquitectura inicialmente submetidos, visando a volumetria do edifício, linguagem e inserção no contexto urbano, bem como o respeito relativo aos enfiamentos visuais a partir da rua em causa, mas também da cidade”, disse. O Corvo enviou perguntas à Câmara de Lisboa, a 6 de Novembro, questionando-a sobre a localização do novo empreendimento, se a parcela de terreno alvo de intervenção já teria sido desafecta do domínio público para o privado, se a construção viola o sistema de vistas e se foram feitos estudos geológicos no local, mas nunca obteve resposta.

 

Instada por O Corvo a comentar o processo, fonte do gabinete do vereador dos Direitos Sociais, Manuel Grilo (BE), diz que o projecto provocará “impactos significativos nas vistas, do Martim Moniz e do Miradouro da Senhora do Monte, e, possivelmente, nos solos pouco estáveis da encosta”. Além disso, as quatro piscinas, localizadas no terraço, ficarão “claramente visíveis a partir do miradouro”. “Isto é um problema porque, ao não corresponder à morfologia típica desta zona da cidade (telhado), e contrariando o princípio estabelecido no Plano Director Municipal (PDM), cria uma descontinuidade que só trará vantagens aos proprietários do imóvel”, considera.

 

Pelo facto de ser um terraço de “uso habitável”, os proprietários poderão colocar “elementos no terraço, que agravarão ainda mais a vista do miradouro, como tendas, pérgolas e afins”, prevê a mesma fonte. A “impermeabilização de uma área superior à prevista no PDM terá ainda impacto nos solos da encosta onde se pretende construir o prédio”, salienta. Serão ainda construídos dois pisos abaixo da cota da rua, “impactando visualmente a colina, vista do Martim Moniz”, alerta. A fonte do gabinete do vereador do Bloco de Esquerda diz ainda que “a construção de mais um empreendimento de luxo em Lisboa não surpreende”, condenando o “modelo de atracção de investimento”, dos últimos anos, na cidade.

 

“Tem sempre dado espaço aos grandes investidores em busca de lucro fácil da venda para residentes não habituais ou vistos gold. O Bloco sempre se posicionou contra este tipo de cidade, que não consegue responder à crise da habitação a preços acessíveis, mas abre portas para nova habitação de luxo”, considera. Questionado se este terreno já terá sido desafecto do domínio público da Câmara de Lisboa para o privado, avança que “essa desafectação ainda não foi votada em reunião de Câmara”.

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