Moradores das Avenidas Novas dizem que reabilitação da Praça de Espanha vai “estrangular” trânsito

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Samuel Alemão

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Avenidas Novas

Campolide

6 Março, 2018

“O que isto vai fazer é estrangular as vias de circulação existentes, trazendo mais engarrafamentos, como já acontece no Eixo Central. Vai haver mais pára-arranca. Isso produzirá mais poluição, mais monóxido de carbono e, assim, nesse ambiente, ninguém vai querer andar de bicicleta”. O presidente da Associação de Moradores das Avenidas Novas, José Soares, queixa-se de falta de informação por parte da Câmara Municipal de Lisboa (CML), mas não tem dúvidas de que o pouco que foi dado a conhecer sobre o plano de circulação viária, associado à regeneração da Praça de Espanha, está longe de perspectivar algo de bom. “Tudo leva a crer que é mau de mais”, critica. Por isso, pede o alargamento do prazo da consulta pública, porque a que terminou foi “um embuste”.

O fim da rotunda distribuidora de tráfego e a sua substituição por dois cruzamentos desnivelados – um ligando a Avenida de Berna à Avenida António Augusto de Aguiar e outro assegurando a conexão entre a Avenida Columbano Bordalo Pinheiro e a Avenida Santos Dummont – deixam antever o caos, avisa o dirigente associativo. “Isto não faz sentido nenhum, estão a complicar o que é fácil e a criar problemas onde eles não existem”, diz a O Corvo, salientando que, de acordo com os dado disponíveis, “quem vier da Avenida Caloust Gulbenkian, e quiser ir para a Avenida de Berna, terá de passar pela Columbano Bordalo Pinheiro e pela Santos Dummont”. Opção que considera “péssima”.

Depois de decorrido o processo de consulta pública à planeada grande operação de reabilitação da praça, iniciado em dezembro passado e terminado a 28 de fevereiro – tendo as nove propostas de requalificação estado expostas até esse dia na Fundação Calouste Gulbenkian -, José Soares diz que a câmara ainda tem muito a explicar. Sobretudo sobre os efeitos na mobilidade automóvel de um plano tão ambicioso, que promete converter uma das principais praças da capital numa área de lazer, caracterizada por amplas áreas verdes e zonas de circulação de água. A prevalência será dada à fruição do espaço público, através da circulação pedonal e dos meios suaves de mobilidade, com especial ênfase nas bicicletas. Uma autêntica revolução, que deixará a área quase irreconhecível. Tanto que o município baptizou a operação de “Nova Praça de Espanha”.

O dirigente da associação de moradores diz concordar com muito do que foi revelado neste campo, mas teme que a câmara tenha ignorado o que entende como um dos principais elementos da vida urbana: a circulação automóvel. “Estamos preocupados, porque, depois da experiência do Eixo Central, tudo leva a crer que isto não vai correr bem. Este é um dos principais nós de entrada na cidade de Lisboa, não se trata de uma praça qualquer”, considera o dirigente, que já se destacara na oposição à forma como a autarquia liderada por Fernando Medina levara por diante o processo de reconversão do espaço público no eixo compreendido pelas avenidas Fontes Pereira de Melo e da República. E continua a fazê-lo. Tanto que aí encontra muitos dos motivos para fundear o cepticismo relativamente à lavagem de cara da Praça de Espanha.

Praça de Espanha Urbanismo 2

“As ciclovias e os passeios estão muito melhores, mais bonitos e arranjados. Mas passámos a ter engarrafamentos a toda hora, coisa que antes não existia”, diz sobre a requalificação terminada há pouco mais de um ano no Eixo Central. Mas, então, e a opinião de muita gente que parece estar satisfeita com o que foi feito no Eixo Central?, questiona O Corvo. “Essas pessoas só devem andar a pé e de bicicleta, não devem andar de carro”, comenta o presidente da Associação de Moradores das Avenidas Novas, assegurando que o colectivo por si representado “não tem nada contra os modos ligeiros de circulação”.


“Achamos fantástico que as bicicletas circulem cada vez mais e o sistema das partilhadas esteja a ter uma grande aceitação, mas isso não pode ser feito à custa de se causarem estrangulamentos na circulação automóvel”, afirma José Soares, criticando o que considera ser a pouca abertura da Câmara de Lisboa para ouvir o que tem a dizer a comunidade sobre as sucessivas reformulações dos esquemas de tráfego associadas à requalificação do espaço público. A Praça de Espanha volta, por isso, a ser um “motivo de preocupação”, diz.

“O projecto viário foi apresentado como um projecto consumado. Só querem saber da opinião das pessoas se fôr sobre jardins e bicicletas, mas não mostram nenhuma vontade de perguntar nada sobre a circulação automóvel. E, pelo pouco que sabemos deste projecto, tudo leva a crer que ele é mau de mais”, critica o representante dos residentes, que, no passado sábado (3 de março), através de um comunicado enviado à comunicação social, fez fortes críticas à forma como o projecto foi apresentado pela CML à comunidade e lançou o repto à autarquia para que alargue o período de discussão pública desta grande empreitada.

No mesmo comunicado, a Associação de Moradores das Avenidas Novas apresenta o “mais veemente repúdio pelo comportamento da Câmara Municipal de Lisboa, ao não facultar e dificultar o acesso das associações que representam os moradores aos planos que a autarquia tem” para o futuro  da Praça de Espanha e, lê-se, “ao mesmo tempo, excluindo essas mesmas associações de participar activamente num processo de melhoria para a cidade, promovendo a segregação destas e actuando em roda livre sem que ninguém se possa pronunciar”.

Por isso, e porque considera que o pouco que se sabe “é muito mau”, José Soares pede um dilatar do período de discussão pública. E pede respostas a várias questões que diz estarem por responder: “Quantos projectos de circulação foram analisados? Quais os critérios que presidiram ao projecto escolhido? Que entidades foram ouvidas?”.

Denunciando o que considera ser a sonegação de informação por parte da autarquia, o texto publicado no passado fim-de-semana diz que a associação tem tentado, junto da autarquia, obter esclarecimentos sobre as alterações ao trânsito na Nova Praça de Espanha, desde uma sessão pública realizada a 29 de janeiro, em que estiveram presentes os vereadores Manuel Salgado (Urbanismo) e Miguel Gaspar (Mobilidade). Aparentemente, sem sucesso.

“Neste debate ficou a perceber-se que a Câmara Municipal de Lisboa abriu à discussão pública apenas a questão da envolvente verde da Praça. Todos os projectos que foram falados e para os quais a autarquia demonstrou abertura seriam os projectos relacionados com as 9 propostas em exposição na Fundação Calouste Gulbenkian. As questões relacionadas com o ordenamento do trânsito e alterações à circulação automóvel foram apresentadas como factos consumados, projecto fechado”, lê-se no mesmo texto.

O Corvo questionou a Câmara Municipal de Lisboa, ao início da tarde desta segunda-feira (5 de março), sobre as críticas apontadas pela Associação de Moradores das Avenidas Novas, mas não obteve resposta às mesmas até ao momento da publicação deste artigo.

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