Oito prédios na zona da Avenida da Liberdade perdem “interesse público” e entram no mercado

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Samuel Alemão

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URBANISMO

Santo António

28 Fevereiro, 2018


Eram edifícios classificados como de interesse público, por neles funcionarem equipamentos considerados vitais para a comunidade, mas dada a desactivação consumada ou planeada de tais usos, passarão a fazer parte do mercado imobiliário. A Câmara Municipal de Lisboa (CML) prepara-se para proceder à desclassificação de oito imóveis, na área da Avenida da Liberdade e envolvente, como estando “afectos a fins de utilidade pública” – isto é, descritos como “equipamentos” – e torná-los aptos a serem convertidos em edifícios de habitação ou empreendimentos turísticos.

Entre eles encontram-se as antigas instalações da Autoridade Nacional de Protecção Civil, na Rua Câmara Pestana, e dos CTT, na Rua de São José, da Fundação Oriente, na Rua do Salitre, o edifício da EPAL, na Avenida da Liberdade, o antigo Cinema Olympia, na Rua dos Condes, a ainda três quartéis do bombeiros. Dois deles ainda estão no activo, o dos Voluntários Lisbonenses, na Rua Camilo Castelo Branco, e o dos Voluntários da Ajuda, na Praça da Alegria, agora provisoriamente ao serviço dos Sapadores.

O fim da classificação de cada um dos oito edifícios como “área de equipamento” faz parte da alteração simplificada do Plano de Urbanização da Avenida da Liberdade e Zona Envolvente (PUALZE), a ser apresentada e discutida na reunião pública do executivo municipal desta quarta-feira (28 de fevereiro), pelo vereador do Urbanismo, Manuel Salgado – um processo que terá ainda um período de consulta pública de dez dias.

Os edifícios em causa, de acordo com a proposta de alteração da carta uso dos solos afecta ao referido plano, deverão ser agora reclassificados como “área habitacional”, “área histórica habitacional”, “área terciária” ou “área mista”. Qualquer uma destas categorias prevê, entre outras possibilidades, a construção de habitação ou de empreendimentos turísticos, de acordo com o Plano Director Municipal de Lisboa(PDML).

Nos considerandos à proposta, salienta-se que a dispensa dos imóveis como áreas de equipamento “não onera nem compromete o funcionamento e a qualidade da rede de bens e serviços públicos programada na área deste Plano, destinada à satisfação das necessidades colectivas, atenta nomeadamente a estratégia definida no PDML”.

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O processo de reclassificação do uso dos solos do plano em vigor para a Avenida da Liberdade e zona envolvente foi iniciado em dezembro de 2016, com a sua aprovação em reunião de câmara. Depois de, no início do ano passado, a CML ter incluído ainda na lista dos edifícios a desclassificar como “equipamentos” as antigas instalações do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), na Rua de Santa Marta – passando, assim, a lista a perfazer nove imóveis -, a proposta foi a discussão em reunião de câmara a 28 de junho de 2017.

E, do debate ocorrido na mesma, apenas resultou como consensual a alteração de uso de solo de um dos edifícios do elenco inicialmente proposto: o do antigo quartel dos Bombeiros Municipais, situado nos números 1 a 5 da Travessa do Forno, que torneja para o Largo do Regedor, 1-4. Mas Manuel Salgado não desistiu. Um ano depois do lançamento da iniciativa, solicitava aos seus serviços a preparação de uma nova proposta de alteração simplificada do PUALZE, actualizando a informação sobre a desafectação do uso público dos edifícios em causa, “no sentido de prescindir da sua reserva como áreas afectas a equipamentos”.

Desse pedido do vereador do Urbanismo, resultou uma “visita” ao terreno, que levou a Divisão de Planeamento Territorial a produzir um relatório, no qual se fundamenta a proposta agora a discutir em reunião de executivo. Para cada um deles, o documento faz uma recomendação de reclassificação do uso do solo. A saber: Rua do Salitre, 62-64 e 66-68, antiga sede da Fundação Oriente, deverá ser “área mista”; Rua Câmara Pestana, 41-45, antigo edifício da ANPC, será classificado como “área histórica habitacional”; a mesma categoria a que estará destinado o antigo quartel do Bombeiros Voluntários da Ajuda, na Praça da Alegria 27-30; já o antigo Cinema Olympia, na Rua dos Condes, desafectado pela Secretaria de Estado da Cultura, em março de 2015, da sua finalidade pública, será apto para actividades terciárias.

O mesmo fim, actividade terciárias, terá o imóvel da Rua de Santa Marta, 55, onde esteve o ICNF; para o actual quartel dos Bombeiros Voluntários Lisbonenses, na Rua Camilo Castelo Branco, prevê-se a conversão em “área habitacional”; ao antigo edifício dos CTT, na Rua de São José, 10-20, caberá o uso de “área habitacional histórica”; e, por último, a ainda sede da EPAL, na Avenida da Liberdade, está destinada a uso terciário.

Fazendo uso deste parecer dos seus serviços, bem como da fundamentação das deliberações prévias que deram início a este processo de desclassificação do “interesse público” dos imóveis em causa, Manuel Salgado volta a defender a sua proposta. E fá-lo, argumentando que “a CML pode e deve promover a alteração do respectivo instrumento de gestão territorial com vista à redefinição do uso do solo, quando, por iniciativa dos respectivos titulares (proprietários, locatários), os imóveis anteriormente afectos a fins de utilidade pública sejam materialmente desactivados dessa finalidade e se verifique a sua fraca ou inexistente aptidão para acolher novos equipamentos”.

Um desfecho, escreve o autarca no documento a ser levado a discussão nesta quarta-feira (28 de fevereiro), que poderá acontecer “quer em razão da sua localização no tecido urbano, quer pelas suas características intrínsecas”.

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COMENTÁRIOS

  • Paulo Só
    Responder

    Estou certo de que vários desses edifícios serão usados para habitação social, uma das grandes preocupações da nossa maioria camarária de coligação entre socialistas e esquerdistas. Tudo será feito para evitar a gentrificação dessas áreas, a sua desertificação por parte dos lisboetas, a eliminação do comércio local, os problemas de segurança noturna em áreas usadas para investimento por parte de companhias internacionais de bens imobiliários. Assim teremos uma cidade viva, que continuará a agradar aos nossos visitantes e não uma cidade fantasma, de onde velhos, jovens e trabalhadores serão excluídos. E onde os turistas são os lisboetas.

  • Catarina de Macedo
    Responder

    E continua a CML a vender tudo o que tem para ganhar dinheiro (ao mesmo tempo promovendo a descaracterização da cidade). Se o uso dado a estes imóveis já não justificava a sua manutenção então porque não dar-lhes outro fim mas que não implicasse a sua venda a terceiros? Tenho a certeza que esses imóveis podiam ser de bom proveito para a CML. Não digo que os convertessem em habitações de baixas rendas (que são tão necessárias e que a CML mal arranja) dada a zona em que se inserem, mas o que não falta nesta cidade delapidada pelo turismo são instituições e projectos de interesse público que necessitam de espaço para operar. Era uma boa maneira de procurar dar um novo dinamismo à cidade, um que não se prendesse com o turismo e que se relacionasse com os seus habitantes. Aproximar os lisboetas de Lisboa e fazê-los viver a sua cidade. (coisa que a CML também nunca se preocupou em fazer. Fazem passeios de 6 metros de largura nas zonas por onde os lisboetas não passam a não ser de carro e depois dizem que estão a devolver as ruas aos “habitantes” da cidade.)
    Já as esquadras de bombeiros, pelo menos uma deveria ser mantida…Se acontecesse algo pior creio que ninguém se arrependeria de ter os bombeiros num dos pontos mais fulcrais da cidade.

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