Apesar de confirmar a colocação da vedação, Medina nega que a sua intenção seja privatizar o Adamastor
A Câmara Municipal de Lisboa apresentou, durante a noite desta quarta-feira (13 de Fevereiro), o projecto de requalificação do Jardim de Santa Catarina, também conhecido como Miradouro de Adamastor. A sessão, ocorrida no Liceu Passos Manuel e aberta ao público, contou com a presença do presidente da autarquia, Fernando Medina, e terminou num acalorado debate repleto de opiniões e queixas a favor e contra o projecto de requalificação, que inclui a colocação de uma vedação no miradouro. A empresa designada para projectar e executar o projecto remodelará não apenas o local de onde se tem uma das melhores vistas de Lisboa sobre o Tejo, mas também os espaços adjacentes ao mesmo.
Tanto partidários como detractores levam meses à espera do dia da apresentação do projecto de reabilitação do Miradouro de Santa Catarina. Em concreto, desde que o vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Duarte Cordeiro, anunciara as futuras obras e o fecho imediato do recinto no passado mês de Julho de 2018. Desde então, têm sido numerosos os actos de contestação em torno de um projecto que, enquanto que colocou em pé de guerra os seus detractores, também chegou como tábua de salvação para muitos moradores daquela zona cansados com o ambiente de insegurança que, nos tempos mais recentes, se foi ali criando.
À apresentação compareceram, além de representantes tanto da Câmara como da Junta de Freguesia da Misericórdia, numerosos cidadãos e representantes de associações de residentes para assistirem ao vivo ao que prometia ser uma jornada de debate e controvérsia. Na sua intervenção prévia, Fernando Medina anunciou a sua intenção de chegar a um acordo com o qual todos se sintam cómodos, mas recordou que “este não é um debate fácil, é um debate exigente”. Segundo o presidente da câmara, o que mais preocupa o executivo por si liderado é fornecer “mais qualidade de vida aos que aqui moram”, numa referência aos moradores da freguesia.
A maqueta do projecto de reabilitação que a CML quer levar por diante no Miradouro de Santa Catarina
Apesar de muitos residentes não entenderem a pertinência de se requalificar um espaço que já havia sido renovado em 2013, o ponto mais quente do futuro projecto urbanístico é, sem dúvida, o da “vedação perimetral” do miradouro. Trata-se de, além da cerca que protegeria a área do jardim da passagem constante de pessoas, de instalar uma outra barreira exterior que impedirá a entrada no recinto a partir de uma determinada hora da noite. Este é o ponto que, em definitivo, divide os moradores da freguesia e de toda a cidade entre o “Sim” e o “Não” ao projecto de redesenho de um dos miradouros mais emblemáticos da capital.
No que estiveram todos de acordo foi em considerar como insustentável a situação actual da zona entre a Rua Marechal Saldanha, o Miradouro do Adamastor e o cruzamento entre a Travessa da Condessa do Rio e a Rua de Santa Catarina. Certamente, e para invocar a necessidade de uma intervenção por parte da Câmara Municipal e da Junta da Freguesia de Misericórdia, a presidenta da Junta, Carla Madeira (PS), recordou aos presentes na sessão que, neste momento, “tornou-se praticamente impossível às equipas de limpeza fazer o seu trabalho na zona, devido ao constante tráfego de pessoas, até com sacos de dormir para passar a noite”, e declarou que a sua freguesia precisa de recuperar “o espaço que existia 20 ou 30 anos atrás”.
João Nunes, arquitecto e administrador da empresa responsável pelo projecto, PROAP, justificou a nova intervenção no miradouro com a radical transformação que tem sofrido a cidade desde 2013. “As cargas de gente”, assegurou Nunes, “a cidade que suportava eram completamente diferentes das actuais”. A apresentação do projecto de requalificação realizada pelo arquitecto foi clara, ainda que bastante sucinta. As questões arquitectónicas acabaram por ser expostas e tratadas de forma abreviada, e menos detalhadas ainda foram os aspectos relacionados com a circulação viária da praça em frente ao hotel Verride Palácio de Santa Catarina. Confirmou-se, no entanto, o aspecto de que todos estavam à espera: o fechamento, por uma parte, do futuro jardim por meio de uma vegetação arbustiva, e por outra, a “vedação perimetral”, denominada pelo arquitecto como “vedação de segurança exterior”.
Da referida falta de detalhes nas questões arquitectónicas se queixaram vários moradores no período dedicado à discussão pública. Foi neste última parte da sessão, que durou até às 23h – havia começado às 18h30 -, que a apresentação do polémico projecto se tornou algo mais acalorada. O dirigente da organização “Libertem o Adamastor!”, Manuel Pessôa-Lopes, abriu a ronda de intervenções de cidadãos com um emotivo libelo contra a vedação do miradouro. E, sem dúvida, o seu sentido discurso marcou a tónica de uma discussão comunitária que encheu o auditório de diferentes vozes durante as seguintes quatro horas.
Já os representantes da Associação de Moradores da Freguesia de Misericórdia recordaram que a Constituição Portuguesa protege o “direito ao sossego e o ambiente de qualidade de vida”. Vigília Santos, da associação de moradores A Voz do Bairro, queixou-se de que “quem vive à volta do miradouro não consegue dormir, e isto vai contra a lei”. Nós temos que ter paz e, para ter paz, estamos a favor do tal gradeamento”, afirmou.
Os altos níveis de insegurança, bem como o constante tráfico de drogas e barulho até tarde, durante a noite, foram as principais razões dadas pelos defensores da cerca. Os moradores relataram cenas frequentes de vandalismo e agressão a residentes, em alguns casos mesmo dentro de casa, intimidação frequente, falta de higiene urbana ou tráfico e consumo de drogas em quantidades de “escândalo”, nas palavras de um vizinho.
Apesar desses relatos, as palavras do superintendente Paulo Flor, comandante da 1ª divisão da PSP, caíram sobre a assistência como um jarro de água fria. “Por muito que eu gostasse de ter polícias 24h por dia nas ruas, infelizmente, não posso fazê-lo. Os polícias ainda são um bem escasso, e tenho limitações”, disse Flor, responsável pela supervisão do policiamento na Misericórdia, assim como de mais três freguesias da capital. Entre os comentários do assombro que vieram da plateia, o superintendente reconheceu que “não é possível garantir uma eficiência 24h”. “A dimensão da polícia não permite a colocação de uma esquadra por cada junta de freguesia”, afirmou.
Tema à parte é o da futura renovação da concessão do quiosque do Adamastor. Medina, como já havia feito noutras ocasiões, admitiu as intenções do executivo camarário de lançar um novo concurso público para a concessão da exploração do estabelecimento. E assacou à empresa que actualmente detém a exploração uma parte da responsabilidade pela “perturbação do equilíbrio entre moradores e a utilização do espaço público”. Isto, como recordou um membro da assistência, choca com os contínuos pareceres dos serviços de fiscalização da própria câmara, que em repetidas ocasiões confirmaram o bom uso do quiosque e os benefícios do mesmo para aquela zona. Medina informou dos planos para que a gestão da concessão do quiosque passe a ser responsabilidade da junta de freguesia. “É melhor que estar num departamento da câmara”, considerou.
Na sua intervenção final, Fernando Medina assegurou que “nunca, em qualquer circunstância, o miradouro será um espaço reservado, ou privativo, nunca”. O líder camarário reconheceu erros, especialmente no que diz respeito à pouca capacidade de informação e tomada de decisão concedida aos residentes, mas disse: “Não assumo qualquer sentido de orientação para o processo que não seja para o bem-estar dos moradores”.
O próximo passo desenrolar-se-á no campo da Assembleia da Freguesia de Misericórdia, a quem será requerido que “faça um pronunciamento sobre este conjunto de medidas a desenvolver nesta área, para que a Câmara possa tomar uma decisão”, segundo palavras do próprio Medina.