As marcas de Almada Negreiros espalhadas pela cidade de Lisboa
“Se à introversão de Fernando Pessoa se deve o heroísmo da realização solitária da grande obra que hoje se reconhece, ao activismo de Almada deve-se a vibração espectacular do ‘futurismo’ português e de outras oportunas intervenções públicas, em que era preciso dar a cara”.
Rui Mário Gonçalves (1934-2014)
Professor, crítico e historiador de arte.
José Sobral de Almada Negreiros nasceu em 1893, em São Tomé e Príncipe – dizia-se lisboeta – , e morreu no dia 15 de Junho de 1970, em Lisboa. Em 1911, entra para o Colégio Jesuíta de Campolide, uma instituição de elite, onde viveu em regime de internato, durante dez anos. Mais tarde, frequenta a Escola Internacional, na Rua da Emenda, onde expõe individualmente, pela primeira vez, em 1913.
Torna-se um dos principais representantes da corrente vanguardista do movimento modernista. Em 1915, colabora no número 1 da Revista Orpheu e, em 1917, participa no projecto Portugal Futurista. Foi uma das figuras centrais da vida cultural portuguesa da sua época. Pertencia ao grupo e à geração de Orpheu que frequentavam o Chiado e a Baixa e seus os cafés: A Brasileira e o Martinho da Arcada, o Café Gelo e o restaurante Irmãos Unidos, estes dois no Rossio.
Em 1934, casa-se com a pintora Sarah Afonso (1899-1983), a qual tenta, a partir daí, conciliar a vida de mãe de família e de pintora. Acabará, porém, por abandonar a pintura nos anos 40, passando a dedicar-se a apoiar Almada Negreiros e, mais tarde, às artes decorativas e às ilustrações infantis.
Almada Negreiros era um ser multifacetado de rara personalidade, artista prolífero, com uma visão plástica muito inovadora e que marcou de forma genial a história da cultura portuguesa do século XX. Distinguiu-se como pintor, desenhador, caricaturista-humorista, poeta, romancista, ensaísta, crítico de arte, dramaturgo, panfletário.
Fez gravura e produções publicitárias, realizou frescos e murais, painéis de azulejos, vitrais e tapeçarias que ainda hoje podemos encontrar um pouco por toda a parte da cidade de Lisboa. Escreveu e coreografou para bailado e teatro, fez cenários e figurinos. Artisticamente activo ao longo de toda a sua vida, Almada teve a intenção de, por diversas vezes, experimentar o cinema de animação, mas não chegou a concretizar o seu desejo.
O Corvo foi em busca pela cidade de Lisboa das mais variadas marcas desta figura ímpar na cultura portuguesa.
VIADUTO AMOREIRAS
Passando o viaduto Duarte Pacheco, antes de chegar às Amoreiras, num logradouro – onde há 97 milhões de anos foi mar-, junto ao morro que sustenta o conjunto de casas no sítio dos Terramotos, foi erigido um monumento de homenagem à modernidade que Almada Negreiros simboliza. A obra, da autoria do artista plástico Leonel Moura (1948), foi inaugurada em 1993, por altura do centenário do nascimento de Almada.
COLÉGIO JESUÍTA DE CAMPOLIDE
O Colégio Jesuíta foi inaugurado em 1858, em Campolide, nos terrenos da Quinta da Torre. Em 1904, as obras de remodelação deram origem a um novo edifício de dimensões imponentes, que, ao longo dos anos, foi alvo de sucessivas ampliações. Mais tarde, as mesmas instalações foram ocupadas por uma unidade militar que ali permaneceu, até final da década de 70. No velho edifício, funciona, desde 1987, o pólo principal da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa.
CASA-ATELIER
Almada Negreiros e Sarah Afonso, também ela pintora, viveram os primeiros dezasseis anos de casados com os seus dois filhos na casa-atelier, no segundo andar do nº 42 da Rua de São Filipe Néri, ao Rato. O mesmo edifício onde, na cave, funciona, desde 1979, a Galeria Diferença – Cooperativa Diferença Comunicação Visual.
IGREJA DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO DE FÁTIMA
A Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, situada na Avenida de Berna, foi inaugurada a 13 de Outubro de 1938. É uma obra marcante do modernismo português, projectada pelo arquitecto Porfírio Pardal Monteiro. O edifício apresenta um conjunto de obras de arte com a assinatura de vários mestres da época – um deles, Almada Negreiros, concebeu os belíssimos vitrais. De todos, considerava o vitral na capela da Senhora da Piedade a sua melhor obra.
DIÁRIO DE NOTÍCIAS
O edifício da Avenida da Liberdade, inaugurado no dia 24 de Abril de 1940, foi o primeiro no país a ser construído de raiz para alojar um jornal – o Diário de Notícias, que ali funcionou durante quase oito décadas. Após o seu encerramento, deixou de ser possível ver os frescos que Almada Negreiros pintou e que decoravam as paredes do grande átrio e os corredores de acesso ao jornal. O edifício de seis andares tem o destino traçado para habitação e comércio, prevendo-se a preservação das fachadas e a pintura na empena lateral.
MORADIA NO RESTELO
A moradia nº 28 da Rua da Alcolena fica no bairro do Restelo. Concebida para ser uma vivenda de habitação, ficou concluída em 1955. Do projecto artístico faziam parte um belíssimo vitral e vários painéis de azulejos da autoria de Almada Negreiros. A casa, que era uma obra de arte modernista, sofreu obras profundas e está irreconhecível. Alguns dos painéis de azulejos foram retirados e integrados na colecção do Museu da Cidade, em 2009, bem como o vitral que hoje pertence ao Museu da Assembleia da República. A moradia, que chegou a ter uma proposta para albergar o Centro de Estudos Permanente do Modernismo Português, é actualmente a Embaixada do Kuwait.
GARE MARÍTIMA DE ALCÂNTARA
As gares Marítima de Alcântara e da Rocha Conde de Óbidos são edifícios portuários, construídos entre 1943 e 1948, junto à foz do Rio Tejo, e que faziam parte de um projecto inicial para a urbanização do Porto de Lisboa (Doca de Alcântara ): uma grande estação constituída por dois postos de embarque e desembarque, a menos de mil metros um do outro, com um passadiço de ligação.
Do cais da estação da Rocha Conde de Óbidos, partiram os primeiros navios com emigrantes portugueses e embarcaram as tropas portuguesas para o Ultramar, durante a Guerra Colonial. Almada Negreiros é o autor dos grandes painéis que decoram as paredes dos pisos superiores das duas estações marítimas. As visitas guiadas são gratuitas, mediante marcação. A 31 de Outubro, o Dia do Porto de Lisboa, as portas abrem ao público durante todo o dia.
HOTEL RITZ
Situado no topo de uma colina de Lisboa, o Hotel Ritz está repleto de obras de arte contemporânea cujas opções artísticas, na altura da sua inauguração, em 1959, foram muito criticadas. No espaçoso salão do hotel, o Lounge Almada Negreiros, estão expostas três tapeçarias artesanais realizadas a partir dos cartões de mestre Almada. Estas obras de grandes dimensões representam centauros e são inspiradas na mitologia grega. No mesmo piso, o desenho inciso pintado a ouro sobre pedra mármore representa uma cena pitoresca.
CIDADE UNIVERSITÁRIA
Situada próximo do Campo Grande, a Cidade Universitária é o maior campus de ensino superior do país. Almada Negreiros colaborou nesta obra de arquitectura do Estado Novo, na decoração das fachadas dos edifícios da Faculdade de Letras e da Faculdade de Direito e no edifício da Reitoria, que concluiu em 1961. Almada utilizou a técnica da gravura incisa e colorida na pedra numa homenagem aos mestres da antiguidade, às grandes figuras literárias e do direito.
ESCOLA DA ALTA DE LISBOA
A Escola Básica Pintor Almada Negreiros foi inaugurada em 1973, no Bairro dos Sete Céus, na então freguesia da Charneca do Lumiar. A escola iniciou o ano lectivo de 2000/2001 nas novas instalações, Rua Vasco da Gama Fernandes, deixando para trás os antigos pré-fabricados. Situa-se nos antigos terrenos da Quinta Grande, no bairro da Musgueira, agora integrado na Urbanização da Alta de Lisboa, e paredes-meias com os Campos de Futebol do Complexo União Desportiva do Alto do Lumiar. O dia do patrono, o pintor Almada Negreiros, comemora-se no dia 7 de Abril, mas este ano é celebrado no dia 6 de Junho.
PAINEL NA GULBENKIAN
Almada Negreiros pintou o primeiro quadro – Fernando Pessoa sentado à mesa do Café Martinho da Arcada com o nº 2 da Revista Orpheu -, em 1954, para o restaurante Irmãos Unidos. Pouco antes de morrer, Almada assistiu ao leilão em que esta obra foi vendida por um valor exorbitante para a época, facto que confirmava a reputação do pintor. A segunda versão, executada em 1964, foi encomendada pela Fundação Calouste Gulbenkian, que a detém na sua colecção permanente.
“Começar”, o derradeiro painel gravado na pedra de calcário no grande átrio do edifício sede da Fundação Calouste Gulbenkian, ficou concluído em 1969. O tema foi escolhido por Almada Negreiros, que desde os anos 40 se dedicou de forma didáctica ao estudo do número e da geometria. No piso inferior, estão expostas duas tapeçarias a partir dos cartões de Almada Negreiros (1946-1949).
RUA OLIVAIS SUL
A Escola Básica Sarah Afonso fica na Rua Almada Negreiros, no bairro dos Olivais Sul, onde as ruas, excepto esta, têm nomes de cidades das ex-colónias. É a segunda rua mais comprida deste bairro predominantemente residencial e foi inaugurada em 1970, pouco antes da morte de Almada.
RIBEIRA DAS NAUS
A estrutura de ferro à beira do Rio Tejo, “Reminiscência de Almada Negreiros”, é uma obra de engenharia e técnica de serralharia, concebida pelas netas de Almada Negreiros, as arquitectas Catarina e Rita de Almada Negreiros, a partir de um desenho do próprio Almada – “Auto-Reminiscência” (1949). O monumento, erigido na Ribeira das Naus, partiu de uma proposta da CML para assinalar os 120 anos do nascimento de Almada Negreiros.
METRO SALDANHA
A estação Saldanha II (cais do Arco do Cego) do Metropolitano de Lisboa, na linha do Oriente (linha vermelha), foi inaugurada em 29 de Agosto de 2009. O projecto artístico da estação, em memória de Almada Negreiros, esteve a cargo do seu filho, o arquitecto José de Almada Negreiros, que criou uma unidade representativa da obra plástica do progenitor, reproduzida nas paredes forradas de azulejo — pinturas e desenhos, frases e excertos de textos.
Almada Negreiros é evocado em mais duas estações do metropolitano de Lisboa. Na estação terminal do Aeroporto, em que Almada aparece entre as “53 Figuras de Lisboa” representadas pelo caricaturista António (1953), e na estação do Alto dos Moinhos, “Poetas nas ruas de Lisboa”, em que Júlio Pomar (1926) junta Almada, Camões, Bocage e Pessoa.