Palácio Baldaya, a nova casa da cultura de Benfica, abre as suas portas à comunidade
Ainda não será o cumprir da perene promessa de construir uma biblioteca “a sério” numa das mais populosas freguesias de Lisboa, mas os livros serão protagonistas centrais do renovado Palácio Baldaya, a inaugurar a 1 de setembro. Depois de quase um século a servir de casa do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária (LNIV), o edifício construído no final século XVIII como parte da Quinta do Desembargador, e situado junto à Estrada de Benfica, foi reabilitado e ambiciona ser o novo centro cultural de uma zona da capital com cerca de 37 mil habitantes, 12 mil estudantes e três estabelecimentos de ensino superior. Cumpre-se uma promessa: o imóvel, até aqui esquecido, de tom pardacento e no qual ninguém reparava, ganha côr, abre as suas portas e enche-se de vida.
Uma ludoteca infantil, com capacidade para receber crianças surdas-mudas, um espaço de cowork, salas para exposições e ensaios e ainda um núcleo de formação profissional garantem que o centenário prédio funcionará como local dedicado ao conhecimento. “Há mais de 20 anos que existia esta ambição de criar uma biblioteca e um centro cultural aqui nesta zona da cidade. Trata-se, sem dúvida, de um momento muito importante, de grande simbolismo”, diz Inês Drummond (PS), a presidente da junta, sentada num dos bancos do jardim do palacete, que poderá também vir a ser apreciado a partir da esplanada da cafetaria – em abril passado, um espectáculo musical ali realizado já revelara a muita gente os encantos desconhecidos do palácio.
A autarca aproveita a visita d’O Corvo, na manhã desta segunda-feira (28 de agosto), para fazer uma pausa na vertigem de trabalho em que se tem visto envolvida, nos últimos dias, juntando-se aos funcionários da junta e das empresas contratadas, para que tudo esteja a postos para a festa de “reabertura”, como prefere chamar ao momento do franquear de portas à comunidade de um edifício com mais de dois séculos. Um acto de vandalismo, no final da semana passada, materializado em manchas de tinta preta atirada às paredes e aos vidros do interior do reabilitado edifício, obrigou ao redobrar de esforços, durante o fim-de-semana. Acto ao qual se juntou muita gente.
“Só ontem, domingo, estiveram cá 30 voluntários, pessoas anónimas, famílias com crianças e avós. Logo no sábado, tínhamos velhinhas à porta a querer entrar para ajudar”, conta a presidente da junta, orgulhosa do empenho cívico demonstrado pelos seus fregueses, mas também pelas cinco de mãos de tinta branca que ela mesma teve de dar com o rolo, numa das paredes sabotadas, para apagar as persistentes marcas das indesejadas garatujas.
Uma azáfama justificada pelo apertar do prazo. Tudo terá que estar impecável para a festa que, entre 1 e 3 de setembro, dará a conhecer o novo pólo cultural de Benfica, agora oficialmente chamado de Palácio Baldaya – deixando de ser grafado “Baldaia” –, em sinal de respeito pela grafia original do nome de Joana Baldaya. Dona do palácio durante as primeiras décadas do século XIX, tendo-o recebido como prenda de casamento, é hoje apontada como “uma mulher à frente do seu tempo”, apostada na educação das crianças e na emancipação feminina. A sua memória será agora evocada através de um painel pintado numa parede lateral do edifício, concebido pelo artista Raf.
Lá dentro, sob o tecto daquela que foi a sua casa, funcionará uma biblioteca, cujo acervo de 30 mil livros será construído a partir de duas grandes doações, uma do Diário de Notícia e outra do sindicado dos trabalhadores do sector dos seguros, mas também das realizadas por muitos cidadãos anónimos. Existirá como biblioteca provisória, sabe-se já, até que seja construída a definitiva Biblioteca de Benfica, com 2 mil metros quadrados e a edificar nos terrenos da Fábrica Simões, como contrapartida pela sua futura urbanização.
O espaço de cowork (trabalhado partilhado) terá capacidade para 16 pessoas e nele se pretende albergar – a troco de mensalidades que vão dos 25 euros aos 100 euros por pessoa, consoante o grau utilização do mesmo – um ambiente favorável a projectos de criação artística, sem descurar a sua vertente profissional. “Vamos analisar as propostas, temos recebido muitas”, diz Inês Drummond sobre a valência que permitiu somar 150 mil euros, através do Orçamento Participativo (OP) de Lisboa, ao total de 400 mil em que projecto do Palácio Baldaya está estimado – entretanto, e dada a dimensão assumida por essa vertente, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) mobilizou mais 80 mil euros para a junta, que custeia tudo o resto.
Foi, aliás, a intervenção da CML que tornou possível a, há muito desejada, transformação do decadente palacete no novo pólo cultural de Benfica, assinala a presidente da junta, lembrando o contrato de comodato assinado, em 2014, entre a câmara e a Estamo – imobiliária encarregue da alienação de imóveis públicos e que assumira a propriedade do edifício após a saída do LNIV, no ano anterior. O laboratório estatal havia ali sido instalado em 1913, vindo a permanecer durante um século.
A festa de inauguração, ou de reabertura, como prefere Inês Drummond, decorrerá no jardim e nas diversas salas do palacete, durante três dias (1,2 3 de setembro), e apresenta um extenso e diversificado programa cultural, no qual se incluem exposições, música, actividades para crianças, tertúlias, arte urbana, uma feira do vinil e um chá dançante.