Apesar de ser contra as touradas, Medina garante que nada fará para acabar com elas no Campo Pequeno

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Samuel Alemão

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Avenidas Novas
Cidade de Lisboa

13 Março, 2019

Oito meses após ter tentado fazer passar, na Assembleia Municipal de Lisboa, uma recomendação pedindo a abolição das corridas de touros na principal arena do país, o PAN forçou novo debate sobre o tema. E desafiou a Câmara de Lisboa a converter o Campo Pequeno “num espaço livre de sofrimento animal”. Mas o presidente da autarquia, apesar de revelar não gostar de touradas, diz preferir cumprir as “regras da democracia”. E criticou os que apelidam a festa brava de “barbárie”. Mais importante, rejeita retirar esta fonte de financiamento à Casa Pia de Lisboa. Ainda assim, Fernando Medina reiterou que a autarquia por si liderada “não atribui nenhum apoio, subsídio ou facilidade” à realização de touradas na capital.

Trata-se de uma questão de princípio. Apesar de se manifestar contra as corridas de touros, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML) diz que não lhe compete tomar qualquer posição contra aquilo que é a vontade da maioria dos portugueses e dos lisboetas, expressa ainda há poucos meses na Assembleia da República (AR) e na Assembleia Municipal de Lisboa (AML). A capital portuguesa não será, nos próximos temos, uma cidade livre de touradas, ao contrário do que alguns pretenderiam. Nem a Praça do Campo Pequeno deverá ver o seu uso principal ser alterado. A garantia foi deixada por Fernando Medina (PS), no final do debate especial sobre o tema, ocorrido na tarde desta terça-feira (12 de Março), na AML, por iniciativa do Partido Pessoas Animais Natureza (PAN), oito meses após a mesma força ter visto chumbada pelo mesmo órgão autárquico uma recomendação para que a câmara tomasse medidas tendentes à abolição de touradas na principal arena do país. Tal como no Verão passado, a argumentação assentava não apenas na defesa dos direitos dos animais como na suposta situação de ilegalidade na relação contratual do recinto.

O PAN, bem como muitos dos mais activos elementos dos movimentos da luta pelos direitos dos animais e da militância anti-touradas, tem assente a sua linha de acção política visando um travão na realização de corridas de touros no Campo Pequeno através da colocação de pressão sobre a Câmara de Lisboa. Em causa estará o contrato assinado entre a autarquia e a Casa Pia, em 1889, de cedência do terreno para a construção do edifício, que impôs como condição de tal benefício a utilização exclusiva do mesmo para touradas. Caso ao edifício fosse dado outro destino ou alienado, a posse do terreno teria de voltar para a CML. De acordo com o partido, a cedência de 17.200 metros quadrados do subsolo da praça, em 1995, para a construção de um centro comercial e de um parque de estacionamento veio alterar os pressupostos legais da relação estabelecida no século XIX. Nesse ano, a Assembleia Municipal de Lisboa (AML) aprovou a proposta camarária de desafectação daquela parcela do domínio público municipal para o domínio privado municipal. Dois anos depois, em 1997, realizou-se a escritura de constituição de direito de superfície, pelo prazo de 99 anos consecutivos, dessa parcela a favor da Casa Pia.

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O recinto pertence à Casa Pia de Lisboa, mas os terrenos são propriedade do município

Tais argumentos foram refutados pela maioria dos deputados da assembleia municipal, quando a referida recomendação foi discutida e chumbada em 10 de Julho passado, tendo na altura Fernando Medina salientado que a câmara por si liderada “não dá nenhum apoio, de forma directa ou indirecta, a touradas”. Algo que voltou a fazer ontem, embora a natureza do debate fosse desta feita diferente, uma vez que não estava em causa a votação de qualquer deliberação, mas sim o debate de actualidade sobre “O Futuro do Campo Pequeno”, requerido pelo PAN. Colocado ante a repetição em tudo idênticos aos esgrimidos naquela sala há pouco mais de meio ano, Medina fez questão de apelar a uma clara distinção entre as questões de consciência individual e o respeito pelo primado da lei, resultante da vontade da maioria dos cidadãos representados pelos órgãos eleitos. “A minha posição pessoal não é favorável à realização de touradas”, começou por declara. “Ao mesmo tempo, a minha posição pessoal e institucional é de profundo respeito por aqueles que pensam de forma diferente, que vêm nas touradas uma manifestação cultural secular do nosso país”, disse.


 

O presidente da câmara disse não concordar com aqueles que, sendo contra esta forma de expressão popular, “utilizam uma adjectivação de barbárie para com as pessoas que defendem as touradas”. E acrescentou a necessidade de respeito pelo formalismo dos procedimentos institucionais de uma democracia. “O fim das touradas foi reprovado pelo parlamento português, há poucos meses atrás, e nesta assembleia municipal, também há poucos meses. A iniciativa de hoje é fazer entrar pela porta do cavalo aquilo que não conseguiram fazer entrar pela porta principal. E fazem-no utilizando um conjunto de argumentação que é factualmente falsa”, acusou o autarca, refutando que tenha existido alguma subversão do contratualizado há 130 anos entre a CML e a Casa Pia, por via de uma alteração da propriedade do imóvel. “A câmara não alienou nenhum terreno. Trata-se de uma concessão, nada foi vendido” afirmou, reiterando ainda a inexistência de qualquer apoio “directo ou indirecto” do município às touradas na capital portuguesa.

 

 

Em particular, Medina refutou que a Associação de Turismo de Lisboa (ATL) – participada pela câmara – atribua qualquer “apoio, facilidade ou subsídio”, mas também que haja lugar a uma isenção de IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis), como o PAN tem vindo a afirmar. O presidente da autarquia informou que tanto o estacionamento como o conjunto das lojas situadas no subsolo da Praça do Campo Pequeno liquidam 55 mil euros por ano referentes aquela obrigação fiscal. Já o recinto está isento porque, referiu, se trata de uma construção de uma entidade pública, a Casa Pia. “Contra a nossa opinião, os edifícios do Estado continuam a não pagar IMI na cidade de Lisboa. Quando o parlamento votar que os edifícios públicos possam pagar IMI, o Campo Pequeno passará a pagar IMI”, afirmou, antes de assumir que não será por sua iniciativa que ali deixarão de ocorrer touradas. “Não proporemos a revogação à Casa Pia de Lisboa, porque entendo que é uma fonte de receita que a Casa Pia deve manter e que o município não deve cortar a uma instituição tão relevante”, asseverou.

 

Ora, tal posição corresponde a tudo o que o PAN não queria ouvir. Lamentando a persistência de “práticas anacrónicas”, a deputada municipal Inês Sousa Real garantia, minutos antes da intervenção de Medina, que, em bom rigor, o terreno municipal onde está a praça de touros havia sido alienado “duas vezes”, se se tivesse em atenção o que fora estipulado em 1889 – a primeira das quais logo em 1891, com a cedência de direitos de exploração à Sociedade Tauromáquica Lisbonense. “Houve violação ou incumprimento das condições de cedência. A Câmara de Lisboa só não reverteu a posse do terreno a ser favor porque, até agora, não quis”, acusou, lembrando que a Sociedade de Renovação Urbana do Campo Pequeno, que explora a arena, o estacionamento e a zona comercial, se encontra em processo de liquidação e dissolução por dívidas de 90 milhões de euros – 400 mil dos quais ao Estado. “Como é que a Casa Pia e a Câmara de Lisboa não avocam a si a gestão do espaço?”, questionou a eleita e antiga Provedora do Animal de Lisboa, antes de desafiar a CML a transformar a Praça do Campo Pequeno “num espaço livre de sofrimento animal”.

 

 

Tais palavras dividiram a assembleia municipal, como já se pudera constatar em Julho passado, aquando da votação da recomendação do PAN. Se bem que a única força política que inequivocamente apoiou tal pedido de fim das touradas foi o Bloco de Esquerda. “A cidade tem vindo a percorrer um caminho muito importante ao prosseguir medidas de promoção do bem-estar animal, que não se coadunam com a manutenção das touradas neste espaço ou noutro”, disse a bloquista Isabel Pires. Também à esquerda, foi clara a divergência de opinião entre parceiros PCP e PEV sobre este assunto. Se o deputado verde Sobreda Antunes reconhecia que “os animais são detentores de direitos” e notava que “infelizmente, a mudança de mentalidade é, por vezes, demasiado lenta”, já a comunista Graciela Simões dizia que o Campo Pequeno deve “manter a amplitude de valências existentes, que sejam comerciais ou culturais, desde que se enquadrem no âmbito das liberdades e garantias consagradas na Constituição”. O deputado independente Rui Costa apelou a que, após os actos eleitorais deste ano, a Assembleia Municipal de Lisboa pense em organizar um referendo para auscultar a população da capital sobre a matéria.

 

Mais uniforme foi a posição da ala direita da assembleia municipal, ao optar por uma clara refuta da situação prevalecente. O líder da bancada do CDS-PP, Diogo Moura, usou os mesmos argumentos de Medina quando lembrou que isenção de IMI não se aplicava às lojas do centro comercial  e criticou a referência do PAN à insolvência da sociedade que explora o Campo Pequeno como motivo para tomar uma posição de força. “A insolvência deve correr nas instâncias próprias”, alegou, antes de assegurar que “cada vez há mais eventos e espectadores na praça, ao contrário do que é dito”. Mais duro foi o social-democrata António Prôa que, à imagem do que sucedera há oito meses, denunciou a ideologia “animalista” do PAN, a qual apodou como “visão minoritária travestida de uma alegada ética de respeito pelos animais”. Criticando o que qualificou como “inaceitável superioridade moral”, Prôa foi peremptório: “No dia em que se impuser a proibição de corridas de touros no Campo Pequeno, Lisboa perde parte da sua identidade e características de tolerância, respeito e pluralidade”. Já Aline Hall Beuvink (PPM) disse também ser contra as touradas, embora o seu partido seja a favor. E criticou a insistência do PAN neste tema.

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