O futuro incerto da Bedeteca de Lisboa

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Samuel Alemão

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CULTURA

Olivais

11 Janeiro, 2016


Quase a comemorar duas décadas de actividade, o serviço instalado na Biblioteca dos Olivais estagna com a indefinição. Criado em 1996, por decisão do então presidente da câmara João Soares, o primeiro equipamento público de arquivo, consulta e divulgação especializado em banda desenhada e ilustração já teve melhores dias. A perspectiva de mudança para a futura Biblioteca de Marvila é vista com apreensão. Teme-se o desbaratar de um legado de duas décadas. Mas a Câmara de Lisboa diz que nada está ainda decidido.

As salas de leitura vazias são uma constante na Bedeteca de Lisboa. Não quer dizer que não haja procura, longe disso. Mas ela fica bem aquém do que seria de esperar num equipamento público cuja missão é divulgar a arte da banda-desenhada (BD), da ilustração e da caricatura e que está quase a celebrar 20 anos de existência. E tal ausência de movimento, sobretudo num local onde a desejada presença de crianças poderia deixar adivinhar o oposto, funciona bem como imagem do impasse a que chegou um espaço nascido sob tutela municipal, mas é que agora administrado pela Junta de Freguesia dos Olivais.

A Bedeteca Municipal de Lisboa, nascida em 23 Abril de 1996, no Palácio do Contador-Mor, nos Olivais – por iniciativa do então presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), João Soares, actual ministro da Cultura -, funcionou como equipamento com identidade administrativa própria até Janeiro de 2011, partilhando o mesmo edifício da Biblioteca Municipal dos Olivais. Desde essa altura, e por decisão dos serviços de cultura do município, perdeu a sua autonomia orgânica e passou a funcionar como um serviço especializado integrado na biblioteca dos Olivais – e, por conseguinte, parte da rede municipal de bibliotecas.

Com a transferência de competências do município para as juntas, ocorrida no início de 2014, na sequência da reforma administrativa da cidade, a Junta de Freguesia dos Olivais passou a tutelar a Biblioteca Municipal dos Olivais. E, em consequência, a Bedeteca – que, durante a sua existência como entidade autónoma, conheceu dois directores: João Paulo Cotrim (1996-2002) e Rosa Barreto (2002-2010). Depois disso, a gestão do espaço passou a estar a cargo dos responsáveis da biblioteca, entre os quais se contam dois funcionários especializados do serviço – como os restantes, deixaram funcionários da câmara e passaram a sê-lo da junta.

Longe dos tempos em que era vista como um equipamento cultural de referência, sobretudo quando foi dirigida por João Paulo Cotrim, a Bedeteca Municipal de Lisboa tem vindo a agonizar. “Tem havido, nos últimos anos, um claro desinvestimento neste equipamento”, diz ao Corvo um dos funcionários. Agora, são apenas dois, mas já chegaram a ser uma dezena. Mas se o cenário actual não é o mais animador, a prometida transferência para a futura Biblioteca de Marvila, a inaugurar em 2016, poderá agravar o estado de coisas. Teme-se a estocada final num projecto inicialmente tido como pioneiro em Portugal.

“O acervo da Bedeteca irá para a nova Biblioteca de Marvila, mas nós não iremos para lá. O que isto significa é que vai existir uma biblioteca pública com estes livros todos, mas que não tem os funcionários especializados para dar seguimento ao trabalho aqui realizado ao longo de duas décadas”, diz o mesmo funcionário, questionando “o que vai acontecer depois à colecção”. A dúvida paira, mas a mesma fonte tem já uma forte convicção sobre o que se vai passar: “Os leitores que vêm aqui aos Olivais deixarão de lá ir e a promoção à leitura da banda desenhada desaparecerá”, diz.

A opinião é partilhada por outros funcionários da Biblioteca dos Olivais, que estão longe de se conformar com a anunciada transferência para Marvila da colecção, com cerca de 9 mil referências de banda desenhada, ilustração e caricatura. “Duvido muito da capacidade técnica dos que vão ter este acervo à disposição. E tenho a certeza de que a colecção, que tem coisas que nem existem sequer na Biblioteca Nacional, irá estagnar, com o fim das aquisições e das doações”, confessa uma responsável pela gestão da biblioteca agora sob alçada da Junta de Freguesia dos Olivais.

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Para além do problema relacionado com a vislumbrada falta de preparação dos funcionários da futura Biblioteca de Marvila para lidar com uma área tão específica como a BD, a razão para a grande preocupação reside na localização desse equipamento, em construção. A nova biblioteca situar-se na Rua João José Cochofel, num bairro de habitação social, mal servido de transportes públicos. Uma situação que, temem os técnicos da biblioteca dos Olivais, contribuirá irremediavelmente para que este possa bem vir a ser um projecto fracassado. “Vão colocar o equipamento num sítio onde ninguém, além dos moradores, vai”, dizem.

Mas tal cenário poderá, afinal, não passar de uma perspectiva mais pessimista. Pelo menos no que se refere à Bedeteca de Lisboa. Isto porque, quando questionada pelo Corvo sobre este assunto, a Câmara Municipal de Lisboa, através de informação transmitida pelo gabinete da vereadora da Cultura, Catarina Vaz Pinto, garantiu que “não está tomada qualquer decisão sobre a transferência do espólio em questão para a Biblioteca de Marvila”. Tal indefinição é uma novidade, tendo em conta o que era conhecido sobre o dossiê.

O Corvo tentou ouvir a presidente da Junta de Freguesia dos Olivais sobre esta matéria, mas os contactos estabelecidos foram infrutíferos.

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