Utentes da biblioteca de Telheiras descontentes com o encurtamento do horário e dos dias de funcionamento

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Sofia Cristino

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CULTURA

Lumiar

22 Janeiro, 2019

No bairro, ninguém está satisfeito com as mundaças na Biblioteca Orlando Ribeiro. O equipamento cultural encerra agora uma hora mais cedo e, a cada duas semanas, fecha as portas à segunda-feira e ao sábado. O novo horário esteve afixado na entrada, mas entretanto terá sido retirado. No lugar do aviso, há agora mensagens insultuosas aos funcionários. Testemunho de uma comunidade irritada com alterações que até nem serão inéditas. Os universitários, a maioria dos utentes, são os que se sentem mais prejudicados. “Telheiras tem muitos estudantes a viverem em quartos e há senhorios que não os deixam receber amigos em casa para estudarem. A biblioteca acaba por ser a única alternativa”, explica a presidente da Associação de Residentes de Telheiras. Grupo cívico que, tal como o presidente de Junta de Freguesia do Lumiar, já tentou saber junto dos responsáveis municipais os motivos da alteração de horários. Mas as respostas tardam em chegar.

Paulo Cândido, 28 anos, espreita através das grades do portão da Biblioteca Orlando Ribeiro, em Telheiras, com um ar confuso. Desde o passado dia 22 de Dezembro, a biblioteca encurtou o horário – encerra uma hora mais cedo, às 18h, em vez das 19h, e duas vezes por mês está fechada à segundas-feira e ao sábado. Mas, na zona, muitos ainda não o sabiam. “Estou muito surpreendido. Preciso de utilizar o computador e a internet, porque não tenho, e, agora, não sei para onde vou. Vou ter de alterar muito o meu trajecto”, lamenta o jovem.

 

À entrada do equipamento cultural, chegou a estar afixado um folheto informativo, com o novo horário. Na última semana, alguém o terá arrancado e escrito mensagens a criticar o comportamento dos funcionários e até a insultá-los. “Fecharam outra vez? Falta pessoal? Tenham vergonha, que lata! Não querem trabalhar? Há quem goste e precise!”, lê-se. O Corvo sabe que as mudanças de horário e dos dias de funcionamento da Biblioteca Orlando Ribeiro poderão estar relacionadas com a escassez de recursos humanos da mesma.

Os utilizadores da biblioteca, porém, não acreditam em tal justificação, uma vez que vêem funcionários em número que avaliam como suficiente para assegurar e o equipamento está sempre lotado. “Às vezes, nem tenho espaço para me sentar. Há sempre muita gente e um funcionário por cada sala, não entendo os motivos do encerramento às segundas-feiras”, critica Paulo Cândido, que utiliza a biblioteca para aprofundar conhecimentos na área das artes performativas.

 

Vicente Carlos, 22 anos, aluno universitário de Biologia, sente o mesmo. “Não entendo, dizem que têm falta de pessoal, mas vê-se tantas funcionárias lá dentro! Acho de um profundo egoísmo a Câmara de Lisboa fazer isto aos estudantes. Dão-nos condições para estudar, para logo de seguida as retirarem. Já para não falar de toda a comunidade que depende deste espaço, como os meus avós e sobrinhos, para descansarem e brincarem”, critica. No Verão, época de exames para muitos estudantes do ensino secundário e universitário, o equipamento passará também a fechar às 17h. “Isto é escandaloso, dado a que a biblioteca tem uma taxa de frequência elevadíssima e ainda somos avisados para sairmos dez minutos mais cedo. Antes, só fechavam aos domingos e feriados. Agora, abre dois sábados e segundas por mês. Por isso, quando fecha, são três dias seguidos, é muito tempo”, queixa-se.

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De duas em duas semanas, os sábados e as segundas-feiras são de folga para os funcionários

Esta segunda-feira (21 de Janeiro), Vicente Carlos passou o dia a estudar num dos cafés mais movimentados da zona. “Tive de consumir e o ambiente não é o mesmo, tive dificuldades em concentrar-me. Toda a gente que conheço que frequenta a biblioteca gostava de ficar lá até mais tarde. Queremos que retrocedam na decisão e, se possível, que alarguem o horário até às 20h”, sugere. Além disso, critica ainda, o novo horário esteve afixado por pouco tempo na entrada, não sendo possível visualizá-lo no site da Rede de Bibliotecas de Lisboa (BLX). Tal como Vicente, Margarida Meira, 30 anos, teve de passar a manhã num café próximo. “Vim para aqui porque a biblioteca está fechada. Felizmente, tenho um bom espaço para trabalhar em casa, mas muita gente não tem. Não concordo, também, que fechem ao sábado, porque muitas pessoas só podem ir para a biblioteca ao fim-de-semana”, explica a utente da biblioteca desde a sua abertura, em 2003.


 

Telheiras é um bairro muito procurado para viver por casais mais jovens e estudantes universitários, mas ali também moram muitos reformados, que acabam por passar bastante tempo na biblioteca. António Mota, 74 anos, frequentador assíduo do espaço, também bateu com o nariz na porta. “Vinha ler o jornal e uma revista que gosto muito e nem sempre se encontra, a National Geographic. Estando fechada, não leio hoje e vou às compras”, diz. O morador elogia as actividades promovidas pela Biblioteca Orlando Ribeiro, como exposições e cursos de informática para seniores, e diz não compreender a mudança de horários. “As funcionárias são todas muito simpáticas e há um ambiente muito agradável. Não entendo a decisão, não pode ser por falta de pessoal”, considera.

 

A viver há menos tempo em Telheiras, mas frequentador da zona há vários anos, António Calçada, 72 anos, diz que não é a primeira vez que a biblioteca muda de horários sem justificação aparente. “Já esteve fechada às segundas-feiras e sábados, há dois ou três meses. Se calhar, há funcionários que se despedem ou são despedidos e a biblioteca reduz o horário. Não sei, não quero especular, mas devia ser garantida uma alternativa, e, pelo menos, durante a semana, devia estar sempre aberta”, pede, enquanto se desloca para a Universidade Sénior do Lumiar, onde é estudante e também passa algum tempo.

 

 

Nos estabelecimentos comerciais, há quem também tema pelo negócio. “Alguns dos nossos clientes só vêm à zona para irem à biblioteca. O encerramento, duas vezes por semana, poderá prejudicar-nos”, diz Ângela Costa, 55 anos, gerente da pastelaria Derby, a poucos metros da Biblioteca Orlando Ribeiro. Já Daniel Ribeiro, 21 anos, funcionário de um restaurante da zona, não está tão preocupado. “Como todos nós, os funcionários têm direito a folgas. Acho que não vai afectar muito o nosso negócio, porque os nossos clientes não são utentes da biblioteca”, diz.

 

A presidente da Associação de Residentes de Telheiras (ART), Mariana Sousa, diz a O Corvo que os moradores do bairro têm reagido com “estupefacção” à mudança de horários. “As bibliotecas já não são só sítios onde se vai buscar livros, também há a hemeroteca e os DVDs. Telheiras tem muitos estudantes a viverem em quartos e há senhorios que não os deixam receber amigos em casa para estudarem. A biblioteca acaba por ser a única alternativa deles. O bairro também tem uma população mais envelhecida que gosta de ler jornais lá. Esta diminuição de horário é péssima, estamos profundamente descontentes”, critica.

 

Mariana Sousa promete pressionar a administração da biblioteca para voltar a repor o horário antigo e dar mais explicações, que “tardam em chegar”. “Disseram-nos que o motivo da alteração de horários tem a ver com o facto de não haver pessoas suficientes para trabalharem por turnos. Um trabalhador da biblioteca disse-nos, contudo, que até há pessoas disponíveis para trabalharem dessa forma, por isso não entendemos”, diz.

 

 

A dirigente da ART já enviou um email à Rede de Bibliotecas de Lisboa a manifestar a insatisfação dos moradores e a pedir justificações, mas até agora ninguém respondeu. Também o presidente da Junta de Freguesia do Lumiar, Pedro Delgado Alves (PS), já pediu justificações à Câmara Municipal de Lisboa (CML), responsável pela gestão deste espaço cultural, mas ainda não chegaram.

 

“Depois de recebermos algumas queixas de moradores, na semana passada, questionámos o município se a decisão é temporária ou definitiva, mas ainda não tivemos resposta”, conta. O autarca socialista admite que prefere não se alongar em comentários sobre uma situação relativamente à qual o próprio diz ter poucos dados. Mas não deixa de manifestar insatisfação. “Acho que o horário deve ser o mais abrangente possível e, uma vez que esta biblioteca é mesmo muito frequentada, queremos que esteja aberta o máximo de tempo possível”, conclui.

 

O Corvo contactou a Câmara Municipal de Lisboa e a Biblioteca Orlando Ribeiro, para saber os motivos do encurtamento do horário – e se este será definitivo -, mas, até ao momento da publicação deste artigo, as respostas também não chegaram.

 

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