Lei das rendas atira antigo clube de boxe às cordas

REPORTAGEM
Francisco Neves

Texto

Luísa Ferreira

Fotografia

URBANISMO

VIDA NA CIDADE

Misericórdia

28 Fevereiro, 2013

A carta do senhorio atirou o antigo clube de boxe contra as cordas, mas não o pôs KO. Habituado a uma renda mensal de 109 euros pelo espaço que ocupa na Rua da Atalaia, ao Bairro Alto, o Lisboa Clube Rio de Janeiro recebeu a 8 de Fevereiro, uma proposta de aumento para 2500 euros. Um aumento de 2.293 por cento. Como se isso não bastasse, a septuagenária e emblemática colectividade de Lisboa e do Bairro Alto – cuja marcha popular sempre organizou – enfrenta uma acção de despejo que o tribunal começa a apreciar na próxima semana. Acusa o senhorio que o clube fez obras que põem em risco a estrutura do prédio.

 

O aumento proposto e a ameaça de despejo são os dois problemas que mais preocupam o clube, bem como autarcas das freguesias da Encarnação e Santa Catarina e da Câmara Municipal de Lisboa. “Temos que lutar e agarrar o touro pelos cornos. Para já, evitar o despejo e ganhar tempo até conseguir uma solução para o problema da renda. A Câmara também está empenhada e temos que mostrar que é do interesse de todos que esta colectividade continue no Bairro Alto”, disse ao Corvo Vítor Silva, presidente do Lisboa Clube Rio de Janeiro.

 

“O valor de renda proposto é muito elevado para nós e, além disso, o edifício está muito degradado. Temos que pedir apoios, só que ninguém tem dinheiro nesta altura. As quotas são de 1,5 euros/mês e de metade para os reformados”, que representam boa parte dos frequentadores desta associação sem fins lucrativos, fundada em 1938.


 

Nos primeiros tempos, o Rio de Janeiro foi o autêntico coração do Bairro Alto, centro de encontro de jovens desgarrados, vindos da província, que ali encontravam desportos como o boxe ou o ciclismo. Também ali se descontraiam e namoravam, nos bailes de fim-de-semana. O boxe era bastante procurado devido ao bairrismo agressivo que, nessa época, se vivia. Os mais novos batiam a cidade em grupo e eram frequentes as refregas. O árbitro Mário Martins, vindo do Colmeal (concelho de Góis) para Lisboa, recorda que entrou no clube para não levar tareia dos tipos do Castelo (entrevista em http://goo.gl/Jeo9V). Este campeão nacional amador (em 1983) recorda que, de início, não havia ringue e os atletas tinham que usar o salão de baile: “limpávamos o chão se quiséssemos treinar”.

 

“Tivemos muito bons atletas, como Paulo Seco (agora treinador), e fomos uma referência do boxe a nível nacional”, diz Vítor Silva. “O boxe acabou há uns 12 anos. Não dava. Um boxeur amador ganhava muito pouco e preferia ir para Espanha onde um combate lhe rendia 50 ou 60 contos”. A nobre arte acabou e o ringue entretanto montado teve a última função em 2007, como cenário da série televisiva “Um Mundo Catita”, com o músico e humorista Manuel João Vieira.

 

Hoje a luta do Rio de Janeiro é outra: tenta matar a fome aos moradores empobrecidos das freguesias da Encarnação e Santa Catarina. Esta iniciativa tem sete meses e nesse período já deu 14 mil refeições, à média de 500 por semana. “Santa Catarina fornece uma carrinha e todos os dias, pela meia-noite, pego nos tupperwares e passo pelo Bota Alta, pelo Celeiro e pela Padaria Portuguesa a apanhar o almoço do dia seguinte. Para muitas pessoas esta a a única refeição do dia”, descreve o dirigente associativo.

 

Enquanto fala, na sala do bar e dos troféus há muito conseguidos, quatro dezenas de idosos pedalam sem parar no ginásio que dá para a Travessa da Queimada. A colectividade é agora um apoio grande sobretudo para os mais velhos. Tanto assim, que vai participar na corrida do 25 de Abril, “mas a caminhar”… Foi-se o tempo do boxe, da greco-romana, do jogo clandestino no último andar, mas a associação desdobra-se em actividades ocupacionais, que vão da escola de futebol infantil às aulas de postura ou ao futsal e a capoeira. “Mesmo com estes problemas queremos ter um sorriso para as pessoas que estão pior”, diz o presidente do clube.

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