Casa dos Animais de Lisboa “mudou da noite para o dia” e abre-se à comunidade

REPORTAGEM
Fernanda Ribeiro

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VIDA NA CIDADE

Ajuda

30 Junho, 2014


Alvo de inúmeras queixas e até de um processo em tribunal, o canil-gatil municipal foi, este ano, alvo de grandes transformações. Não só físicas, como nos métodos de trabalho. Quem o conheceu antes diz que “foi uma mudança da noite para o dia” e que a providência cautelar foi um mal que veio por bem. Será inaugurado em breve.

Ir parar ao canil municipal deixou de ser sinónimo de morte certa para os cães e gatos de Lisboa. O tempo do abate ditado por razões de falta de espaço acabou na agora chamada Casa dos Animais, em Monsanto, na qual se recolhem os cães e gatos abandonados que para ali são encaminhados pelas autoridades policiais.

“Não somos um canil de abate. Só fazemos as eutanásias que são medicamente recomendadas, nos casos em que os animais são portadores de doenças crónicas e terminais, e para lhes evitar mais sofrimento”. Quem o garante é Marta Videira, a veterinária que desde Setembro de 2013 é a responsável técnica da instituição, onde nos últimos meses se verificaram grandes transformações, algo evidente para quem visite as novas instalações.

Em termos de abate de animais, os números fornecidos pelos serviços municipais demonstram também a alteração verificada: enquanto de Janeiro a Maio de 2013 foram abatidos 102 cães e 148 gatos, no mesmo período de 2014, foram eutanasiados 13 cães e seis gatos, o que é revelador de uma mudança de atitude, possível também graças à ampliação e melhoramento das instalações.

As obras – que tiveram origem no orçamento participativo de 2009 e se iniciaram em 2011, mas foram interrompidas por diversas vezes – estão agora praticamente concluídas. “Faltam apenas trabalhos que serão executados pelos próprios serviços camarários, como a criação de um solário para os gatos, e a criação de novos parques para cães” no exterior dos edifícios, afirma aquela responsável.

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Os melhoramentos são já bem notórios, seja nas condições de alojamento e tratamento dos animais, muito mais espaçosas e cuidadas, como nas instalações das pessoas que ali trabalham e também na recepção dos visitantes.

“A diferença é da noite para o dia, não só nas estruturas e condições logísticas mas também na forma de funcionamento”, afirma Nuno Alves, um dos encarregados da Casa dos Animais, que ali trabalha há 15 anos e acompanhou O Corvo numa visita guiada.

“Da noite para o dia” foi também a expressão utilizada pela ex-deputada municipal Maria José Pinheiro Cruz (PSD) para referir a alteração verificada. “Em muito pouco tempo, já se fez uma grande mudança e aquele canil tem agora condições que muitas associações não têm. As obras ajudaram muito”, afirmou Maria José Pinheiro Cruz.

“É claro que ainda há muito a fazer. Falta contratar mais veterinários, porque a carga horária praticada pelos três que ali estão em funções é humanamente impossível. Falta também fazer formação dos tratadores, que se esforçam muito, mas precisam de mais formação. E falta melhorar ainda a área da quarentena, na ala fechada. Mas não há dúvida que as coisas melhoraram substancialmente. O gatil, então, é mesmo um luxo, para quem conheceu o que antes existia, que era um susto”, sublinha.

Marta Videira, a técnica responsável, concorda com a necessidade de mais médicos veterinários, e diz ter esperança de que a questão se resolva em breve.

E, por doloroso que seja sempre ver cães numa cela, ansiosos por uma festa quando alguém se aproxima, actualmente, os que ali vão parar – seja por abandono, por via de despejos de casas, ou até de detenção dos donos – não estão acorrentados em compartimentos muito apertados, como antes sucedia. Dispõem agora de boxes maiores, mais arejadas e limpas e têm alimentação diária garantida duas vezes por dia, até serem devolvidos aos donos ou adoptados – porque a adopção é o fim último da existência do canil-gatil.

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É para isso que se trabalha agora na Casa dos Animais: tentar cativar mais adoptantes para os cerca de 115 cães e 50 gatos que actualmente ali estão. Todos, cães e gatos, têm uma ficha em computador, com a sua história, desde o momento em que entraram para a Casa. Onde e em que celas se encontram, quais as vacinas que levaram, quais os tratamentos a que tiveram de ser submetidos, todas essas informações constam na ficha de cada um dos entrados.

“O ritmo das saídas é irregular, mas a média é de uma a duas adopções por dia, ainda que neste número se incluam também algumas devoluções, afirma Marta Videira. “Gostaríamos de ter mais e boas adopções, mas com a crise não é fácil. Ter um animal é um encargo e é justamente por falta de capacidade de o suportar que muitos vêm cá parar”, afirma Marta Videira.

“Actualmente, estamos perto do limite da nossa capacidade, mas ainda há espaço disponível na quarentena e há espaços que vão ser criados em mais dois parques exteriores”, diz a técnica responsável.

Duarte Cordeiro, vereador do pelouro da Higiene Urbana, que tutela os serviços da Casa dos Animais, avançou ao Corvo que “para reforçar a campanha de adopção, haverá um plano de comunicação específico, com uma página própria no facebook, onde poderão comunicar também todas as associações ligadas à protecção dos animais”.

Uma providência cautelar que veio por bem

Os melhoramentos introduzidos não surgiram por acaso. Uma providência cautelar colocada em 2011 por um movimento de cidadãos da Campanha de Esterilização de Animais Abandonados obrigou a câmara a tomar medidas. Mas quer as obras, quer as mudanças de procedimentos na gestão do canil-gatil tardaram a ser postas em prática. E, à providência cautelar seguiu-se uma acção principal, colocada pelo mesmo movimento em tribunal, o que impedia a câmara de continuar a aceitar novos animais abandonados enquanto não fossem reunidas as condições de higiene e bem-estar determinadas pela justiça.

Mas a providência cautelar acabou por ser um mal que veio por bem, admite a própria responsável técnica da Casa dos Animais. “A acção poderá agora ser retirada”, afirma Margarida Garrido, representante da Campanha de Esterilização de Animais Abandonados, a entidade autora da queixa em tribunal. “A acção já não se justifica, porque as coisas se têm vindo a resolver e, no fundo, estão a ser cumpridas os aspectos que estavam na origem do processo”, disse ao Corvo.

Quem chega agora à Estrada da Pimenteira, em Monsanto, onde se situa a Casa dos Animais, já não é obrigado a esperar de pé na rua, até ser atendido. No edifício novo, que foi construído de raiz, há uma recepção destinada aos visitantes e uma sala de espera, onde as pessoas podem aguardar tranquilamente, até serem encaminhadas. Por lá, anda por vezes a saltitar a Rita, uma cadela “adoptada” pelos trabalhadores que se move agora na área dos serviços, por onde anda igualmente a Nina, outra “adoptada” internamente.

Também para os funcionários as condições melhoraram: há novos balneários e uma cantina equipada com cozinha, onde podem tomar as refeições. “Isto tudo dá outro ânimo e outra motivação para trabalharmos e, desde que veio para cá a Dra. Marta, as coisas mudaram muito e para melhor, na minha opinião”, disse ao Corvo o encarregado Nuno Alves.

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Os elogios não se ouvem apenas aos que ali trabalham. Também as associações ligadas à protecção de animais e o próprio Partido pelos Animais e pela Natureza (PAN) se mostram entusiasmadas com as mudanças operadas. André Silva, responsável do PAN Lisboa, que nos últimos tempos visitou por três vezes a Casa dos Animais, congratulou-se com o rumo ali seguido, destacando que os melhoramentos foram “não só nas condições físicas como na abordagem clínica” ao tratamento dos animais.

“As melhorias das infraestruturas e das condições de recolha, alojamento e acompanhamento dos cães e gatos são evidentes”, diz André Silva, para quem a alteração principal consistiu no “fim dos abates e na adopção da prática da eutanásia da forma que o PAN entende ser correcta, para os animais em fim de linha e proporcionando-lhes uma morte boa”.

“Estamos muito satisfeitas. As obras ajudaram muito, mas são as pessoas que marcam a diferença. Porque antes havia uma guerra aberta e quando a nova gestão tomou posse, fez-se luz”, considerou, por seu turno, Margarida Garrido, da Campanha de Esterilização de Animais Abandonados, que irá assinar um protocolo de colaboração com a Casa dos Animais, tal como a Associação Animais de Rua e a Liga Portuguesa dos Direitos do Animal.

Também a Faculdade de Medicina Veterinária, na Ajuda, irá colaborar, mediante protocolo. É, aliás, de lá que vêm já alguns dos voluntários que aos fins-de-semana vão passear os cães do canil. São precisos ainda mais e a ideia é contar com o Banco de Voluntariado da Câmara Municipal de Lisboa, dando uma formação prévia aos que se candidatarem.

Embora se pudesse supor que as diversas iniciativas em curso tivessem sido avançadas pelo grupo de trabalho nomeado pelo presidente da câmara – num despacho de Junho de 2013, no qual António Costa criava a figura da Provedora dos Animais -, tal não sucedeu. O grupo de trabalho pouco funcionou. A provedora demitiu-se dois meses depois de ser nomeada, alegando falta de condições e não foi substituída. A Bastonária da Ordem dos Médicos Veterinários, que presidia o grupo de trabalho, ainda trabalhou no manual de procedimentos da Casa dos Animais, mas não voltou a manter reuniões com os restantes parceiros.

Todas as tarefas de que fora incumbido o grupo de trabalho – desde a elaboração de um programa de voluntariado, até à criação de um plano de formação dos trabalhadores, bem como a realização de reuniões periódicas com as associações ligada à causa animal – acabaram por ficar entregues aos próprios serviços camarários da Divisão de Sensibilização e Educação Sanitária e Ambiental que há um ano tutela a Casa dos Animais.

Questionado pelo Corvo a este respeito, o vereador Duarte Cordeiro admitiu que “foram os serviços a chamar a si as tarefas, desde a criação de um manual de procedimentos, até à elaboração de um plano de acção”. Mas destacou sobretudo “a grande mudança” verificada. “Agora temos uma casa aberta a todos”.

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COMENTÁRIOS

  • Duarte Cordeiro
    Responder

    Notícia do blog “O Corvo” sobre a Casa dos Animais de Lisboa http://t.co/nNBt28Eb7f

  • Anabela Nune s
    Responder

    Boa noite, conheço a casa dos animias de Lisboa, antigo canil de Monsanto há muitos anos e confirmo que a mudança foi de 180º, frequento o espaço todos os sábados e ja estou inscrita no voluntariado, a equipa é fantastica e ate o comportamento dos funcionários mudou para muito melhor. Uma nota 20 no esforço e dedicação deta equipa chefiada pela Drª Marta Videira uma força da natureza.

  • Anabela Natário
    Responder

    Casa dos Animais de Lisboa “mudou da noite para o dia” e abre-se à comunidade http://t.co/Rt3bC36KYq

  • Laura Ferreira
    Responder

    Fiquei encantada ao ter conhecimento da grande mudanca, na casa dos animais de Lisboa.Faz bem saber que as pessoas estao mais sensibilizadas na causa animal.Eles o merecem,porque sao inocentes e bons.Desejo que esse exemplo contagie todo o pais,que as pessoas sejam mais humanas e os governos mais responsaveis.

    • José Manuel Fernandes
      Responder

      Fantástico! O primeiro contágio, era bom que fosse para o Canil do Porto. Na campanha eleitoral para as autárquicas, tanto foi prometido e nada foi feito, apesar da muita insistência de algumas associações e particulares que, de alma e coração, se dedicam à causa animal. Parabéns à Câmara Municipal de Lisboa, Casa dos Animais de Lisboa, a todos os que lá trabalham, e aos que para esta causa se voluntariaram. Os NOSSOS AMIGOS merecem tudo! Muito obrigado.

  • Ana Matrena
    Responder

    Aguarda-se com expectativa a declaração pública e o compromisso político de que o canil não praticará abates, mas para isso é urgente que a política de esterilizações ganhe dimensão.

    As condições dentro do canil são incontestavelmente melhores mas o número de animais em risco e a avalanche de pedidos de ajuda são uma realidade na cidade de Lisboa que não se compadece com a capacidade limitada de acolhimento do canil municipal.

  • luisa melo
    Responder

    Fico muito feliz por saber que houve essa grande mudança , pois passo com frequência nessa zona e ficava muito triste a pensar em que condições estavam os animais e sem poder fazer nada . Obrigada á Dra e a todo o pessoal que lá trabalha .

  • Vitor Alves
    Responder

    Tiro o meu chapéu à Drª. Marta Videira e restante equipa!
    Bem hajam pelo bem que proporcionam aos patudos!
    Obrigado a todos

  • Amélia Vieira
    Responder

    Boa noite
    Frequento a Casa de Lisboa à cerca de um ano, quase todos os Domingos, e testemunho o trabalho desta maravilhosa equipa, que em tão pouco tempo fizeram dum Canil medonho um Lar para os animais, que são encaminhados para a adopção responsável. Para além da melhoria das condições fisícas, ressalvo o carinho com que os animais são tratados, e a abertura do mesmo ao público, com a possibilidade de poder interagir com os animais…creio que isto foi fundamental, para que cada um passe a palavra e convide mais pessoas a fazeram-no. Lisboa precisava de uma mudança assim e os animais também… este exemplo, resultado de um trabalho intenso e profissional, pode e deverá alastrar-se a todo o país. acrescento ainda que também me inscrevi no voluntariado, com mais algumas pessoas e que aguardamos a sua abertura….., sinto que muito Lisboeta quer participar na felicidade dos animais que se encontram nesta Casa e reconciliar-se com o passado…
    Cumprimentos
    Amélia Vieira

  • Marta
    Responder

    Boa tarde. Como é que me posso inscrever para fazer voluntariado todos os Sábados na casa dos animais Lisboa? Com os melhor cumprimentos.

    • Marta
      Responder

      Boa tarde. Como é que me posso inscrever para fazer voluntariado todos os Sábados na casa dos animais Lisboa? Com os melhores cumprimentos.

  • João Marques
    Responder

    Boa noite, há alguns dias atrás fui entregar para a cremação o nosso gato e amigo Gil, e as pessoas foram espetaculares, atenciosas e prestáveis ,muito recentemente fui analisar a possibilidade de adotar outro amigo gato e fiquei sensibilizado com as notáveis condições que estes felinos têm atualmente e desse modo até me vai custar ir buscar um outro amigo, mas será inevitável e brevemente irei adotar mais um amigo e faze-lo feliz

    Um abraço a todas as pessoas que lá trabalham e até breve
    João Marques

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