Casa Testa: uma loja no coração de Lisboa onde o tempo pode valer muito dinheiro
REPORTAGEM
Rui Lagartinho
Texto
Paula Ferreira
Fotografia
VIDA NA CIDADE
Santa Maria Maior
20 Junho, 2016
A funcionar na Rua do Arsenal há 133 anos, a Casa Testa faz a ponte entre os Reis e o Euro, com o escudo pelo meio. Esta loja é como um museu informal do dinheiro que circulou em Portugal, e cujas peças podem ser levadas para casa. Mas só se aceitam pagamentos em euros.
Quando, em Junho de 1883, se realiza em Lisboa o congresso republicano português, a casa Testa – baptizada com o nome do seu fundador José R. Testa, um destacado membro da elite financeira do país -, que abrira portas nesse ano, era uma das mais recentes coqueluches da Baixa. Nesses tempos, ainda insípidos no que ao republicanismo dizia respeito, o escudo, a futura moeda dos novos tempos que chegariam vinte e sete anos depois, estava longe sequer de ser imaginada.
Os negócios faziam-se em reis (câmbios, títulos de crédito) e a sorte tentava-se na lotaria também em reis. De vez em quando, podem ainda aparecer na Casa Testa reis desse ano. Hoje, são objectos de colecção. Se é verdade que tempo é dinheiro, esse adágio popular, quando aplicado às notas e moedas que ainda hoje podemos encontrar na centenária casa da Rua do Arsenal, ganha a patine do tempo histórico.
Diamantino Jorge trabalha aqui desde 1969. Nessa altura, já havia Totobola. Ainda havia barcos a despejar marinheiros de todo o mundo no Cais do Sodré. Mais tarde ou mais cedo, o dinheiro que traziam nos bolsos vinha aqui parar: “Ou o trocavam directamente, ou então era trocado pelos gerentes dos bares aqui da zona, que vinham, na manhã seguinte às noites de farra, cambiar as gratificações”.
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No dia 25 de Abril de 1974, uma quinta-feira, andava à roda. E Diamantino teve de persuadir os militares a deixarem-no passar a tempo de devolver a lotaria não vendida.
A Rua do Arsenal respira História e ADN de Portugal em cada pedra. O rei Dom Carlos I foi assassinado à esquina, a Marinha tem o seu quartel-general em frente à Casa Testa, o melhor bacalhau da cidade vende-se aqui ao lado, a sede do Banco de Portugal e os Paços do Concelho ficam a dois passos.
E na Casa Testa vê-se passar a cidade que corre agitada, entre o Cais do Sodré e a Baixa: “Com a chegada do metro ao Cais do Sodré, o movimento diminuiu, mas hoje, com a explosão do turismo, está tudo mais animado”, satisfaz-se o senhor Diamantino.
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E quase se atropelam nos passeios, acrescentamos nós. Alguns entrarão atraídos pelas notas de colecção e moedas de todo o mundo expostas na montra. Na tarde em que o Corvo esteve na Casa Testa, um português procurava uma moeda em escudos: “uma qualquer, desde que seja barata”. Esta é também uma loja para nostálgicos que cresceram a encher o mealheiro com notas de 20 escudos. Hoje, um papel com a efígie do Santo António em bom estado vende-se por 2.50 euros, vinte cinco vezes mais que o seu valor facial.
No cofre, guarda-se uma nota de 1.000 escudos que, chegada recentemente, aguarda comprador. Pelo seu número de série, sabe-se que estava na agência bancária da Figueira da Foz quando, em 1967, quatro opositores ao regime salazarista, entre eles Camilo Mortágua e Palma Inácio, assaltaram o banco. “Vem referenciada, nos catálogos é uma nota muito apetecida, que, decerto, encontrará quem a queira”, garante-nos Diamantino.
Com o fim dos cambistas, a seguir à Revolução de 1974, o negócio de casas como esta ficou amputado. Hoje, os três milhões de facturações anuais dividem-se entre os apostadores dos jogos sociais da Santa Casa e a venda de moedas e notas a colecionadores. São eles quem se aproximam do longo balcão negro, com ar sólido e a inspirar confiança, para serem atendidos por um dos quatro funcionários, enquadrados por pósteres da Praça do Comércio ou do Palácio da Pena em Sintra que o tempo amarelou.
Às vezes, a sorte grande entra pela porta, a última vez foi no Natal 2013, quando aqui foi vendido um prémio de 12 milhões de euros.
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A lotaria é o jogo mais vendido, a casa fornece também alguns cauteleiros de Lisboa de cautelas e raspadinhas, contribuindo assim para que outra tradição tipicamente lisboeta não se extinga, numa espécie de solidariedade entre pares, que já foram do Reino e hoje são da República.
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