Com o PURP, partido dos reformados, dos “ais” e dos “uis”, no Mercado de Benfica

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REPORTAGEM
Sofia Cristino

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VIDA NA CIDADE

Cidade de Lisboa

25 Setembro, 2017

Eles também são candidatos.


Com apenas dois anos de existência, o Partido Unido dos Reformados e Pensionistas (PURP) ainda é desconhecido de muita gente. Mas Fernando Loureiro, o seu cabeça-de-lista à Assembleia Municipal de Lisboa, não se deixa intimidar. O Corvo acompanhou uma acção de campanha, no Mercado de Benfica, no passado fim-de-semana, do ex-bancário que deseja dar voz aos reformados que passam por mais dificuldades. Uma realidade que diz conhecer muito bem. Com o coração ao pé da boca e um sentido de humor inquestionável, aos poucos, vai arrancando alguns sorrisos. Eleger um deputado municipal já “seria uma lança em África”, garante. O candidato a presidente da câmara, António Arruda, ferroviário aposentado, ficou em casa, porque estava doente.

São 10 horas da manhã de sábado e, como é habitual, o Mercado de Benfica está já à pinha. E é aqui, onde o comércio de rua e a vida bairrista se cruzam, que o Partido Unido dos Reformados e Pensionistas (PURP) começa mais uma acção de campanha eleitoral. Enquanto os seis elementos da comitiva, reformados e ex-combatentes, se preparam para a entrega dos panfletos, vão contando algumas curiosidades a O Corvo.

“Está a ver esta bandeira? Foi feita a partir de um pano e pintada pela minha mulher”, diz Fernando Carreto, vogal do PURP. “Sabe quanto gastámos nos panfletos? 376 euros. E foi do nosso bolso. Enquanto os outros partidos gastam milhões de euros”, explica-nos Fernando Loureiro, reformado bancário e candidato à Assembleia Municipal de Lisboa (AML) pelo PURP. O candidato à Câmara Municipal de Lisboa é António Arruda, reformado ferroviário, que não conseguiu marcar presença na iniciativa, por motivos de doença.

Entram no mercado, confiantes e de sorriso no rosto. A boa disposição é indiscutível. Contudo, não são recebidos com o mesmo entusiasmo. Os clientes e os comerciantes estão desanimados. Muitos não querem receber os panfletos da campanha, argumentando que já leram. Há quem os aceite, não evitando, ainda assim, um olhar desconfiado. Alguns dizem que estão cansados. “Já não acredito em ninguém”, diz uma mulher reformada. Outros não estão interessados em ouvir as ideias do PURP por questões partidárias. “Posso mudar de mulher, de carro e de casa, mas de partido nunca. Sou comunista até morrer”, afirma um cliente. Apesar das entusiastas abordagens, poucos querem conversar. Mas Fernando Loureiro vai reagindo aos comentários com sentido de humor: “Não quer o papel? E uma nota de 500 euros? É papel…”.

Com o PURP, partido dos reformados, dos “ais” e dos “uis”, no Mercado de Benfica

Mas também há quem pergunte quem são. “Quem somos? Somos os partidos dos ‘ais’ e dos ‘uis’. Ai que me dói aqui, ai que me dói ali”, brinca o candidato à AML. “Por vezes, este trabalho é ingrato e cansativo, há pessoas que, quando nos vêem, parece que passou o diabo!”, confessa a O Corvo. Mas insiste. “Sorria, minha senhora!”, desafia uma idosa na casa dos 80 anos. Ela acaba por aceder ao pedido e, de sorriso tímido, lá deixa escapar um comentário: “Não podemos sorrir com a reforma que temos…”. “É por isso que tem de votar em nós!”, assegura prontamente Fernando Loureiro, aproveitando a deixa.

As observações dos lisboetas não os demovem. “Não temos nada a perder com esta idade, já não estamos aqui para fazer carreira política”, explicam. E continuam o percurso, cumprimentando os comerciantes das várias bancadas de fruta e legumes frescos. Mais à frente, no talho, a empregada antecipa-se à chegada do PURP. “Ainda não estou reformada”, afirma, altiva. “Não está, mas, um dia, vai estar! E será que tem reforma?”, questiona o candidato.

Com o PURP, partido dos reformados, dos “ais” e dos “uis”, no Mercado de Benfica

“Então, diga-me lá, votando em vocês, as pessoas ficam logo a ganhar mais dinheiro, é isso?”, questiona a mulher, em tom provocador. “Pelo menos, lutaríamos para que os mais idosos pudessem pagar uma renda mínima em função dos seus rendimentos”, responde.

Findo o percurso pelo mercado, seguem pela Estrada de Benfica, onde se cruzam com outras campanhas partidárias de partidos maiores. Fernando Loureiro desabafa: “As leis foram feitas de forma a pôr os mais pequenos de parte. Os grandes partidos andam a desperdiçar rios de dinheiro em jantares e campanhas que parecem desfiles de carnaval”.

O PURP começou numa página do facebook e foi ganhando visibilidade, tendo sido legalizado em 2015, depois de angariar 8770 assinaturas. Dizem que não são de Direita nem de Esquerda, apenas defendem causas. “Houve outros partidos que nos convidaram a juntarmo-nos a eles, mas não aceitámos. Estamos aqui por uma causa, digamos até que num registo de voluntariado”, explica Fernando Loureiro, que também é presidente do PURP.

Dar voz aos reformados, “que são cerca de 3,5 milhões, com 80% a ganharem reformas inferiores a 500 euros”, é a principal prioridade do PURP, garantem. “Os idosos são os mais frágeis da sociedade, ninguém fala neles. Só falam neles quando há eleições e querem votos”, acrescenta. “Os trabalhadores têm os sindicatos, os empresários têm as associações e os reformados quem é que têm? Existe uma Associação de Reformados, mas é composta por uma elite. Não defendem ninguém”, acusa.

A questão dos processos de despejos, que muitos lisboetas enfrentam, é outra das grandes preocupações do partido. O próprio secretário-geral do PURP, António Mateus Dias, está em risco de ser expulso da sua casa, em Campo de Ourique. “Já recebi uma carta em minha casa a intimidar-me a sair, e é o que vai acontecer”, explica, desolado.

E se ganhassem as autárquicas? “Haveria claramente menos desperdício de dinheiro. O dinheiro que a Câmara de Lisboa tem gasto em grandes obras é um insulto aos pobres. Há pessoas a ganharem 200 euros de reforma”, responde. “Mas nós, na Câmara, não temos hipótese. Termos um deputado municipal, e estou a pedir pouco, já seria uma lança em África”, ironiza, ainda.

O candidato à AML pelo PURP garante que também não esquecerão os mais novos. “Destinávamos uma verba para a criação de emprego e para acabar com essa porcaria dos recibos verdes. Os jovens têm de ter uma perspectiva de futuro”, afirma.

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