Na rua com o ex-autarca “sem ideologia”, que ama o Sporting e conversa com todos

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REPORTAGEM
Samuel Alemão

Texto

“Lisboa Sim”

Fotografias

AUTÁRQUICAS 2017

Cidade de Lisboa

21 Setembro, 2017

Eles também são candidatos.


O Corvo inicia hoje uma série de reportagens sobre as acções de campanha dos candidatos à presidência do município de Lisboa pelos partidos sem representação parlamentar na Assembleia da República – sob a designação “Eles também são candidatos”. Longe da atenção mediática e sem os meios promocionais das principais máquinas partidárias, estes apostam no contacto directo com a população. Começamos com Carlos Teixeira, da coligação Lisboa Sim, resultante da junção de esforços do Partido Democrático Republicano e do Juntos Pelo Povo. O antigo presidente da Câmara de Loures pelo PS afirma gostar de desafios e do trabalho autárquico. Inscrito no centro de emprego, diz que, por isso, conhece bem os reais problemas das pessoas. E à-vontade no contacto de rua é coisa que tem de sobra.

A dada altura, já o périplo pelo Mercado de Benfica estava quase terminado, Carlos Teixeira é abordado por um dos vendedores de etnia cigana que trabalhava numa banca de venda roupa no exterior. “Os partidos de esquerda são a favor do aborto e da morte. Os da direita, porque têm medo de ficar atrás, ficam calados, não dizem nada. Qual é a vossa posição?”. O candidato da coligação Lisboa Sim, que congrega o Partido Democrático Republicano (PDR) e o Juntos Pelo Povo (JPP) nesta eleições autárquicas, não se atrapalha e diz-lhe: “Não somos de direita, nem de esquerda”. Pergunta óbvia do interlocutor: “Então, são do centro?”. Responde Teixeira. “Não temos ideologia. O senhor tem as suas ideias, eu tenho as minhas, ela tem as dela. E é assim que funcionamos”, diz, antes de contar uma anedota sugerindo o quão inconclusivo pode ser o confronto de ideias. Há risos em redor, o comerciante desarma e a comitiva segue.

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O antigo presidente da Câmara Municipal de Loures, entre 2001 e 2013, parece estar longe de sentir o peso de uma eventual herança identitária resultante de ter sido autarca eleito pelo Partido Socialista (PS) durante mais de duas décadas. “Somos independentes, sem ideologia. Hoje, a esquerda e a direita confundem-se em muitas das suas ideias e das suas reivindicações. Nós queremos dar voz a pessoas como nós, trabalhar para elas”, disse a O Corvo, ao início da manhã desta quarta-feira (20 de setembro), enquanto bebia café na esplanada de uma conhecida pastelaria da Estrada de Benfica. “Somos uma candidatura independente, mas estamos dependentes dos vossos votos. Não somos é como os outros, não temos muita conversa a fazer”, diria, minutos depois, a um grupo de homens idosos, sentados junto a uma agência bancária do outro lado da rua. O que, afinal, nem corresponde à verdade. Trata-se de alguém de verbo fácil, que a todos tem algo a dizer, num registo que exala surpreendente intimidade.

Para se candidatar à presidência da câmara municipal da capital, Carlos Teixeira, 60 anos, teve de se desvincular do seu partido de sempre – “o PS não me fez nenhuma proposta, porque o secretário-geral deu indicação para não recandidatar nenhum ex-autarca, e, como acabei por ter este convite, aceite” -, mas não sente remorso. O experiente autarca diz ter achado “interessante” a proposta feita pelo PDR e pelo seu líder, Marinho e Pinto, depois ter passado os últimos quatro anos como deputado municipal socialista em Loures. Nas últimas eleições, havia sido forçado a abdicar pela limitação legal de mandatos. “Fiz o meu trabalho em Loures, mas agora venho para aqui porque gosto de novo desafios e da vida autárquica, de estar junto das populações. Conhecem-se outras pessoas”, diz, antes de considerar Fernando Medina “um excelente economista e político, mas que não tem jeito para ser autarca”. “Nota-se que não está à vontade, ao contrário de mim”, assevera.

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Mas não será uma despromoção concorrer por uma coligação de partidos que muita gente parece ter dificuldade em reconhecer, depois de ter sido presidente de um dos maiores municípios do país, durante mais de uma década, eleito pelo PS? “O Eusébio, depois de sair do Benfica, foi para o Beira-Mar. Porque, tal como eu, gostava do que fazia”, responde, numa metáfora futebolística que parece trair a sua bem conhecida predilecção clubística. A referência ao Sporting Clube de Portugal e à cor que o identifica é, aliás, utilizada em doses imodestas nos contactos de rua com a população. “Tome lá este, que é verdinho de esperança. É bonito, não é? É da cor do meu Sporting”, dirá, por inúmeras vezes, com visível alegria. Aos que manifestam outras preferências desportivas, remete para a sorridente “número dois”, Isabel Elias, 54. “Ela é do Benfica”. Jurista da Câmara Municipal de Lisboa, Isabel é mulher experiente nestas andanças. “Fiz a campanha do Marcelo Rebelo de Sousa, em 1989, aquela em que ele se atirou ao Tejo”, recorda.

Fazendo uso de valores seguros, e económicos, como os panfletos e esferográficas que vão tirando de dentro de um saco, aliados a um notório à-vontade no contacto pessoal e ao verbo fácil, Carlos Teixeira e Isabel Elias mostram ser feitos para isto. Abordam as pessoas que se lhes cruzam no caminho, apelam ao voto, ouvem reparos sobre os males da cidade ou da freguesia, dão incentivos para os que se evidenciam descrentes. Quando um senhora de 85 anos, de nome Rosa, diz que não vai votar, coisa que não fará há anos, ainda para mais por ter de se deslocar a Campo de Ourique – onde ainda estará recenseada – Carlos diz, com tom irónico, “mas não deixe de ir, vai lá dar um passeio e aproveita para visitar o mercado, que está bonito”. A um outro homem, que demonstra igual vontade abstencionista, o candidato diz que “é melhor ir lá, nem que seja para meter uma cruz em todos”. “É importante votar, senão, um destes dias, aparece aí um ditador, e como é?”, questiona.

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O cabeça-de-lista, tal como aliás Isabel Elias, denota grande facilidade na abordagem às pessoas e possui uma evidente capacidade de improviso na conversação. São muitos anos de campanhas eleitorais e de vida autárquica. “Eu sei, quando as pessoas falam, o que é a vida delas. Também sinto as suas dificuldades”, diz, após explicar, sem pudor, que continua inscrito no centro de emprego desde 2014. A seguir ao forçado fim do mandato em Loures, esteve apenas sete meses na empresa onde antes havia trabalhado como engenheiro. Mas os idosos são os privilegiados na abordagem, sem dúvida. “A malta mais velha e a mais leal, enquanto a mais nova se revela mais volátil”, diz o candidato, que, entre outras coisas, promete a construção e a reabilitação a custos controlados de habitação, fomentando o arrendamento de baixo custo, apoio à população sénior ou a restrição do licenciamento hoteleiro na Baixa, “de forma a expandir a oferta turística às 24 freguesias”.

A lista Lisboa Sim, por si encabeçada, concorre a 14 freguesias da capital. Isabel Elias, que no seu currículo tem o ajudar à fundação do Movimento Partido da Terra (MPT), em 1993 – pelo qual foi membro da assembleia de freguesia de São Domingos de Benfica em dois mandatos – ou ainda o ter sido número dois de Carmona Rodrigues, nas eleições autárquicas de 2007, diz que “um bom resultado seria eleger dois ou três vereadores”. “Mas vai ser uma luta”, reconhece.

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