Penha de França, um bairro muito envelhecido, mas com jovens empenhados em dar-lhe nova vida

REPORTAGEM
Sofia Cristino

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VIDA NA CIDADE

Penha de França

31 Agosto, 2018

Situada num dos pontos mais altos da cidade, a freguesia da Penha de França é caracterizada por subidas e descidas íngremes, geografia que não ajuda à deslocação da maioria da população residente, mais envelhecida. Muitos idosos acabam por sair de casa só para irem ao supermercado. O espaço público não é requalificado há muitos anos, há prédios a ruir e muito lixo nas ruas. Os preços ainda acessíveis das casas, quando comparados a outras zonas, acabam por atrair pessoas a viverem ali. A falta de pontos de interesse também continua a colocar a freguesia fora dos roteiros turísticos. Algo que poderá mudar com os planos da Junta de Freguesia para requalificar o miradouro e o espaço público. A presidente da autarquia diz ainda que tem feito um esforço para ajudar na recolha do lixo, uma competência da Câmara de Lisboa, e que a falta de limpeza se deve muito à falta de civismo.

“É um bairro muito velho, os mais novos saem todos daqui porque as casas estão pela hora da morte. A Rua da Penha de França está apagada, há prédios muito antigos há anos”, lamenta Graça Carvalho, 70 anos, a viver na Penha de França desde os 19. O cenário de deterioração, a proximidade geográfica com outras zonas mais atractivas de Lisboa e a falta de espaços verdes na freguesia levam os moradores a não passarem tanto tempo no bairro onde vivem. “Há algumas pessoas a alugar casa na Penha, mas depois vão para a Graça ou para a Baixa fazer compras e não consomem aqui. Há muitas lojas fechadas e não é por falta de população”, diz João Leal, 49 anos, dono da pastelaria Clarinha. A dificuldade em encontrar casa a preços acessíveis sentida em toda a cidade, porém, tem levado alguns a escolher a Penha de França para morar, onde o valor por metro quadrado ainda não é tão elevado.

Henrique Pinto, professor universitário, depois de uma busca exaustiva por habitação, acabou por se instalar na freguesia situada num dos pontos mais elevados de Lisboa. “Nem gosto de sítios altos, mas estava farto de procurar casa. O maior problema da Penha de França são as ruas sebentas, esta artéria é uma lixeira”, comenta, referindo-se à Avenida General Roçadas. O novo inquilino da Penha está a comprar pão pela primeira vez na pastelaria Clarinha. “Gosto de ir sempre a sítios diferentes, até para movimentar a zona. Infelizmente, a Penha não tem vida de bairro, ainda há muitos desempregados e problemas sociais”, lamenta. Graça Carvalho, sentada numa mesa ao lado do balcão da pastelaria, também vai tecendo críticas à zona onde vive há meio século. “Não há espaço para construir e vir gente nova. A freguesia está igual ou pior que há vinte anos. A única diferença é que, nessa altura, era rara a casa que não era assaltada, está mais seguro”, diz.

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João Leal, 49 anos, dono da pastelaria Clarinha.

No quiosque da Sofia Silva, 32 anos, vendem-se raspadinhas toda a tarde. São vários os que procuram ali a sorte, arriscando quase tudo o que têm, enquanto desabafam os infortúnios da vida. “Aqui não acontece nada. Há muitas lojas antigas a fecharem para abrirem ‘lojas de um euro’. As rendas são muito caras e os negócios que abrem não aguentam”, lamenta Sofia Silva. Eugénia Martins, 56 anos, comerciante, também é da opinião que o comércio local precisa de um “abanão”. “Não há um bom restaurante, mas também não há poder de compra. Os jovens fogem desta freguesia porque não há nada que chame a atenção”, considera a proprietária do Mundo dos Tijolos, uma loja de venda exclusiva de legos, na Avenida General Roçadas.

 

Ao estabelecimento comercial de brinquedos chegam clientes de várias partes do país e até de outros continentes. A elevada afluência à loja não reflecte, contudo, a restante dinâmica do bairro. “Estamos revoltados porque pagamos um elevado valor à Junta de Freguesia por anúncios publicitários e não sentimos apoio. Há muitos negócios a abrir e a fechar, o nosso aguenta por ser diferente. Se houvessem condições para se instalarem outro tipo de lojas, havia mais pessoas a visitar a freguesia”, considera António Martins, marido de Eugénia.

 

No bairro de subidas íngremes e de descidas acentuadas, onde os habitantes vão surgindo nas esquinas das ruas timidamente, e com alguma dificuldade, há edifícios em ruína, fachadas vandalizadas e espaços comerciais encerrados à espera de quem lhes queira dar um destino diferente. As lojas novas, por outro lado, “não duram muito tempo”, comenta Pedro Silva, 44 anos. O vendedor de jornais está desolado porque o prédio onde abriu um quiosque, na Rua da Penha de França, acabou de ser vendido. O novo proprietário já avisou o inquilino que não quer renovar o contrato. “Vou ficar a trabalhar aqui mais dois anos, porque consegui negociar com o senhorio. Moro nesta rua desde que nasci e sinto que faltam muitos serviços básicos, foi tudo à vida. Supostamente, iam colocar ecopontos subterrâneos e ainda não puseram, e a rua está uma javardice”, lamenta. Ana Cristina, 31 anos, dona de uma mercearia no mesmo arruamento, também critica a falta de limpeza. “A Junta de Freguesia é muito reles, tenho de pedir ao meu fornecedor para levar o papel e o cartão porque não tenho onde o pôr”, critica.

 

 

A geografia peculiar da Penha de França e o mau funcionamento dos transportes públicos dificulta a vivência no bairro aos mais velhos, a maioria da população residente. “A população é muito envelhecida e, como as ruas são muito clivosas, os idosos acabam por sair de casa só para irem ao supermercado. E vão de autocarro”, explica Frederico Soares, 41 anos, vendedor de jornais na tabacaria Cesário Verde. Apesar do panorama, há quem acredite numa mudança. “Já se vê um ou outro casal jovem à procura de habitação. Antes, os turistas só iam à Graça e, agora, já vêm ao miradouro, é um bom sinal”, observa Pedro Silva, o vendedor de jornais. O miradouro da Penha de França parece ser a única razão porque os turistas visitam a zona. Os moradores sentem, ainda assim, que poucos sabem da existência do ex-líbris. “Temos um miradouro lindíssimo e muito pouco conhecido, é uma pena. É um dos mais bonitos da cidade”, diz Nuno Marques, 35 anos. O morador considera que, apesar da “falta de investimento” na zona, já há “muita gente nova, estudantes e estrangeiros, a procurar a Penha”. “O maior problema desta freguesia é a falta de estacionamento. Estamos à procura de lugar durante uma hora e acabamos por deixar o carro a quase cinco quilómetros do sítio onde queremos ir”, critica.

 


Nuno Marques também é presidente do Clube Lusitano da Penha de França, reaberto este Verão, depois de sofrer obras de requalificação. A colectividade, agora reerguida por um grupo de amigos, quer “juntar os antigos com os mais novos, numa mescla saudável”. “O clube faz muita falta. Tendo em conta o desenvolvimento que a cidade teve com o boom turístico, ficando completamente descaracterizada, é importante preservar as colectividades. Aqueles sítios que tornavam Lisboa tão especial fecharam. A Baixa parece um museu”, lamenta o jovem, empenhado em dar uma nova vida à freguesia. O clube histórico, que acaba de completar 65 anos, tem vários projectos desenhados para o bairro, sendo a modalidade desportiva walking futebol para seniores a “grande novidade”.

 

“É um projecto de futebol para idosos e a principal regra é não correr. Quem correr comete falta”, diz, entre risos, Nuno Marques. “A ideia é que a população da Penha de França, maioritariamente envelhecida, seja menos sedentária, um dos problemas da freguesia”, explica de seguida. O presidente do Lusitano de França avança ainda que gostava de “tentar fechar metade da rua” para os moradores praticarem jogos tradicionais. “Queríamos tirar os carros da rua para jogarmos à malha, ao jogo do ferrinho, à macaca, entre outros. Esta ideia implica muita logística e precisamos de mais tempo para organizar”, explica.

 

 

De cara lavada, com um espaço remodelado, na Rua Padre Sena de Freitas, a colectividade quer realizar workshops de pastelaria, torneios de snooker, sueca, xadrez, matraquilhos e subbuteo, um jogo de futebol de mesa. “Às vezes queremos ir tomar um copo, mas não há nenhum sítio aqui. Queremos dar essa possibilidade aos jovens e, ao mesmo tempo, ter um espaço agradável para todas as idades. O que vamos fazer daqui para a frente vai depender muito dos apoios que vamos receber da Junta de Freguesia e da Câmara de Lisboa. A nossa prioridade é pagar as dívidas da antiga direcção”, informa.

 

Tal como Nuno Marques, há uma geração de jovens adultos que ambiciona devolver à freguesia a sua identidade. Rita Bernardes, 39 anos, responsável de comunicação do Fórum Dança, acredita que a associação cultural, a funcionar na Penha de França desde 2014, mas já com uma história de 28 anos, está a dar um “novo movimento ao bairro” e a transformar a freguesia. “O Fórum quer que a Penha cresça naturalmente e que façamos parte desse crescimento. Queremos existir com a comunidade que cá vive”, explica. Enquanto mostra as instalações do espaço, uma antiga garagem reutilizada, Rita vai contando a “excelente” ligação que mantém com outras instituições culturais de freguesias vizinhas.

 

“Somos muito próximos de associações localizadas em Arroios e São Vicente, falamos da programação uns com os outros e partilhamos ideias”, explica. São estas sinergias que também levam Rita Bernardes a acreditar que algo vai mudar na freguesia. “Juntam-se cada vez mais pessoas a trabalhar na área das artes nesta parte da cidade e a tentarem dar uma dimensão comunitária ao bairro. Sinto que a comunidade mais jovem está muito preocupada em organizar-se de uma forma associativa, tem uma maior preocupação artística e política. Acredito que vão nascer novas colectividades”, conjectura.

 

Em Setembro, o Fórum vai realizar a segunda edição do Programa Avançado de Criação em Artes Performativas (PACAP), um projecto que atrai pessoas de várias partes do mundo. Todos os anos, um artista é convidado a desenhar um curso de artes performativas para cerca de 15 participantes, que ficam hospedados nas residências artísticas. Este ano, inscreveram-se alunos da Roménia, Uruguai, Itália, Lituânia, Estados Unidos da América, França, Bélgica, Suécia, Berlim, Brasil e apenas uma portuguesa. “É uma contribuição interessante para a freguesia, as pessoas vêm e vão, mas movem-se por aqui. Temos o caso de uma artista brasileira que esteve cá no programa anterior e vai-se mudar para Lisboa, porque gostou muito da cidade. Isto é a prova de que a comunidade não é um conceito fechado, é algo que se faz”, diz. Além da criação de novas parcerias, o Fórum Dança planeia continuar a dar aulas de dança e teatro, fazer performances de rua e uma “performance psico-geográfica”, que consiste num percurso pelo bairro determinado pelos participantes.

 

 

Numa freguesia com uma grande densidade populacional, e maioritariamente envelhecida, não se vê muita gente na rua. E muitos só estão de passagem. Pelo que se torna “importante” criar mais actividades, considera Rita. Ao chegar à Praça Paiva Couceiro, além dos habituais grupos de jogadores de sueca reunidos à volta das mesas de madeira do largo, alguns idosos dormitam nos bancos do jardim e um homem descansa com a cabeça pousada em taparueres de comida vazios. “É uma zona com uma mistura muito grande de etnias e classes sociais, para onde vieram morar muitos retornados. Quando vim morar para aqui, dizia-se muito mal da Penha de França, ninguém queria vir”, diz Joseia Matos Mira, 73 anos, que viveu no Canadá e voltou recentemente para Portugal. A emigrante diz que “ainda há muito a fazer” pelo bairro e que “a biblioteca podia ter mais interesse pela cultura”.

 

A presidente da Junta de Freguesia da Penha de França, Sofia Dias (PS), em declarações a O Corvo, reconhece que a freguesia “carece há muito tempo de renovação dos espaço público e de espaços verdes”. Tanto que, diz, é uma prioridade a criação de “espaços mais aprazíveis” para os habitantes. A autarca espera que a requalificação da Parada do Alto de São João, inserida no programa Uma Praça em Cada Bairro, da Câmara Municipal de Lisboa (CML), fique concluída até ao final deste mandato, obra que ajudará muito na desejada reabilitação. O mesmo ímpeto renovador atingirá a Praça Paiva Couceiro. “Este largo precisa mesmo de um coberto vegetal novo. A ideia é torná-lo agradável para facilitar o convívio entre gerações”, explica. A criação de novos espaços verdes já poderá ser mais difícil. “A densidade de construção é muito elevada e há limites para o que se pode fazer. Sempre que encontramos um espacinho, tentamos colmatar esta lacuna geográfica, mas é complicado”, explica.

 

 

Sofia Dias avança que quer tornar “os passeios mais amigos do peão” e, por isso, estão previstas obras de requalificação em algumas zonas pedonais. “Haverá uma aposta clara no espaço público, também para evitar quedas de idosos nos passeios”, promete. A presidente da Junta de Freguesia da Penha de França considera que é urgente ser criada uma carreira de transporte público de bairro porque “há ruas estreitas onde alguns autocarros não podem passar”. “Temos uma geografia complicada de combater, não é possível o metro chegar aqui. Precisamos de autocarros bons”, diz.

 

A autarca socialista lembra também a dificuldade que continua a sentir em trazer turistas à freguesia. O Museu Nacional do Azulejo, situado numa das extremidades da freguesia, é o “único ponto de interesse turístico” da zona, mas a autarquia está empenhada em atrair visitantes para zonas mais centrais do bairro. “Uma das nossas ideias é que a requalificação do Mercado dos Sapadores cative mais pessoas. Sabemos que os turistas gostam de comprar nos mercados e ver apresentações de showcooking”, diz. A Junta de Freguesia também tem planos de requalificação para o miradouro da Penha de França, mas ainda não podem avançar, uma vez que este confina com o antigo depósito da Empresa Portuguesa das Águas Livres (EPAL). “Queremos melhorar o espaço, construir um café e uma esplanada. Já apresentamos uma proposta à EPAL, mas até agora não se concretizou”, informa.

 

Sofia Dias admite ainda que a freguesia tem “um tecido empresarial antiquado e pouco modernizado”. “Fizemos uma iniciativa para os restaurantes se modernizarem e estamos a estudar uma forma de premiar quem compre no comércio local. Algumas empresas precisam de um empurrão e tentamos ajudá-los no que está ao nosso alcance, como licenciar esplanadas. Apesar de haver alguns movimentos de renovação, ainda não são suficientes”, considera. A autarca diz que a EMEL será também “um aliado do comércio”, ao ordenar o espaço, e que vai aproveitar espaços devolutos para criar estacionamento”.

 

 

Quanto ao problema do lixo, Sofia Dias diz que este tem muito que ver com “a falta de civismo”. “As pessoas limitam-se a despejar lixo para a rua. Já alocámos recursos com a Câmara de Lisboa para ajudar. Esperamos que a instalação de contentores subterrâneos ajude nesta remoção”, conclui.

 

* Nota de redacção: artigo rectificado às 15h15 de 31 de Agosto, esclarecendo que a intervenção no âmbito do programa Uma Praça em Cada Bairro se realizará na Parada do Alto de São João e não na Praça Paiva Couceiro, como antes havia sido escrito. Pelo lapso pedimos desculpa aos nossos leitores.

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