Junta de Freguesia do Areeiro paga aulas de astrologia a idosos e reformados, mas oposição contesta

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Sofia Cristino

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VIDA NA CIDADE

Areeiro

27 Dezembro, 2018

Vinte e seis alunos da universidade sénior daquela zona da capital têm aulas de astrologia. A junta de freguesia (PSD) justifica tal gasto de dinheiros públicos com o facto de serem os próprios alunos a solicitar que a disciplina continue a ser leccionada. Mas também assegura que os valores das inscrições cobrem os custos. A oposição na assembleia de freguesia acha, porém, altamente reprovável o executivo patrocinar este tipo de matérias, “sem validade científica”. Os partidos garantem já tê-lo questionado, várias vezes, sobre esta matéria, e prometem não deixar cair o caso. O  grupo cívico Vizinhos do Areeiro contesta não só o dispêndio de fundos públicos em aulas esotéricas, mas também o contrato ter sido celebrado por ajuste directo. Ouvida por O Corvo, a docente de astrologia garante não haver qualquer ilegalidade na forma de contratação. “Propus-me a dar estas aulas e até fiquei surpreendida quando a junta de freguesia aceitou, porque costuma haver algum preconceito relativamente a estes temas”, admite.

Quando o grupo cívico Vizinhos do Areeiro descobriu que a Universidade Sénior desta freguesia contratou, por ajuste directo, uma professora de Astrologia, as reacções não tardaram em surgir. “O dinheiro dos nossos impostos está a financiar cursos de astrologia. Mesmo que fosse de graça, já era muito estranho. Pode ser uma forma da astróloga captar clientes para as suas actividades”, critica Rui Martins, um dos elementos daquele colectivo. A informação consta na acta da quarta reunião extraordinária da Junta de Freguesia do Areeiro, de 25 de Janeiro de 2018, há quase um ano. Mas está a ser agora a ser contestada. Uma das propostas refere-se à aprovação da aquisição de prestação de serviços para aulas de astrologia, na modalidade de avença, pelo montante total de 300 euros, a serem pagos em prestações mensais de 50 euros, pelo período de seis meses.

 

A astróloga, Maria Paula Pereira Borges Bravo, é proposta pelo executivo, “atendendo aos critérios de experiência técnica e profissional e do conhecimento da área em questão”, lê-se na proposta aprovada. Uma justificação que também surpreendeu Rui Martins. “Experiência técnica e profissional? Isto é uma forma de validação, por parte de uma entidade pública e eleita, de uma prática que não tem qualquer valor científico ou demonstrativo”, considera.

 

Questionado por O Corvo sobre a contratação, o presidente da Junta de Freguesia do Areeiro, Fernando Braamcamp (PSD) , explica que os critérios para a contratação “são claros” e que as pessoas são escolhidas pela sua competência. “Os contratos têm um termo e, quando terminam, podem ser renovados, e foi isso que aconteceu com as aulas de astrologia. É feito por ajuste directo, porque está dentro dos valores que a lei determina. Já temos essa cadeira há vários anos, há pessoas que gostam de astrologia e querem estudar, não vejo problema nenhum”, afirma. Mas os partidos da oposição não parecem partilhar dessa perspectiva.


 

Já ao início da tarde desta quinta-feira (27 de Dezembro), a junta fez chegar a O Corvo uma informação escrita através da qual esclarece que a disciplina de astrologia da Universidade Sénior já existia quando o actual executivo tomou posse, há cinco anos, “sendo que todos os anos, há alunos interessados na mesma e que solicitam a sua continuidade”. “De salientar que as inscrições dos alunos cobrem a despesa total das aulas da universidade sénior, ou seja, esta não representa um custo efetivo para a Freguesia, uma vez que as receitas cobrem as despesas”, assegura a referida nota. Sobre o facto de o “contrato para prestação de serviços ser por ajuste direto, a Junta de Freguesia do Areeiro informa que todas as pessoas que trabalham à tarefa – como é o caso da professora de astrologia que presta serviço apenas 1 hora por semana, pelo valor de 17€/hora – não são consideradas uma necessidade permanente da freguesia, pelo que é realizado o ajuste direto”. A autarquia frisa ainda que estes contratos são de apenas nove meses, devido à interrupção para férias escolares, no Verão.

Ofélia Janeiro (PS), líder da oposição na assembleia de freguesia, diz que o ensino deste tipo de matérias é “condenável” e tece críticas às opções da Junta de Freguesia do Areeiro. “Contratarem uma pessoa para leccionar uma matéria que não é científica, e que pode causar problemas nas vidas das pessoas, é eticamente muito reprovável. Mais grave ainda, é a junta de freguesia estar a patrocinar estas actividades”, critica. O grupo do PS já pediu ao executivo do Areeiro um relatório de actividades da academia, questionou-o, na última sessão de assembleia de freguesia, sobre os pagamentos dos professores, quais as disciplinas com mais adesão, entre outras perguntas, mas até ao momento ainda não obteve resposta.

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A professora de astrologia diz que até ficou surpreendida quando a junta aceitou a sua proposta

“Sendo a universidade um elemento comunitário muito importante, e necessário, é estranho não nos facultarem um relatório de actividades. Sem esse documento, não conseguimos fazer uma avaliação”, diz Ofélia Janeiro. A eleita do PS diz já ter questionado a junta de freguesia sobre outros contratos por ajuste directo. “Não queremos tecer comentários sem uma verificação concreta da legalidade destes contratos. Os valores alocados, nestas contratações, podem não ultrapassar o que é determinado pela lei, e nesses casos não há problema” legal, explica.

 

Não é a primeira vez que a Junta de Freguesia do Areeiro é criticada pela falta de transparência na celebração de contratos atribuídos por ajuste directo, e até de “favorecimento partidário”. E sempre que surge um novo acto de gestão desta índole, são levantadas mais suspeitas pela oposição. Luís Moreira, deputado independente na Assembleia de Freguesia, tem mais dúvidas. “Todos os contratos feitos por ajuste directo carecem de explicação, assim como a escolha das pessoas desta forma. Acho que a universidade sénior devia ser usada como difusora de outros temas bem mais importantes do que futurismo e leitura de cartas”, afirma.

 

Maria Luísa Aldim, deputada municipal eleita pelo CDS-PP, também já questionou a Junta de Freguesia do Areeiro sobre o número de alunos por disciplina nos cursos da universidade sénior. Mas também ainda não terá obtido respostas. A eleita condena a escolha de astrologia para o programa curricular e promete continuar a fiscalizar a legalidade deste tipo de contratação. “Sou completamente contra a escolha de astrologia, não seria uma prioridade do CDS. É uma escolha política que não faz sentido, há disciplinas mais importantes”, considera. A eleita na assembleia de freguesia diz ainda já ter questionado o executivo sobre as suas prioridades e se têm sido acautelados os interesses dos habitantes, mas as respostas tardam em chegar. “Nunca tivemos resposta a este tipo de perguntas. Há algumas dúvidas sobre as escolhas das pessoas e pode haver alguma relação eticamente questionável, uma vez que o contrato foi feito por ajuste directo, mas ainda nos faltam dados para o afirmar”, diz.

 

A Universidade Sénior da Junta de Freguesia do Areeiro tem 280 alunos e 26 estarão inscritos na disciplina de astrologia, avança a O Corvo a docente Maria Bravo. A astróloga, há oito anos a leccionar astrologia nesta instituição, garante haver muito interesse nestas aulas e não ver nenhum problema na forma de contratação. “Propus-me a dar estas aulas e até fiquei surpreendida quando a junta de freguesia aceitou, porque costuma haver algum preconceito relativamente a estes temas. Temos continuado porque há uma grande adesão, e há uma continuidade do primeiro contrato, não vejo nada de mal”, diz. Depois do sucesso dos primeiros anos, a docente de astrologia diz que foram os próprios alunos a pedirem a continuação deste curso e assegura que as aulas não são um meio para angariar clientes.

 

“Não fazemos astrologia determinista, nem futurologia, nem fazemos leituras de signos. É uma astrologia de autoconhecimento, ajudamos as pessoas a conhecerem-se melhor. E dão-nos feedback positivo, dizem que hoje olham para as outras pessoas de forma completamente diferente, aceitando-as como são”, explica. Ao longo dos últimos oito anos, quatro alunos pediram-lhe para fazer um mapa astral fora da universidade, mas, conta, “sempre por iniciativa deles”. “Nunca sugerimos isso, está completamente fora de questão”, garante. A astróloga diz ainda que chegou a existir um segundo nível de astrologia, mais avançado, mas, por questões logísticas, acabaram por ficar só com a cadeira de introdução à astrologia. “Há pessoas que vinham por engano e depois pediram para ficar, e até têm pena de só haver a disciplina introdutória”, diz.

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