O pintor japonês que ama Lisboa

REPORTAGEM
Isabel Braga

Texto

David Clifford

Fotografia

CULTURA

Santo António

8 Maio, 2013

Minoru Nagashima sorri muito e fala pouco, quase nada mesmo, porque é japonês e não entende a língua portuguesa. No entanto, vive em Lisboa há 13 anos, ama a cidade e demonstra-o sem palavras todos os dias, porque desde que aqui chegou, no ano 2000, não pára de a pintar.

Um dia, ou melhor, uma manhã, Nagashima pode estar no jardim do Príncipe Real e à tarde em São Pedro de Alcântara, porque trabalha sempre em dois quadros ao mesmo tempo. No dia seguinte, volta a dividir-se entre os dois jardins lisboetas separados por algumas dezenas de metros, de manhã num, à tarde no outro, para poder pintar sempre com a mesma luz. A rotina repete-se durante sete a dez dias, o tempo que ele demora a terminar um quadro.

* Nota Redactorial: correcções efectuadas às 20h36, de 12 de Maio 2013.

A seguir, escolhe outros dois lugares da cidade separados por uma distância que consegue percorrer a pé, a Senhora do Monte e o Mosteiro de São Vicente de Fora, o Largo de Camões e a Calçada de São Francisco, o Cais do Sodré e a Rua do Alecrim, Alfama e a Sé Catedral, sítios que ele próprio escolhe – quase sempre recantos da velha Lisboa, mais próximos do Tejo – ou que pinta em resposta a encomendas, que constituem o seu principal ganha-pão.

Os pedidos variam, há quem lhe peça para pintar o prédio onde mora, o jardim onde brincaram os filhos ou a esquina onde costumava namorar. Também lhe encomendam retratos, mas é mais raro. A tudo Nagashima acede, com um sorriso de orelha a orelha  e uma vénia profunda, a sua maneira de dizer “muito obrigado”.

Os resultados deste labor – que é não apenas a forma de subsistência, como ainda o meio de comunicação e razão de existir do artista- estão patentes no Espaço Cultural das Mercês, na Rua Cecílio de Sousa, junto à Praça do Príncipe Real, numa exposição inaugurada na passada quinta-feira e que encerra no dia 14.

Em lugar de honra, na tela de maiores proporções, surge o jardim que dá o nome à praça, reproduzido ainda noutros quadros, de tamanhos variados, mostrando o cedro centenário, pormenores das feiras que semanalmente ali se realizam ou os quiosques onde se podem beber bicas desde as sete da manhã e cervejas até depois do anoitecer.
Pode dizer-se que o Príncipe Real é o epicentro da vida social de Nagashima.

Ali funciona o quiosque do Oliveira, onde ele gosta de parar para beber um copo, sendo o Oliveira, propriamente dito, uma referência local. O quiosque é um ponto de encontro e o seu dono está sempre a par das novidades do bairro, além de ser um dos maiores amigos de Nagashima em Lisboa. Funciona, aliás, como uma espécie de “agente” informal do pintor, sabendo sempre do seu paradeiro, fazendo-lhe chegar os recados urgentes ou, até, adiantando-lhe dinheiro para telas e tintas.

Nagashima comunica por gestos, palavras em português diz poucas, “gostar” é uma delas. Mas isso basta-lhe. “Ele não quer aprender português, acha que já não consegue e também que não precisa, que é melhor assim”, afirma Takashi Sugimoto, cineasta e compatriota do artista, autor de um documentário sobre ele, intitulado “Nagashima”, finalista em 2009 do festival Hot Docs, realizado em Toronto – que serviu de intérprete na entrevista a O Corvo.

Porque razão é melhor comunicar por gestos em vez de palavras? Nagashima responde, abrindo os braços expressivamente: “Quando falo, aparecem problemas”. O equívoco mais comum surge quando trabalha, situação em que não presta atenção ao mundo em redor. Mas acontece muitas vezes, aliás, está sempre a acontecer-lhe, que, quando está assim concentrado na luz, nas cores, nas perspectivas, chegam ao pé dele pessoas que começam a falar, a falar, e ele pensa, naturalmente, que estão a querer saber quanto custa o quadro. Mas não, apenas lhe querem dar sugestões, dizer-lhe pinte isto ou aquilo, faça assim ou faça assado. Para que a interrupção não dure muito tempo, ele sorri e mantém o silêncio.

O que trouxe a Portugal este homem, que completa 70 anos no próximo dia 19? Nagashima diz que nada conhecia do país até aqui ter chegado de visita, pela primeira vez, em 1998,  integrado num grupo de artistas da sua cidade natal, Takasaki, a 100 quilómetros de Tóquio. Todos pertenciam à associação Datchwa-Kai, que anualmente organiza uma viagem de estudo ao estrangeiro e que, todos os anos também, realiza uma exposição no Museu de Arte Moderna de Tóquio.

No ano seguinte, voltou sozinho e ficou um ano a pintar. Ainda regressou ao Japão, para expor o resultado desse trabalho numa galeria da capital, mas apenas se demorou por lá 15 dias.

Voltou a Portugal no ano 2000, já viúvo, e nunca mais daqui saíu. O que o encantou? Tudo, a luz, a paisagem, o facto de a cidade ser em socalcos, o que lhe permite pintar paisagens a partir de cima, como ele prefere. Gosta do vinho, do peixe, de sardinhas assadas e também de cozido à portuguesa e de feijoada. Já viajou por todo o país, mas é Lisboa o sítio que o apaixona.

Vive sozinho, mas tem vários amigos, designadamente o seu senhorio, o dono da casa onde mora, na Rua dos Prazeres, com quem janta frequentemente e com quem comunica por gestos. Por vezes, a família visita-o. O dinheiro é pouco, mas vai dando para subsistir, os hábitos são frugais.

O Corvo ainda insistiu. Sendo ele oriundo de um país com hábitos tão diferentes dos nossos, e tendo chegado a Portugal com quase sessenta anos de idade, não estranhou nada na forma de viver dos portugueses? Nada, estou em casa, responde Nagashima, com uma serenidade categórica.

E, na inauguração da sua exposição, no Espaço Cultural das Mercês, apresentando a quem chegava um prato de plástico e um par de pauzinhos e apontando para a mesa onde se alinhavam pratos e pratinhos cheios de deliciosos petiscos japoneses confeccionados por duas jovens suas conterrâneas, Nagashima sorria, feliz, e parecia mesmo que estava em casa.

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Reprodução do Princípe Real pintada pela mão de Nagashima

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