Lisboa, 25 de Abril de 1974: um exercício de memória contado na terceira pessoa
Na semana passada, quando nos sentámos para almoçar, surpreendi o meu Pai, 95 anos feitos em Março, ao pedir-lhe que olhasse mais uma vez para esta fotografia, tirada pelo Hans, o amigo alemão já falecido, e recordasse como e quando soubera que uma mudança profunda estava para acontecer na vida dos portugueses e na história do país.
O dia acordou abafado e cinzento. Às 8.30, quando saiu de casa para ir trabalhar como habitualmente, cruzou-se com o vizinho no patamar das escadas do prédio. “—Acabei de ouvir na rádio que a Baixa de Lisboa está a ser ocupada. Há tanques e militares armados por todo o lado! Se vai para lá, tome cuidado”. Recorda o aviso do vizinho.
Apressou-se para ir apanhar o metropolitano na estação de Entre Campos. Sentia uma enorme expectativa, porém, estranhou o ambiente de normalidade dentro da carruagem. Mas, à medida que subia as escadas de acesso à Praça dos Restauradores, uma multidão de vozes ressoava-lhe cada vez mais perto, cada vez mais alto. Algo se passava que não era como dantes. Recorda.
Apanhou o elevador da Glória para ir para o seu escritório– a fazer lembrar os livros de Chandler— situado no Chiado onde se estabelecera aos 30 anos por conta própria em import export. Passou-lhe à porta, mas não chegou a subir ao segundo andar. Foi dali directamente à Brasileira onde abraçou efusivamente os amigos “— Acabou-se a ditadura!” “– E agora, pá?” “– Então, agora é a democracia! E já não volta atrás.” Sentou-se no chão da Rua Garrett pela primeira vez, e única na sua vida, no meio da massa popular que enchia as ruas da Baixa.
Num pulo, foi para o escritório situado junto ao epicentro no Largo do Carmo. Na rua, os Capitães faziam História enquanto ele martelava nas teclas do telex a notícia do fim da ditadura traduzida em fitas perfuradas que enviou para Inglaterra e França. Abriu as portas a um grupo de militares que marcou posição estratégica da varanda com vista para o quartel e à amiga jornalista que fazia a cobertura para o Diário de Lisboa. Lá fora, o povo está unido. Recorda.
São disparados alguns tiros e ouve-se a voz de comando pelo megafone. Durante o compasso de espera tenso entre a GNR e o MFA o clima manteve-se pacífico até à rendição. Não houve resistência.
Entre a emoção e o lirismo as ruas encheram-se de cravos vermelhos, para sempre o símbolo da revolução.
“– Foi uma festa de liberdade plena. Não havia ainda apologia política”. Recorda.
O 25 de Abril foi esse instante. E a luta continua.